Dom Pedro Conti

Quero me divorciar

Uma senhora foi ter com um consultor muito famoso pela sua experiência em causas matrimoniais.

– Quero me divorciar e quero fazer o maior mal possível a meu marido – disse a mulher.

– Então, comece a elogiá-lo de todas as formas – sugeriu o consultor – Quando ficar indispensável para ele, quando ele pensar que o ama e o estima muito, aí sim, estará na hora de dar início à ação legal. Essa é a maneira mais segura para feri-lo o mais possível.

Alguns meses depois, aquela senhora voltou para dizer ao consultor que tinha seguido todos os seus conselhos.

– Muito bem! – disse o homem – agora chegou o momento de iniciar as práticas do divórcio.

– Divorciar? – respondeu a mulher com decisão – Não estou mais pensando nisso. Acabei me apaixonando por meu marido!

Após a primeira disputa de Jesus com os seus adversários sobre o assunto da observância da Lei do sábado, encontramos, no evangelho deste domingo, a segunda grande acusação contra ele. A questão agora é de onde vem o poder com o qual Jesus cura os doentes e expulsa os demônios. Mais uma vez, são os mestres da lei que buscam motivos para desmoralizar o Mestre e fazer que o povo não o procure mais. Excluindo qualquer inter venção divina, eles admitem só uma explicação: Jesus está possuído por Belzebu, o príncipe dos demônios. Também os parentes dele entram na conversa e querem agarrá-lo. Fizeram isso talvez para protegê-lo e resguardá-lo da multidão, que não lhe deixava mais tempo nem para se alimentar. Ou, mais simplesmente, porque queriam controlar e, quem sabe, explorar os poderes dele. No entanto o povo humilde e doente não desiste, continua a se reunir e não precisa de grandes investigações. O que vale é a intuição dos pobres, que percebem em Jesus a manifestação de uma força boa que cura corpos e espíritos. Uma força ainda misteriosa, mas, certamente, superior a todas as razões e conversas complicadas dos intelectuais e poderosos. Na prática, a explicação que Jesus dá a os adversários sobre o seu agir segue a lógica mais simples da sabedoria popular: é a união que faz a força, nunca a divisão! Qualquer reino dividido, sucumbe! Por isso, a estratégia de todo poder sempre foi, e será, aquela de dividir o povo, de colocar uns contra outros. É mais fácil derrotar um inimigo por vez que tentar vencê-los todos juntos.

Nessa altura, o evangelista Marcos coloca o pecado contra o Espírito Santo, uma culpa tão grave de ser imperdoável. Com efeito, a força que motiva e sustenta Jesus no seu agir bondoso é justamente do Espírito Santo. Recusar esta força corresponde a negar a missão e a pessoa divina de Jesus. Fica difícil para Deus perdoar quem não acredita e não confia nele, quem prefere apelar a Belzebu – ou a qualquer outra coisa – em lugar de reconhecer a misericórdia do Pai. Dito isso, entendemos também a resposta de Jesus sobre a sua família. Somente quem se dispõe a fazer a vontade de Deus, ou seja, a amar, perdoar e fazer o bem, pode ser considerado familiar, íntimo de Deus. É justamente quando ama que o ser humano revela a sua natureza divina, o seu ser imagem e semelhança de um Deus Amor. Ainda hoje, alguns cultuam Satanás e outros o chamam demais para explicar os mais simples contratempos da vida. Se algo dá errado, será que temos que incomodar o príncipe dos demônios ou achar que ele se mete em tudo? Não seria melhor invocar o Nome do Senhor e confiar mais na bondade dele? Devemos aprender a reconhecer os nossos erros e os nossos pecados. Somente assim pediremos a Deus a graça da conversão, em lugar de jogar as culpas sobre o demônio e pensar de sermos melhores daquilo que somos na reali dade. Como cristãos, devemos acreditar que é possível transformar o mal em bem, as lágrimas em sorrisos e a tristeza em esperança. Na Igreja também, a união fraterna é uma força invencível para superar divisões, invejas e disputas. Em lugar de nos “divorciarmos” das nossas comunidades, vamos aprender a elogiar o bem e as qualidades dos irmãos e das irmãs. Esse foi o conselho do consultor matrimonial. Esperamos que aconteça, também, a nós de nos apaixonarmos de novo pela nossa Igreja-família.

Santa obediência!

Certo dia, o Menino Jesus apareceu à Santa Teresinha. A santa, porém, não hesitou um instante em abandoná-lo, quando tocou o sino do Mosteiro que chamava à oração. A regra falava claro! Durante o noviciado, contaram à Santa Bernadete esse edificante exemplo de obediência e lhe perguntaram o que ela achava disso. A humilde vidente de Lourdes respondeu que ela teria agido diferentemente. As colegas ficaram surpresas e indignadas, mas a santa acrescentou: “Sem dúvida alguma, eu também teria ido logo para a oração, mas…teria levado comigo o Menino Jesus. Afinal, não devia ser muito pesado para carre gar”. Santa obediência das Santas!

Para o Ano Litúrgico, já estamos no tempo chamado Comum. Voltamos a ler de forma continuada o evangelho de Marcos. Ao menos para os próximos três domingos. Ainda estamos no segundo capítulo e encontramos logo uma das maiores disputas entre Jesus e os seus adversários. O que está em jogo é a obediência à Lei do Sábado. A questão é tão grave que, imediatamente, os fariseus e os partidários de Herodes começam a tramar como matar Jesus. Vamos dar uma primeira explicação. No tempo de Jesus, pouco tinha sobrado da estrutura judaica. Somente o Templo ainda ficava de pé e algun s dos ritos sagrados que os romanos permitiam. Herodes administrava bem pouco e sempre sob o controle das autoridades do Império. A Lei do Sábado representava, portanto, algo mais que uma norma, a qual ensinavam os mestres da Lei, o próprio Deus criador tinha obedecido descansando naquele dia. O Sábado representava uma brecha de liberdade e até de orgulho nacional contra os pagãos romanos. Isso explica o furor tão grande dos seus ferrenhos seguidores.

Na realidade, quando uma Lei e a sua rigorosa obediência passa por cima das necessidades básicas e da dignidade das pessoas, perde o seu maior sentido e acaba se tornando desumana. Com efeito, o descanso do sábado, lembra Jesus, devia ser em favor do ser humano e não contra ele. Deus nunca podia querer os seus filhos e filhas humilhados pela fome ou pela exclusão social. A vida digna e respeitada das pessoas vale mais do que todas as leis. Por isso, nesta página do evangelho de Marcos, Jesus escolhe uma situação de fome do rei Davi e dos seus companheiros e de desprezo de um homem aleijado de uma das mãos. O questionamento de Jesus &eacu te; também sem saídas. Pode ser justa uma lei que impeça de fazer “o bem”? Se, depois, a obediência tivesse como consequência “o mal”, que é também “o bem” não feito, ou seja a omissão do bem, com certeza seria uma lei perversa. Pior ainda se esta Lei é respaldada pela autoridade divina. Pode Deus ter dado uma lei contra as suas próprias criaturas? Não era só questão de interpretação dos textos sagrados. Estava em jogo a autoridade dos que se consideravam guardiões da vontade de Deus, os fariseus, os observantes, e a autoridade de Herodes, do político de fachada respaldado pelo Império.

Nada espanta mais “as autoridades”, em qualquer momento, incluindo as religiosas, do que o povo livre, capaz de buscar algo mais sério e maior que um preceito a ser observado. Mais, ainda, quando essa lei acaba sendo um jugo opressor e é distorcida ao ponto de passar por cima da fome do povo e da dignidade de cada ser humano. Nesse caso, a liberdade a ser defendida, não é só de uma nação ou da autoridade que, temporariamente, está no comando. Está em perigo o próprio ser humano, machucado, desprezado, escravizado. Para Jesus e nós, seus discípulos, existe uma lei bem maior de todas, a lei do amor, a única que não pode ser imposta e sempre deve ser lembrada e escolhida antes das outras. Quando acontece o contrário, as leis acabam sendo parciais, injustas ou defensoras de privilégios de alguns. Esse será sempre um grande desafio para qualquer legislador. Pensando bem, acredito que nem Santa Teresinha desobedeceu e nem Santa Bernadete teria desobedecido às leis do mosteiro. Bastava levar o Menino Jesus no coração. E isso, com certeza, elas fizeram sempre. E foi bem leve e agradável!

Somos bastante criativos

Li numa revista que, pelo mundo a fora, existe um site que ajuda os maridos a encontrar uma boa desculpa para ter uma vida dupla ou viver uma aventura extraconjugal. O site foi criado, especialmente, para vender aos clientes “provas” do seu bom comportamento. São álibis como: a conta de restaurante, uma passagem de uma viagem de avião (não realizada), um convite, um pequeno recorte de jornal e assim por adiante. Os idealizadores do site afirmam: “So mos bastante criativos, não há problema que não se possa resolver”. O site ainda oferece três opções de idiomas: inglês, francês e alemão, e a garantia de que as provas serão bem sólidas, sem deixar brechas para dúvidas. Na propaganda, não estava especificado o preço do serviço. Também não dizia se já atendem mulheres e, o mais importante, em português. Só vale lembrar que, às vezes, pensamos que uma mentira contada para encobrir outra, afinal, se torne, ou se pareça, com a verdade. Será mesmo?

No domingo seguinte à Solenidade de Pentecostes, a liturgia sempre nos convida a refletir sobre aquele que nós, cristãos, chamamos de “mistério” da Santíssima Trindade: um único Deus, em três Pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Nós acreditamos que foi dessa maneira que, aos poucos, o nosso Deus se fez conhecer. Na Bíblia, já no Antigo Testamento, Deus foi apresentado, no seu jeito de agir e querer, c omo o Deus libertador, o Deus da Aliança com o povo eleito. Raramente, o Todo Poderoso recebeu o título de “pai”. Foi o Filho, que assumiu a natureza humana em Jesus de Nazaré que nos falou de Deus Pai, um pai bondoso, providente e misericordioso. Pai de todos, ao ponto que podemos rezar chamando-o de “Pai nosso”.

O evangelista João elaborou uma trabalhada apresentação do relacionamento do Pai com o Filho. Jesus repetia que vinha do alto, que estava obedecendo ao Pai e dizendo aquilo que tinha ouvido dele. Deviam acreditar. Os judeus, porém, pediam, ao menos, duas “testemunhas” como em qualquer depoimento jurídico. Era o mínimo necessário para confirmar a verdade das afirmações. Jesus respondia que, além dos sinais que fazia, era o Pai a dar te stemunho dele. Em certas ocasiões, como no batismo no Rio Jordão e na Transfiguração, foi a voz do Pai que disse: “Este é o meu Filho amado”. Jesus também fala do Espírito Santo que virá, quando ele voltar para o Pai. O Espírito Santo, o Consolador e Defensor, lembrará as coisas que ele, Jesus, o Filho, ensinou e conduzirá os fiéis no conhecimento da verdade.

Podemos chegar à conclusão que entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo não têm segredos, tudo é em comum, também se cada um tem uma missão própria. A Igreja, comunidade dos cristãos, que anuncia a fé trinitária, deve mostrar algum traço visível do mistério trinitário. O faz quando vive e pratica a unidade e o relacionamento construtivo entre as pessoas. É fácil entender a necessidade da comun hão. Com certeza, divisões e disputas não ajudam a manifestar a beleza da nossa fé. A nossa união deve ser reflexo da Trindade, não o fruto de ideias, projetos ou seguimento cego de alguns líderes mais ou menos carismáticos. Mais difícil é a partilha da nossa experiência de fé, esperança e caridade. Fazemos muitas atividades e celebramos muitas missas, juntos, mas poucas vezes trocamos os nossos sentimentos e a nossa vivência espiritual. Ainda não aprendemos a fazer isso ou temos receio que os outros zombem da nossa contemplação, da alegria de servir, da paciência que temos sabendo que os tempos das pessoas e de Deus não são os nossos, apressados ou demorados que sejam. Além de brigar entre nós, de desistir após a primeira crítica, parecemos estranhos que, pelas circunstâncias acabaram fazendo parte do mesm o grupo que se encontra na tal igreja. Bem pouco, porém, temos em comum. Desse jeito é difícil convencer os que olham para nós, com curiosidade ou crítica, que acreditamos no mesmo Deus, Uno e Trino. Somos sempre muito criativos para desculpas e justificativas. Precisamos melhorar a nossa imaginação e a nossa prática para vivermos mesmo a fraternidade e a comunhão.

Os pecados serão perdoados

Após uma grande assembleia, uma delegação de demônios foi ter com Deus para apresentar-lhe uma gravíssima reclamação.

– Veja, Senhor – iniciou o porta-voz – nós, antigamente cometemos um único pecado e fomos condenados a sofrer eternamente no inferno. Olhamos para a terra e vemos os homens cometerem milhares de pecados. Nós tentamos e eles facilmente nos obedecem. É moleza. Contudo, se eles dão um pequeno sinal de arrependimento, são perdoados, não uma, mas milhares de vezes. Nós erramos uma vez e fomos condenados. Eles o fazem tantas vezes e se salvam. Onde está a justiça?

– Deus respondeu: É verdade, Perdoo e perdoarei milhares de vezes. Vocês foram condenados, porque nunca pediram perdão e nem deram sinal de arrependimento. Seria suficiente reconhecer que fizeram o mal, arrependerem-se e seriam perdoados sem demora. De fato, os homens me ofendem muito. Eles pecam, mas se arrependem. Recorrem ao meu coração e eu jamais poderei negar o perdão a quem se arrepende. Os mensageiros do inferno não quiseram mais conversa. Saíram enraivados e foram explicar aos seus colegas o que Deus lhes tinha dito. Continuaram e intensificaram as suas artimanhas para afastar os homens da misericórdia do Pai, mas alguns dizem que formaram uma equipe para estudar a negociação do arrependimento. Quem sabe?

A celebração do domingo de Pentecoste, cinquenta dias após a Páscoa, acompanha o livro dos Atos dos Apóstolos. A forte ventania e o fogo, a superação do medo e a coragem dos apóstolos de saírem para anunciar a ressurreição de Jesus, sinalizam o dom do Espírito Santo. Para o evangelista João, desde quando Jesus morreu na cruz, ele “entregou o espírito” e ao anoitecer do dia de Pás coa, o dia da Ressurreição, soprou sobre eles e disse: “Recebam o Espírito Santo”. Logo em seguida, encontramos as palavras: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,23). Surge a pergunta: qual a ligação entre o dom do Espírito Santo e o perdão dos pecados? É bom entender isso porque está em jogo o sentido do dom do Espírito Santo e a própria missão da Igreja, animada pelo mesmo Espírito até a volta do Senhor Jesus no fim dos tempos.

Vou dizer logo que por “pecado” entendo tudo aquilo que contraria o projeto do Reino de Deus. Nesse sentido, temos os pecados facilmente reconhecíveis, aqueles que destroem a vida e a dignidade das pessoas, as escravizam e afastam do amor de Deus e dos irmãos. Não precisa, porém, sermos declaradamente adversários de Deus; é suficiente excluí-lo da nossa vida e colocar em primeiro lugar a nós mesmos, os nossos projetos, o nosso orgulho. Muitas vezes, reconhecer essa indiferença é mais difícil do que admitir erros e maldades. Nos arrependermos de não ter feito nada é mais complicado que lamentar as consequências do mal praticado. O dom do Espírito Santo quer nos ajudar a enxergar e a não praticar o mal, mas, muito mais, a nos tornarmos “santos”, ou seja, cristãos que praticam o bem, vivem o mandamento do amor, gastam a vida a serviço do Reino de Deus. O fogo não queima somente, ele também aquece e ilumina.

Todos nós, batizados e crismados, continuamos pecadores, ainda estamos a caminho da santidade. Caímos, manchamos a veste branca do nosso batismo. No entanto, apesar dos pecados e das falhas, não desistimos de levantar e continuar na missão de testemunhar a beleza e a grandeza do amor de Deus para com todos. O perdão dos pecados, a prática do sacramento da Reconciliação, é para isso: não ficar caídos, nunca perder a esp erança de poder ser melhores. No nosso batismo unimos a nossa vida à vida daquele que venceu o mal e a morte: Jesus, o Filho. Mas também à vida do Pai e do Espírito Santo. Desistir de recomeçar, desistir de pedir perdão, seria como dizer que Jesus morreu na cruz por nada, que nada mudou, que ainda é o mal que domina o mundo e a morte tem a última palavra. Talvez o demônio ainda acredite nisso. Nós cristãos não mais.

A lógica da serpente

Neste domingo, juntam-se muitas celebrações. Para o calendário litúrgico, é a Solenidade da Ascenção do Senhor. Para a nossa Igreja é, também, o Dia Mundial das Comunicações Sociais e para todas as famílias é o Dia das Mães. Quando é assim, tenho que escolher. Não dá para falar de tudo ou misturar. Peço desculpa às mães se, desta vez, as deixarei um pouco d e lado. Por falta de espaço, não de assuntos ou de respeito.  Ao contrário, tenho maior consideração com as mulheres que, apesar das dificuldades, da pobreza e, às vezes, da violência, levam até o fim a gestação e doam a vida aos seus filhos. Todo ser humano deve a sua existência àquela mãe que o carregou no seu ventre por nove meses. Deveria agradecer muito por isso e, mais ainda, se foi bem cuidado, educado e cresceu em segurança e paz.

Aproveitarei do Domingo da Ascenção e da mensagem que Papa Francisco nos dirigiu sobre algo que nos preocupa a todos: as notícias falsas, ou destorcidas, espalhadas pelos meios de comunicação e pelas redes sociais.

Na primeira leitura do livro dos Atos dos Apóstolos, escutamos as palavras de Jesus que, ao se despedir dos apóstolos, os envia para serem “testemunhas” “até os confins da terra”, ou seja, em todo lugar e até a história humana perdurar. Os seguidores de Jesus sempre terão a “boa notícia” dele – o evangelho – para oferecer a quem encontrar nos caminhos da vida. Eles terão que ser os primeiros a acre ditar na verdade do anúncio que irão divulgar, no valor e na novidade absoluta desta comunicação. Alguns dos ouvintes irão acreditar, outros ficarão indiferentes, outros, enfim, irão combatê-la como absurda, falsa ou prejudicial ao bem da sociedade. A fé e o martírio sempre caminharam e, ainda hoje, caminham juntos. Mas a missão da evangelização, apesar dos obstáculos e das mudanças de época, não pode parar. Em nossos dias, temos grandes possibilidades de comunicação. Ficou mais fácil anunciar o evangelho? Talvez, hoje, possamos evangelizar também ficando sentados na frente de um computador e aproveitar da Internet. Outros estarão atrás de microfones e telecâmeras, usando as ondas das rádios e das TVs. Contudo, apesar de tantos novos instrumentos, nunca poderemos nos esquivar do testemunho da nossa vida p essoal, das nossas famílias e das nossas comunidades cristãs. O encontro entre as pessoas sempre será o critério e o meio decisivo para uma evangelização capaz de marcar e mudar o coração das pessoas e a própria história da humanidade. É nesse ponto que entra a mensagem do Papa Francisco.

Ele nos lembra que as notícias falsas funcionam com a “lógica da serpente”. Se refere ao que lemos no livro do Gênesis sobre a primeira tentação e as suas consequências de pecado e de morte. A mentira sempre se apresenta como plausível, ou seja, possível e razoável. Por esse caminho de engano e disfarce, a notícia falsa acaba sendo acolhida e divulgada. Para os cristãos, Papa Francisco aponta, como antí ;doto mais radical ao vírus da falsidade, o compromisso a “deixar-se purificar pela verdade”. Na Bíblia, a palavra “verdade” reúne também os sentidos de apoio, solidez e confiança. “A verdade é aquilo sobre o qual podemos nos apoiar para não cair”. Assim, “o único verdadeiramente fiável e digno de confiança” é o Deus vivo. Jesus afirmou ser ele a Verdade e ensinou aos discípulos que “a verdade vos tornará livres” (Jo 8,32). A verdade, portanto, continua Papa Francisco, é algo “relacional”, deve ser buscada nas relações livres entre as pessoas. “A partir dos frutos, podemos distinguir a verdade dos vários enunciados: se suscitam polémica, fomentam divisões, infundem resignação ou se, em vez disso, levam a uma reflexão consciente e madura, ao di&aac ute;logo construtivo, a uma profícua atividade”. O último convite do Papa Francisco é para que os jornalistas cumpram com consciência a sua profissão. Aquela de ser “guardião das notícias” é uma verdadeira missão, quando promove um jornalismo de paz, a serviço de todas as pessoas, mas sobretudo daquelas que – “no mundo são a maioria” – não tem voz. É uma exortação que vale para todos. Somos chamados a ser testemunhas da Verdade e a desmascarar a “lógica da serpente”.

O escolhido

Um avião caiu na selva. Morreram todos, menos um piedoso crente que era um famoso pregador. Logo pensou que se Deus o tinha poupado era porque o escolhera para uma grande missão. Ajoelhado, começou a rezar: “Obrigado, Senhor, pelo milagre de estar vivo, porque me escolheste, entre todos, para viver. Obrigado, pelos meus familiares que não sofrerão pela minha perda. Obrigado, pela comida, pela água e pela chance de sobreviver. Eu te prometo que, se chegar são e salvo, darei a todos testemunho de tua bondade”. Pegou um bote salva-vidas, as provisões, e desceu o rio. Estava feliz, teria muito para contar, porém um galho pontudo furou o bote que logo afundou. Ele perdeu tudo e com muito esforço conseguiu alcançar a margem. Exausto, com fome e com frio, mudou a sua oração: “Senhor, se era para eu morrer agora, aqui, no meio das feras, porque me salvaste lá?”. Uma voz do céu lhe respondeu: “Você teve a chance de sepultar os que morreram e de orar por eles. Pensou na dor dos seus parentes, mas não na dor dos parentes deles. Ao invés disso, gastou cinco dias para me louvar porque eu o salvei. Pensou logo nos sermões que pregaria contando a sua incrível história. Em nenhum momento pensou nos outros. Lamento, mas você não passou no teste de solidariedade”. Arrependido, o homem rezou novamente e pediu uma nova chance. De manhã conseguiu um tronco e chegou boiando no vilarejo mais próximo. Viveu mais 40 anos. Nunca mais falou de si. O tempo todo falava do que Deus fez pelos seus santos. Nunca mais se apresentou como o eleito, acima dos outros. Morreu querido e admirado por sempre dar a chance aos amigos. Na lápide do seu túmulo, mandou escrever: “Tornou-se cristão no dia em que aprendeu que o Deus que o amava, também amava os outros”.

Encontrei essa estorinha, assinada pelo padre Zezinho. Pode nos ajudar no domingo no qual proclamamos a página do evangelho de João que fala do amor. Jesus deixa aos discípulos o seu mandamento: “Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”. E ainda afirma que o amor maior é dar a vida pelos amigos. Isso foi o que ele fez de verdade e fez mais, porque perdoou também aos inimigos. Não podemos duvidar: o amor de Deus é tão gr ande que não tem inimigos, ele ama a todos. Para nós, egoístas e interesseiros como somos, tudo isso parece uma meta inatingível, palavras maravilhosas, mas, no fundo, irrealizáveis e, portanto, fora do nosso alcance. Melhor desistir logo. No entanto, Jesus nos deixou tudo isso como “mandamento”, ou seja, um compromisso a ser tomado a sério. Uma ordem que todos podemos cumprir, porque a todos é dada a possibilidade de amar e de fazer o bem, também se, obviamente, em tantas formas diferentes.

Na sua bondade e providência, Deus respeita a nossa liberdade ao ponto que podemos errar, desprezá-lo, fazer o contrário do que ele nos pede. Mas, usando a mesma liberdade, podemos agir corretamente, praticar a misericórdia, a compaixão e a solidariedade. Por isso, Jesus nos chama de amigos e não mais de servos. Com efeito, nós sabemos muito bem o que o nosso senhor faz: ama a todos. Devemos ser nós mesmos a decidir, livremente, de nos torn ar “servos” do amor. Na carta aos Gálatas, por exemplo, Paulo ensina que quem não escolhe servir por amor, acaba ficando escravo dele mesmo, dos seus vícios, do pecado e da morte.

Temos infinitas possibilidade de amar o nosso próximo. As oportunidades não faltam; pequenas e grandes, simples e heroicas, no escondimento e, às vezes, públicas. Talvez seja bom começar pelos pequenos gestos de atenção e carinho. Depois passar para algo mais difícil, como repartir o alimento, a roupa, a terra, a água. Mais um passo e chegamos a assumir alguma responsabilidade na comunidade, no voluntariado, dando com generosidade u m pouco do nosso tempo, daquilo que sabemos, da nossa competência profissional. De tanto treinar, alguns e algumas vão se sentir chamados a servir e a amar os filhos, os pais, os doentes…dos outros, não só os da própria família. Talvez, chamados a dar a vida por causa do evangelho. Por amor. O Senhor sempre nos dá novas chances.

Caminharei os 28 km até a nossa casa

Quem contou este fato foi o neto do Mahatma Gandhi. “Naquele tempo eu morava com a minha família na África do Sul, no interior, a 28 km da cidade de Durban. Certo dia, meu pai pediu-me que o levasse até a cidade, onde participaria de uma conferência o dia todo. Como íamos até a cidade, minha mãe me deu uma lista de coisas que precisava comprar no supermercado. Também tinha que levar o carro na oficina para alguns acertos. Na despedida , meu pai me disse:

– Nos vemos aqui, às 17 horas, e voltaremos para casa juntos. Cumpri todas as tarefas e decidi ir ao cinema.

Acabei esquecendo a hora. Quando o filme acabou já eram 17h30. Corri até a oficina, peguei o carro e fui ao encontro de meu pai. Ele me perguntou ansioso:

– Por que chegou tão tarde?

Eu não tive coragem de dizer que tinha ido ao cinema. Assim, eu menti e respondi que o carro não estava pronto. Não sabia que meu pai já tinha telefonado para a oficina. Ao perceber que estava mentido, meu pai me disse:

– Algo não está certo no modo como o tenho criado, porque você não teve coragem de me dizer a verdade. Vou refletir sobre o que fiz de errado. Caminharei os 28 quilômetros até a nossa casa. Assim, vestido com as suas melhores roupas e calçando sapatos elegantes, meu pai começou a caminhar pela estrada de terra sem iluminação. Guiei por cinco horas e meia atrás dele. Vendo meu pai sofrer por causa de uma mentira est úpida que eu havia dito, decidi, ali mesmo, que nunca mais mentiria. Esta lição marcou a minha vida mais que qualquer castigo”.

No evangelho de João do Quinto Domingo da Páscoa encontramos, de novo, uma bela comparação desse evangelista. Jesus se identifica com o tronco da videira e nós, os seus amigos e seguidores, seríamos os ramos. Para produzir frutos, os ramos, precisam ficar juntos ao tronco. Essa ligação é questão de vida ou de morte. Os ramos separados, ou cortados, secam e só servem para serem queimados. Mas, se continuarem unidos ao t ronco, produzirão muito fruto e maior será a glória do Pai. Até aqui, a comparação é clara, não deixa dúvidas. Nos ajuda a entender que o nosso relacionamento com Jesus é algo de vital, não é uma mera formalidade ou um qualquer encostamento superficial. O que nos surpreende é o papel do agricultor, que Jesus diz ser o Pai, “meu Pai”. É ele que limpa os ramos e corta os que não produzem frutos. Assim funciona o bom cultivo das videiras. A limpeza e a poda são decisivas. Parece algo dolorido e cruel, mas é a única maneira para que as forças do tronco não se espalhem por galhos e folhas inúteis.

Como entender isso para a nossa vida espiritual? Seria Deus a nos enviar sofrimentos para limpar o nosso coração? Não esqueçamos que o objetivo da poda é a produção de frutos melhores. Se pensamos a quantas energias gastamos para infernizar a vida dos outros com as nossas disputas, com a inveja, o ciúme e a vingança, deveríamos agradecer a Deus se tudo isso, um dia, é definitivamente cortado. São as sobras, as c oisas inúteis para o bem que devem ser cortadas. Nada de castigo. É alívio mesmo.

Do jeito que só ele conhece, Deus Pai nos liberta do peso de tantas mágoas e ressentimentos. Talvez fique dolorido para o nosso orgulho, mas faz um bem imenso ao nosso coração. Bem podados e unidos a Jesus, podemos amar mais, produzir mais frutos bons. Deixamos que seja ele a podar a nós e aos nossos irmãos, também os que estão errados. Foi o que Jesus ensinou e praticou. Nós gostamos de punir e castigar, achamos que resolve. Ele n& atilde;o deixou jogar pedras contra a mulher adultera. A Simão, que desprezava a pecadora, lembrou que ele também tinha dívida. Não mandou para o inferno os dois ladrões, morreu na cruz junto com eles e, a quem queria, ofereceu o Paraíso. Esse é o nosso Deus, esse é o nosso Pai.

Quando pensamos que já aprontamos demais e que não merecemos mais o perdão, ele faz festa por causa do nosso arrependimento. Ele não poupou o seu próprio Filho para nos salvar. Se Deus Pai errou na nossa criação foi por nos ter amado e continuar a nos amar demais. Somos nós que ainda não aprendemos a lição.

Vive primeiro o que está escrito

O Abbá Abrão contava de um Abbá de Skete que era escrivão e não comia pão. Chegou um irmão pedindo-lhe que copiasse um livro para ele. O ancião, que tinha o coração mergulhado na contemplação, não copiou todas as linhas e não colocou os sinais da pontuação. O irmão pegou o livro, e quis pontuar as frases, percebeu que faltavam algumas linhas e disse ao ancião: “Faltam algu mas linhas, pai”.

Ele respondeu: “Vai, vive primeiro o que está escrito, depois vem e te escreverei o restante”.

Uma simples anedota dos Padres do deserto para uma grande lição. A Palavra de Deus é mais que um livro para ser lido: é um caminho de vida. No terceiro domingo de Páscoa, deste ano, encontramos o relato de mais uma aparição pós-pascal de Jesus. O trecho é do evangelho de Lucas e é a continuação da belíssima página dos discípulos de Emaús. Também lá, o peregrino, ainda desconhecido, explicava as Escrituras aos do is desanimados. Assim, eles mesmos disseram que lhes “ardia o coração” quando ele falava. Depois de tê-lo reconhecido “ao partir o pão”, os dois voltaram para Jerusalém de onde queriam fugir. Encontraram os Onze e os demais discípulos reunidos. Contaram o acontecido e escutaram a experiência dos outros. É nesse momento, de comunhão e partilha, que Jesus ressuscitado se faz presente. Também nessa “aparição”, ele faz questão de lembrar a sua paixão, como também lemos no evangelho de João. Quer ajudá-los a superar o susto, o medo e, também, a esclarecer as dúvidas. Para isso, Jesus novamente abre a inteligência deles explicando as Escrituras. Nada do que aconteceu foi por acaso ou sem motivação; basta entender bem o que já estava escrito.

Por que tudo isso é tão importante? Porque, para nós, Jesus ressuscitado não vai “aparecer”, mas continuamos a ler as Escrituras do Antigo Testamento e, agora também, os escritos do Novo Testamento. É a Bíblia, o conjunto de livros que nós cristãos chamamos de Palavra de Deus. Para alguns é um arquivo de costumes e culturas dos povos daquele tempo, nada mais que uma preciosa relíquia do passado. Para outros é um exemplo de sabedoria popular, construída ao longo de séculos. Sem dúvida, é um livro respeitado e muito estudado, mas para nós cristãos deve ser muito diferente. Nós não “visitamos” a Bíblia por causa de estudos ou de pesquisas, nós queremos entender, ou seja, abrir a nossa inteligência e o nosso coração àquela que, acreditamos, seja nada menos que Palavra de Deus. As Sagradas Escrituras são a comunicação daquele que, para poder falar conosco, teve que se adequar às limitações humanas de língua e de compreensão. Deus, quis tanto “falar” com a humanidade – ao menos com alguns, para que a mensagem chegasse a todos – que a Palavra se fez “carne” na pessoa de Jesus de Nazaré. Porque Deus não falou e não fala somente com palavras, mas também com gestos, ações e aconteci mentos. Por isso, a Bíblia não é um tratado sobre a Divindade, mas conta muitas histórias de pessoas e situações, alegres e tristes, maravilhosas e trágicas. Igual à vida de cada ser humano, em carne e osso, e de cada povo real. E Deus está envolvido nesta vida.

É dentro desse emaranhado de palavras e sentimentos, decepções e esperanças, fracassos e vitórias que nós devemos aprender a escutar a Palavra de Deus. A Bíblia, já deve ter ficado claro, não é um discurso, mas sim uma experiência de vida. Cada um de nós ama, sofre, faz coisas certas e coisas das quais depois se arrepende, às vezes ajuda os irmãos, outras vezes os machuca. O grande segredo para entender a Palavra de Deus, quando fazemos a m emória daqueles acontecimentos, é, portanto, sempre confrontar a nossa vida com aquilo que lemos. A Palavra de Deus quer nos ajudar a experimentar, hoje, as maravilhas que Deus sempre fez e ainda faz para os seus amigos: o seu amor, a sua misericórdia, a sua fidelidade. A Palavra de Deus deve ser experimentada na vida. Somente assim se torna viva, atual e luminosa para o nosso caminhar. Mais a vivemos, mais a compreendemos.

Tomé perdeu o orgulho, mas ganhou a fé

Um rei sentindo a necessidade de preparar sua sucessão, chamou os três filhos. A cada um entregou um pacote com sementes e avisou que partiria para uma viagem que duraria dois anos. Disse-lhes: “Quando eu regressar, gostaria que vocês me devolvessem as sementes. Aquele que cuidar melhor delas, será meu sucessor”. E viajou. O primeiro filho procurou um cofre de alta segurança e lá depositou as sementes. O segundo pensou que, se as guardasse, poderiam morrer sufocadas ou secar. Por isso, foi à feira da cidade, vendeu-as e guardou o dinheiro com o intuito de comprar sementes mais novas na volta do pai. Finalmente, o terceiro filho foi para os jardins, ao redor do palácio, preparou a terra e as semeou. Os dois anos se passaram, o pai voltou e quis ver as sementes. Quando o primeiro filho abriu o cofre, as suas sementes estavam secas. O pai lhe disse que, agora, elas eram inúteis. O segundo filho chegou com outras sementes iguais as recebidas, mas o pai lhe disse que, dessa forma, não tinha conseguido nada de novo. O terceiro filho levou o pai para os jardins, onde centenas de plantas cresciam, cheias de flores e perfumes. “Estas são as sementes que o senhor meu pai me deu”, disse o terceiro filho. O pai não teve dúvida e, feliz, respondeu: “E tu, meu filho, serás o meu sucessor”.

No segundo domingo de Páscoa, a leitura do evangelho de João nos apresenta sempre a segunda aparição pós-pascal de Jesus ressuscitado. O apóstolo Tomé estava ausente na primeira aparição e duvidou daquilo que os demais afirmavam: tinham visto o Senhor! Quando, porém, na segunda aparição, Jesus convida Tomé a reconhecê-lo e a colocar os seus dedos nas feridas – sinais da paixão -, o apóstolo faz uma maravilhosa profissão de fé e o proclama: “Meu Senhor e meu Deus”. A fé da primeira comunidade está se consolidando. Jesus não é mais só “o Crucificado” e que, em vida, fez tantos “sinais”. Agora ele é reconhecido como a manifestação, sempre prometida, mas nunca, antes, imaginada do próprio Deus. A luz da fé começa a iluminar o mistério do amor insondável com a humanidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. No entanto, o que fazer desta fé, desta luz? A que serve acreditar? Vale a pena? A comparação com as sementes é sempre útil para entendermos o que podemos fazer com o dom da fé.

Existem cristãos que se consideram os tais, porque chegaram a organizar uma explicação lógica e inabalável de algumas verdades indiscutíveis. Decoraram o “Credo” e o guardaram a sete chaves. Nunca mais questionaram a própria fé, nunca mais se perguntaram o porquê de tudo aquilo. São os cristãos do “já sei”. Receberam dos seus pais o pacote e o guardaram. Talvez nem chegaram a abri-lo para ver o que tinha dentro. Nem olham mais, por medo de serem incomodados nas “suas” verdades tão seguras.

Outros acham que todas as crenças, mais ou menos, são iguais. Podem ser trocadas, negociadas, misturadas, esquecidas. Pior seria não acreditar em nenhum Deus. Depois, como seria este Deus, se é o verdadeiro ou se é o fruto da própria imaginação ou conveniência, pouco importa. Na hora da precisão, numa festa ou num enterro, algum “deus” aparece para ser invocado. E algum “ministro” para falar dele também.

Por fim, tem os cristãos que querem viver a própria fé. Quando tem dúvidas, quando estão para esquecer, procuram os irmãos. Não se afastam da comunidade. Querem saber, entender. Questionam, buscam, alimentam, corrigem, renovam o que pensam e gostam de acreditar. Sabem que o Deus verdadeiro não cabe nos raciocínios e nas explicações da inteligência humana. Ele será sempre maior e surpreendente na sua bondade. Já descobriram que para conhecer o amor precisa arriscar a amar. Para entender a compaixão e a misericórdia, é necessário saber ser solidários e saber perdoar. Já descobriram que Deus está mais perto dos corações humildes. Ele se deixa encontrar por aqueles que levantam as mãos em oração e que pedem perdão por suas faltas. O terceiro filho cuidou bem das sementes? Ofereceu os frutos delas. Tomé perdeu o orgulho, mas ganhou a fé.

Deus ressuscitou Jesus, aleluia

Neste ano, por coincidência, o domingo de Páscoa cai no dia 1º de abril, apelidado como “Dia da Mentira”. Uma brincadeira que caiu no gosto do povo e que não deixa de gerar confusões. Algumas acabam em belas e alegres gargalhadas, outras deixam rastos de raiva e humilhação. Em tempos de redes sociais, tenho certeza de que a questão da data dará muitas conversas, a favor ou contra. No entanto, se, no dia de Páscoa, al guém escrever: “Uma mentira que dura mais de 2000 anos”, não estará dizendo nada de novo.

No evangelho de Mateus, lemos que os guardas que tinham sido colocados para vigiar o túmulo de Jesus foram comprados, justamente, para espalhar a notícia falsa do roubo do corpo por parte dos discípulos dele (Mt 28,11-15). Outros, evidentemente, usarão argumentações mais sutis e elaboradas para difamar a fé dos cristãos. É bom estar preparados, não só para dar “razão da nossa fé” (1Pd 3,15), m as, sobretudo, para a nossa própria paz interior e podermos celebrar com alegria o evento que dá sentido ao nosso ser cristão. Um dia, também São Paulo escreveu aos fiéis de Corinto que “se Cristo não ressuscitou…a vossa fé não tem nenhum valor” (1Cor 15,12-18) e concluía, de forma mais lapidária ainda: “Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão.” (1Cor 15,19). Vamos, portanto, entender um pouco a questão, sem a pretensão de esgotar o assunto ou obrigar alguém a acreditar. A fé é um dom de Deus e nunca será o simples resultado dos nossos argumentos racionais, porque, se fosse assim, chegaríamos a pensar que, no fundo, o que está em jogo não é mais algo, ou Alguém, acima de nós, mas tu do seria somente o fruto da, cada vez mais orgulhosa, inteligência humana.

Vamos logo tirar da nossa frente uma questão: verdade ou verdadeiro é só o que cada um de nós pode experimentar ou não? Nesse caso, o nosso conhecimento real seria bem reduzido. Bem pouco podemos ver com os nossos olhos ou experimentar com os demais sentidos. Na maioria das vezes, confiamos em quem nos diz ter visto, ouvido, e assim por diante. Em geral, todos confiamos, por exemplo, naquela que, de alguns séculos para cá, chamamos de “ci&e circ;ncia experimental”. Quando algo é provado e os experimentos podem ser repetidos nos laboratórios, o resultado merece toda a nossa confiança. No entanto, tem eventos que aconteceram uma vez por todas e que somente, em parte, são desvelados. É o caso do tão badalado, possível, Big Bang.

Nesse sentido, a Ressurreição de Jesus está fora dos eventos que podem ser experimentados, medidos ou repetidos. Está num outro plano, o da fé, ou seja, daquelas verdades que admitem a existência de Alguém maior do que nós. Alguém que, convencionalmente, chamamos de Deus. Nesse caso, porém, não é um Deus qualquer, um ser sem rosto, fruto de especulações filosóficas ou sapienciais, mas aquele Deus, Pai de Jesus que, alguns dias antes, tinha sido crucificado e que todos tinham visto morrer e ser sepultado. Esse foi o primeiro anúncio de Pedro no dia de Pentecostes: “… Deus ressuscitou este mesmo Jesus, e disso nós somos testemunhas.” (At 2,32). E, logo em seguida, o apóstolo declara: “Portanto, que todo o povo de Israel reconheça com plena certeza: Deus constituiu Senhor e Cristo a este Jesus que vós crucificastes” (At 2,36).

A Ressurreição de Jesus não foi a volta à vida biológica de um cadáver, que depois teria morrido novamente. Foi algo totalmente novo, além de toda a expectativa e experiência humana. Algo, porém, que desde sempre está na esperança de cada ser vivo consciente da sua mortalidade. Nós todos nascemos com sede de vida e nos parece absurdo caminhar rumo à morte. A Ressurreição de Jesus abre a nossa visão sobre “outro mundo possível”, o mundo da realidade de Deus, do amor dele, da sua Vida Plena prometida a todos àqueles que nele acreditarem. Esta Vida é, e não é, outra Vida. É Vida diferente, porque é a própria Vida de Deus, mas é uma Vida que começa aqui, nesta nossa pobre existência de peregrinos, quando abrimos o nosso coração ao amor solidário e fraterno, quando apostamos que a busca do Reino de Deus e da sua justiça nos traga já os germes e os sinais da Vida Plena, Eterna, onde “não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores passaram” (Ap 21,4).

A verdade da Ressurreição de Jesus e da nossa só pode ser entendida e acreditada junta com a Verdade do Amor de Deus e do amor nosso quando, de fato, gera vida nova, para todos, sem exclusões e sem limites de entrega. Os primeiros discípulos acreditaram, os mártires derramaram o seu sangue, incontáveis cristãos, santos e santas, humildes e famosos, seguiram os passos de Jesus, o Homem Novo, ressuscitado. São Vitor já dizia: & ldquo;Senhor, se o nosso é um erro, foste tu que nos enganaste”. Mas Deus não mente, não engana ninguém. Para os que acreditam somente Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida