Dom Pedro Conti

A maior riqueza

Certo dia, uma criança se perdeu em uma montanha. Depois de muito andar, bateu na porta de uma casa enorme, no meio da floresta. O velho que veio abrir, vendo o menino ficou surpreendido: – Andas perdido, pequeno?

– Sim, e não sei voltar para casa.

– Entra, então, descansa comigo esta noite e come da minha ceia. Enquanto jantavam, puseram-se a conversar.

– Eu sou – disse o velho – um sábio e quero salvar o mundo. Propus-me essa missão e está quase terminada. Descobri como se fabrica o ouro e, assim, todos os homens poderão ter um tesouro e ser felizes.

– Ouro? Para que ouro? Eu não preciso dele. Eu sou rico, meu senhor. Tenho pai, tenho mãe e até um irmãozinho. Sou muito rico de amor!

Ao ouvir essa resposta, o velho ficou pensando. Olhou para os seus instrumentos de fazer ouro e depois para o céu. E numa voz muito doce, disse murmurando: – Tu sabes mais do que eu.

Antes de se iniciar o Tempo da Quaresma, temos alguns domingos do Tempo Litúrgico chamado “Comum”. Em geral, nos evangelhos dominicais, encontramos o início da missão de Jesus, os seus primeiros gestos e palavras e os primeiros discípulos chamados a segui-lo. Começamos com um trecho do evangelho de João. É, outro João, o Batista, que aponta o “Cordeiro de Deus” para os seus seguidores. Com isso, já entramos na “linguagem” própria desse evangelista que n os acompanhará, neste ano, nos Círculos Bíblicos da nossa Diocese. João usa palavras que somente se entendem se conseguimos fazer a ligação com as promessas e os fatos do Antigo Testamento, com referência, sobretudo, aos livros do Êxodo e dos Profetas.

Outro detalhe desse evangelho são as perguntas. Os estudiosos as contaram: são mais de 160! São perguntas de Jesus, questionamentos dos adversários, dúvidas de quem quer entender o que está em jogo. Perguntas pedem respostas, questionamentos servem para esclarecer, dúvidas para conduzir a uma decisão. É difícil ficar indiferentes na frente de uma pergunta. Se sabemos a resposta ficamos contentes. Uma luz se acende em nossa mente e em nosso coração. Se não sabemos resp onder ou nos sentimos insatisfeitos com a resposta, no mínimo, ficamos incomodados. Isso é bom também; faz-nos participar do debate, obriga-nos a olhar dentro de nós, para reconhecer a que ponto está a consciência e a vivência da nossa fé. O evangelista João quer cristãos testemunhas luminosas da verdade, mais luz que escuridão.

No trecho evangélico deste domingo duas perguntas chamam a nossa atenção. Uma é de Jesus: “O que estais procurando?”. A outra é dos dois discípulos que começaram a segui-lo: “Mestre, onde moras?”. A primeira é, sem dúvida, uma pergunta existencial, porque todos nós procuramos algo em nossa vida. A segunda revela o desejo profundo do coração humano, quando percebemos que para encontrar o que buscamos, precisamos conhecer, além da meta, tamb&eacu te;m a direção e o lugar. É nessa procura que os caminhos se confundem e podemos nos perder. Por exemplo, se buscamos as riquezas deste mundo, qual será o caminho mais fácil? Temos mestres de sobra. Mas se buscamos um sentido mais profundo em nossa vida, se deixamos sobressair a nossa sede de Deus, como conseguir encontrá-lo? Eis a resposta de Jesus: “Vinde ver”. É um convite a ficar junto dele, escutá-lo, descobri-lo. Essa “familiaridade” vale para todos nós, seres humanos sociais, para nos conhecermos, aprendermos a conviver e nos amarmos. Muito mais, tudo isto, vale para Jesus, que na sua humanidade revela a grandeza da divindade. Se queremos ser cristãos mais felizes da nossa fé, precisamos “demorar” mais com Jesus, na oração, na escuta da sua palavra, na comunidade dos irmãos. Muito depende do que realmente buscamos em nossa vida. Riqueza s, bem-estar, prosperidade, saúde…Ouro? Talvez Jesus tenha muito mais do que tudo isso para nos dar com generosidade, sem limites: ele mesmo, o seu amor sem fim. Mas será que nós o buscamos mesmo?

A alegria da verdade

Alguns dias atrás, li numa revista que, nos Estados Unidos, bem longe daqui, foi feita uma pesquisa sobre as mentiras. O resultado foi que 91% das pessoas reconheceram que mentem ao menos uma vez por semana. Obviamente é possível que tenha mentido também o 9%, que disse que nunca mente. Os principais motivos para “não” dizer a verdade foram: conseguir alguma vantagem, esconder algum erro cometido, enfeitar uma conversa, falar mal de alguém e, sobretudo, encobrir outra mentira. Hoje, através das redes sociais, sabemos que existem muitos tipos de mentira: aquelas infantis, facilmente descobertas pela própria cara das crianças, as mentiras sociais e políticas propagandead as sempre para o bem do povo e, também, as duvidosas “delações premiadas”, onde a verdade revelada parece mais um quebra-cabeça do que algo seriamente esclarecedor. Não devemos esquecer que a “verdade” muitas vezes é a “nossa” verdade, ou seja, algo que nós mesmos afirmamos ou entendemos como tal. Nada de novo. A busca da verdade sempre será fadigosa; exigirá esforço, confrontação, talvez alguém que nos ajude a reconhecê-la. A condição fundamental, porém, sempre será aquela de querer encontrá-la, de não desistir, de ter paciência e coragem para procurá-la, custe o que custar.

Podemos gastar a vida inteira, ter companheiros de caminhada, mas ninguém poderá nos substituir nessa busca. Na prática, quer sejamos conscientes ou não, essa procura coincide com aquilo em que cada um de nós acredita e para o qual está disposto a arriscar a própria existência. Podemos chamá-lo de sonho, ideal, sorte, ilusão ou, se me permitem, também de fé. Ninguém consegue viver sem buscar, sem ter algo em que está convencido que valha a pena acreditar e esperar. Tudo isso pode parecer inútil filosofia, mas é só pensar quanto gastamos de tempo e energias atrás do dinheiro, por exemplo, para entender como seja verdade o fato de ter algo que motive o nosso agir.

No evangelho de Mateus do domingo da Epifania sempre encontramos os famosos “sábios magos” vindo do Oriente, guiados por uma misteriosa estrela que aparece e desaparece. Encontramos também Herodes, o mentiroso, que declara querer adorar o novo rei, quando, na verdade, está com medo e inveja dele. Os sumos sacerdotes e os mestres da lei, com as Escrituras em mão, têm as suas certezas e chegam bem perto da verdade, mas não a reconhecem. Por fim, também os “sábios magos” preferem esconder aquilo que encontraram e voltam para casa por outro caminho. Mas isso, depois de experimentar uma “alegria muito grande”, quando encontram o menino com Maria sua mãe.

É essa “alegria” plena que somente a “verdade” verdadeira, se podemos dizer assim, pode nos oferecer. A aventura daqueles sábios é a história de cada pessoa humana: um caminho em busca de uma verdade que deve ser procurada, encontrada e reconhecida. A questão é que, ao longo dos caminhos da vida, encontramos muitas verdades, algumas tão brilhantes e fascinantes, que nos parecem já o fim da busca. É o brilho do ouro, do sucesso, da fama, da posição social. Por aí paramos, mas nenhum ser humano e nenhum bem material pode satisfazer plenamente a sede de luz e de sentido que precisamos em nossa vida. Bem sabemos que nada vamos levar deste mundo; no enta nto, agarramo-nos a “estrelas” de brilho passageiro, salva-vidas que afundam junto conosco. O nosso Deus não se impõe, simplesmente brilha para quem o sabe ver. É o brilho do amor sem limites, sem falsidades, sem interesses. É puro dom. É uma oferta tão especial, tão “promocional” que nós, pequenos e gananciosos, duvidamos. Estamos tão acostumados a mentir, a enganar e a sermos enganados que os nossos olhos já enxergam mal, suspeitam do engano e da mentira onde não deveriam. Um brilho temporário nos parece mais confiável do que a verdadeira luz. E o “ouro” dos sábios magos? Eles o deixaram lá, o doaram. Voltaram para casa livres, leves e felizes.

Acolher, proteger, promover e integrar

Novamente, neste final de semana, além do início do ano novo civil de 2018, algumas celebrações importantes do Ano Litúrgico se juntam. Para nós, católicos, o último dia de 2017 coincide com o domingo da Sagrada Família e o dia 1º de janeiro com a Solenidade de Maria Mãe de Deus. Também já faz 51 anos que Papa Paulo VI proclamou o primeiro dia de cada novo ano civil como Dia Mundial da Paz. A partir daquele 1º de janeiro de 1968, todos os Papas que o sucederam continuaram a manter essa tradição. Em homenagem aos 50 anos do Dia Mundial da Paz, completados em 2017, o Presépio da nossa Catedral está com algumas frases das mensagens dos Papas, sempre divulgadas nessas ocasiões. Todas elas s&atild e;o bonitas, têm denúncia e profecia; convidam os cristãos a serem bem-aventurados, porque construtores de paz. Talvez porque as palavras dos Papas, de alguma maneira, sempre incomodam católicos e não católicos, poucas pessoas se preocupam de lê-las integralmente e, na maioria das vezes, elas acabam no esquecimento.

A mensagem do Papa Francisco para 2018 tem como título: “Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz”. Irei refletir um pouco sobre esse assunto, porque entre tantos nomes que foram dados à Maria está, também, o de Nossa Senhora do Desterro, lembrando aquele momento da vida da Sagrada Família que, no evangelho de Mateus, é apresentado como “a fuga para o Egito” (Mt 2,13-15). É bom nos lembrarmos disso. Entre os milhões de migrantes e refugiados tem famílias inteiras com seus filhos, muitos ainda crianças de colo. Tantas outras crianças crescem nos acampamentos ou, quando acolhidas, em países totalmente novos, com costumes e culturas bem diferentes dos seus lugares de origem. Como será essa no va humanidade, dividida entre as tradições, também religiosas, das suas famílias e o novo ambiente onde crescerão?

O veremos nos próximos anos. Será uma geração mundial capaz de diálogo e tolerância entre si e com os demais ou cada etnia buscará, além da própria justa sobrevivência, a supremacia numa disputa acirrada por direito à terra, à água, à tecnologia e ao poder econômico? Não devemos ter dúvidas de que a humanidade toda colherá o que está semeando nestes anos que estamos vivendo, nesta onda de migrações que, segundo a mensagem do Papa Francisco, alcançam os 250 milhões de seres humanos. São muitos e não podem ser esquecidos. É urgente, portanto, uma “corrente de apoios e beneficência”, diz o Papa.

O problema é mundial e nenhum país deve pensar de estar isento de responsabilidade ou, pior, achar que muros, arames farpados e metralhadoras, resolvam a questão. A paz é sempre uma conquista laboriosa e “artesanal”. Deve ser construída com as mãos e os corações ao mesmo tempo.

Papa Francisco denuncia o medo e aqueles que fomentas esse medo contra os migrantes e refugiados, ou seja, todos aqueles que veem somente o tamanho da responsabilidade na acolhida deles. Os migrantes e refugiados “não chegam de mãos vazias”, trazem também as suas capacidades de trabalho, a sua coragem e os seus sonhos de paz. Após tantos debates e infindáveis discussões, é preciso ação. Segundo o Papa Francisco a estratégia deve combinar quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar. É fácil perceber que todas essas “ações” devem ser de fato interligadas. Colocar em campos de refugiados milhares de pessoas não resolve a vida delas e nem da região onde estão hospedados.

Sem acompanhamento e proteção de leis adequadas, muitos migrantes, para sobreviver, ficam vítimas da exploração, do trabalho escravo, do tráfico internacional de drogas, armas, órgãos e pessoas. A promoção humana dos migrantes e refugiados pede também a integração, a inculturação e o diálogo. Somente assim as diferenças de línguas e costumes podem ser superadas e a paz construída. O contrário disso seria “a capitulação – da política internacional – ao cinismo e a globalização da indiferença”. Vamos unir as forças. Uma nova humanidade desponta. O planeta pode ser, sim, a “casa comum”, a casa de todos, mais felizes com a paz mundial.

“Na plenitude dos tempos” (Gl 4,4)

No Natal, nós, cristãos contemplamos e celebramos o nascimento de uma criança que, acreditamos, ser o Filho de Deus Pai, obra do Espírito Santo no seio da virgem Maria. Jesus é verdadeiramente Deus e homem, sem mistura ou confusão. Uma só pessoa, a divina, mas com duas naturezas: a divina, desde sempre, e a humana, assumida na encarnação. Tudo isso aconteceu na “plenitude dos tempos” (Gl 4,4) ou, em outra tradução: “quando se completou o tempo previsto&rdquo ;. Foi somente por amor à humanidade que Deus Trindade realizou essa obra uma vez por todas. João, no seu evangelho, diz: “Deus amou tanto o mundo que enviou o seu Filho…não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,16-17). O tempo de hoje, também é “salvo”. Não tem tempos piores ou melhores, só para reclamar ou ter saudade. Para nós cristãos, qualquer momento, qualquer época é ocasião de salvação, de transformação e de esperança. O “reino de Deus” que Jesus veio inaugurar acontece, aqui e agora, porque já está entre nós (Lc 17,20-21). A todos os batizados, a todos aqueles e aquelas que entendem o que significa ser “sal da terra e luz do mundo”, aos que buscam o reino antes de tudo (Mt 6,33), cabe a missão de torná-lo visível, experiment&aa cute;vel, acreditável.

Alguns entre nós, os saudosistas, acham que o tempo bom foi só no passado. A eles, eu pergunto: se fosse possível voltar atrás, topariam fazê-lo? Era mesmo tão bom assim? Tudo funcionava a contento? A humanidade avançou em muitos campos e, talvez, piorou em outros, mas pode ser que estejamos idealizando demais os tempos de outrora, que deixaram também marcas de sofrimentos e exclusão. Outro grupo de pessoas vive já no futuro, naquele mundo imaginário, onde a tecnologia faz aco ntecer coisas inacreditáveis. Já enxergam uma humanidade onde os robôs, máquinas com inteligência artificial, tomarão conta do trabalho e da produção. Os seres humanos verdadeiros, não terão mais nada para fazer, servidos com todas as mordomias por escravos cibernéticos. Deixaremos também de pensar e sonhar? Seremos livres? Quem decidirá por nós? Enfim, tem uma boa turma que já construiu o seu mundo virtual. São aqueles que vivem conectados 24 horas por dia, trocam mensagens a todo instante, têm mais amigos “virtuais” que em carne e ossos. Esses correm o perigo de achar que também as suas famílias, os doentes e os pobres sejam virtuais. Nenhum desses mundos existe.

Na “plenitude dos tempos”, Jesus se encarnou num mundo real, que também não era perfeito. Aliás, foi justamente por isso que veio no meio de nós, para transformar esta realidade e reconduzi-la ao primeiro projeto do Pai com o ser humano, criado a imagem e semelhança dele. Jesus não se conformou. Denunciou o pecado, mas perdoou os pecadores. Rejeitou a falsa apresentação de Deus, juiz implacável, que premiava os cumpridores de uma lei fria e sem compaixão e castigav a os infratores com doenças e pobreza. Exultou de alegria e louvou ao Pai, porque se revelava aos pequenos e aos humildes e se escondia dos soberbos e orgulhosos. O seu sangue na cruz não foi ficção, foi igual ao sangue de todos os mártires do bem, da justiça e da verdade. A sua ressurreição, iluminada pelo dom do Espírito Santo, transformou um pequeno grupo de homens e mulheres apavorados, numa comunidade de irmãos e irmãs, exemplo de partilha e fraternidade.

A sua Vida Nova e Plena começou a correr nas veias de uma nova humanidade. Este nosso tempo não é nem melhor e nem pior do que os outros, é o “nosso” tempo, é o tempo atual, da nossa vida que passa. Cabe a nós torná-lo um tempo bom, o tempo do Reino, o hoje do amor. Não serve nos refugiarmos no passado, lamentando o presente. É inútil pensar de viver num mundo im aginário só porque temos novas tecnologias ou muros que nos separam da situação pobre e sofrida dos demais. Como cristãos somos responsáveis, devemos ser “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13-14). Desta época, desta terra, deste país. Porque foi neste mundo que Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou. Ele é a nossa luz e a nossa esperança.
Feliz Natal de Jesus!

A gota d’água

Era uma vez uma gotinha de água que morava numa nuvem sobre os Mares do Sul. Ela vivia muito satisfeita e se orgulhava de sua força porque, mesmo nas maiores tempestades, era uma das poucas gotas que conseguiam se segurar e não cair. Outras gotas iam e vinham, mas ela se mantinha firme, pois gostava muito da sua nuvem, a qual nunca se dissipava por completo. Em certa tarde muito quente, a gotinha encontrou na nuvem outra gota, sua conhecida que não via há algum tempo. Ela quis saber por onde a outra tinha andado.

– Acabei de chegar – respondeu a amiga – sabes como é: nós caímos, mas depois com o calor, acabamos por evaporar e voltamos para cá.

– Isso eu não sabia – falou a primeira gotinha com orgulho – eu nunca saí daqui. Sempre me segurei.

A gota recém chegada olhou para ela com piedade e não com admiração. Isso incomodou a gotinha orgulhosa, que quis saber o porquê daquele olhar travessado. A outra retorquiu:
– É que me causa muita pena ver alguém, que foi criada com o potencial para ser o oceano, continuar a insistir em ser apenas uma gotinha solitária. Naquela mesma tarde, teve uma chuva torrencial e aquela nuvem, finalmente, dissipou-se até à última gota.

O terceiro Domingo do Advento é chamado “o domingo da alegria”. A conversão e o perdão dos pecados anunciados por João Batista, apesar de serem exigentes, já são uma boa notícia. A certeza da misericórdia de Deus é sempre uma alegria. No entanto, além dessa notícia, tem outra mais importante ainda: a chegada do Messias, o esperado, o Ungido, aquele que selará para sempre a nova aliança de Deus com o seu povo. Somente assim entendemos a insistência e a angústia dos que cobravam de João Batista uma definição: quem ele era, afinal? Por que batizava, se não era o Cristo? João respondeu dizendo que ele era somente a “voz” que gritava no deserto. Aquele que chegará será a Palavra, revelação de Deus, feita carne para ser ouvida, vista, acolhida e, assim, transformar-se em vida divina, vida nova, presente e operante na história da humanidade.

“Quem és tu?” “O que dizes de ti mesmo?” São as perguntas repetidas inúmeras vezes no Evangelho deste domingo. Não valem somente para o Batista, valem também para nós. Saber quem somos, de onde viemos e para onde vamos não é uma curiosidade de criança, mas o questionamento sério de quem queira ir além dos simples fatores naturais e biológicos. Tem algo mais – ou alguém mais – que dá sentido à nossa vida? Hoje vivemos numa sociedade que exalta o indivíduo. Muito importante, único, sem dúvida, mas não tanto a ponto de pensar ser o centro do universo e da história. É infantil e doentio achar que os outros existam para atender às nossas necessidades e aos nossos caprichos. Adoramos bater selfies, porque nos consideramos os mais bonitos e nunca nos cansamos de olhar e enaltecer a nós mesmos. Isso, na Psicologia, chama-se narcisismo. Medimos as pessoas pelas vantagens ou os lucros que nos trazem, não por aquilo que elas são por si mesmas. Amigos são aqueles que promovem os nossos planos; inimigos aqueles que os atrapalham. Os demais nos são simplesmente indiferentes. Pobre ser humano!

Bastaria olhar para o céu para perceber o tamanho da nossa grandeza e a escuridão do nosso estrelismo. No entanto, todos temos um valor inestimável; não por nós mesmos, mas por aquele que se dignou de partilhar a nossa natureza e elevá-la às alturas dele: o Deus feito criança, que contemplaremos no Natal. É o amor dele, semeado em nossos corações, que torna grande o menor gesto de solidariedade, carinho e afeto sincero. Para que isso aconteça, precisamos sair de nós e aprender a olhar para os outros. Não fomos feitos para segurar a todo custo a nossa vida, abraçados a nós mesmos. Fomos criados para fazer parte do oceano do amor que é o próprio Deus. A nossa gotinha não aumentará o bem infinito dele, mas nós mergulharemos no seu mar sem fim de bondade. Tornamo-nos grandes pela humildade e a doação, pela coragem de apostar no amor. Somente assim seremos o que devemos ser: imagem e semelhança do Amor.

Os olhos

Ao anoitecer da sexta-feira, dois garimpeiros descobriram uma mina de diamantes. Não havia tempo útil para explorar a riqueza e, por isso, decidiram correr o risco de deixar tudo para segunda-feira. Eles juraram, um ao outro, segredo absoluto. Nada contariam a ninguém. Nem às esposas, nem aos filhos, nem a amigo algum. Deixaram mesmo de ir aos bares para não soltar alguma palavra indevida. O fim de semana foi terrível. Não podiam confiar a ninguém o seu maravilhoso segredo, que os faria felizes para sempre. Finalmente, amanheceu a sonhada segunda-feira. Quando chegaram a o garimpo, perceberam que todos vigiavam os seus passos. Será que um deles teria contado? Não, ninguém tinha falado. Então, ansiosos, perguntaram aos outros garimpeiros o que estavam querendo. A resposta foi:
– Vamos explorar a mina junto com vocês.
Como descobriram o segredo?
– Nós lemos nos olhos de vocês – disseram os outros.
Há segredos que é impossível ocultar, um deles é o amor que encanta as almas e… os olhos.

No segundo domingo de Advento, encontramos a pregação de João Batista. Ele é o mensageiro enviado à frente do Senhor para preparar-lhe o caminho. Faz isso com as palavras e um banho de penitência e purificação nas águas do Rio Jordão. São muitos os que vão ao seu encontro, confessando os seus pecados, querendo mudar de vida. Ele, porém, aponta outro maior e mais forte, que virá e que “batizará” com o Espírito Santo.

É nessa altura que precisamos esclarecer um possível equívoco de nossa parte. Reviver à espera do Salvador e nos preparar para o Natal, não significa partir do nada. O convite à “conversão”, que ecoa nas palavras de João Batista, não é bem o início de algo que antes não existia. Sem dúvida, pode ser que isso seja verdade para alguns que estão no começo da vida cristã, ou no caminho rumo ao batismo, itinerário que hoje voltamos a chamar, como nos primeiros tempos da Igreja, de “catecumenato&r dquo;. Para a maioria dos cristãos, porém, o batismo remonta à primeira infância e, talvez, ficou por lá mesmo, esquecido ou abandonado. O verdadeiro começo de tudo, foi naquele único batismo, uma vez por todas, irrepetível. O que a Igreja nos convida a fazer, portanto, não é pedir o batismo outra vez. O nosso foi bem mais do que um batismo “de penitência”, algo que possamos repetir todas as vezes que sentimos vontade. Então, o que devemos fazer?

Qualquer tempo de “conversão e perdão dos pecados” – como o tempo de Advento – deve servir para recuperar o brilho do nosso único batismo. Naquele dia, a nossa pobre existência, limitada e sempre pronta aos desvios do rumo certo – esses são os nossos pecados – foi unida para sempre à vida divina do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Essa foi a riqueza inestimável, a fonte de vida, a luz, que nos foi doada naquele dia. Por causa da condição de cristãos, nós deveríamos ser tão felizes que pe rder esta riqueza, esta fonte e esta luz seria cair na escuridão, na secura e na maior de todas as misérias. Evidentemente, só entende o que estou dizendo quem já descobriu e acredita que ser cristão, ter encontrado e conhecido Jesus Cristo, o Pai Eterno e o Divino Espírito Santo é o verdadeiro sentido da nossa vida, o tesouro que nunca deveríamos desprezar e perder. Para nós, esperar com alegria o Natal é muito mais que aguardar algum presente pendurado numa árvore de mentira, cheia de pisca-pisca. Este momento que, me entendam bem, não deve ser desprezado nas nossas famílias, pode ser somente uma bem humilde antecipação de um dom infinitamente mais valioso e imperecível: o amor do próprio Deus, a sua Vida plena e feliz. Se um simples embrulho a ser aberto nos dá tanta emoção, o que acontecerá no dia que encontraremos o Senhor fa ce a face? Ainda não sabemos, mas será algo que nem palavras poderão expressar (2Cor 12,2-4).

Apesar do esforço, os dois garimpeiros não conseguiram disfarçar a alegria de ter encontrado os diamantes. Dava para ler isto nos seus olhos. Pelo jeito, parece que muitos cristãos já esqueceram da festa do seu batismo. Mas nunca é tarde para voltar a anunciar a alegria da nossa fé, também, pelo brilho dos nossos olhos.

O caroço de milho

ois amigos voltavam do trabalho e caminhavam por uma estrada de chão, quando viram um grão de milho à sua frente. Um deles comentou:
– Veja, encontramos a nossa mina do ouro! Se plantarmos este grão, nascerá um pé de milho; debulhando as espigas e voltando a plantar, teremos uma roça de milho; depois, debulhando novamente todas as espigas e plantando novamente, teremos uma lavoura de milho e, assim, continuando, nos tornaremos grandes produtores. Seremos ricos!

– Nossa, como você é inteligente! – respondeu o outro – mas eu não quero ser seu sócio. Você é muito ganancioso. Assim que crescer o primeiro pé de milho, eu pegarei as minhas espigas e as plantarei na minha roça. Nada de ser seu parceiro.

– Esta é a sua gratidão pelas minhas ideias? Eu também desisto de ser seu amigo. Não confio mais em você. Enquanto os dois conversavam, uma galinha passou por eles e engoliu o caroço de milho. Assim se foram todos os sonhos deles.

Com o primeiro domingo de Advento retomamos, mais uma vez, a caminhada de fé do Ano Litúrgico. Desta vez nos acompanhará o Evangelho de Marcos. Novamente, lembraremos os grandes momentos da vida de Jesus e dos seus seguidores, os discípulos daquele tempo e os de hoje, que somos nós. Somente quem pensa que reavivar e refletir sobre a própria fé seja inútil, deixa de se alegrar com o novo começo. Na realidade, a vida cristã é sempre algo que está acontecendo, e a Igreja, como mãe e educadora dos seus filhos, toma-nos mais uma vez pela mão e nos conduz ao encontro com o Senhor.

O tempo do Advento, que nos prepara ao Natal, começa com um forte convite à vigilância. A nossa existência se desenvolve no tempo que passa e todos aguardamos os acontecimentos que virão. Alguns são, em parte, previsíveis, porque são o resultado das nossas ações anteriores; outros nos pegam de surpresa. Alguns desses momentos são bons, alegram-nos e nos animam. Outros, aparentemente, são indiferentes: uma rotina de dias que se seguem, mais ou menos, iguais e cansativos. Enfim, temos as horas tristes, de sofrimento e provação. Esses são os dias nos quais experimentamos o vazio, a solidão, as dúvidas e perguntamos a nós mesmos o sentido das coisas.

“Vigiar” para o evangelho, não é simplesmente não dormir é, sobretudo, prestar atenção, buscar respostas às perguntas da vida, discernir, no meio de tantas propostas e possibilidades, o caminho certo. Nas escolhas, todos procuramos, conscientes ou não, aquela que chamamos de felicidade, algo muito bom, que satisfaça todos os nossos sonhos e anseios. Mas será mesmo possível encontrar essa felicidade? É neste ponto que acontecem os maiores enganos e as maiores frus trações. Tudo o que for simplesmente humano, também se importante e valioso, irá passar. Para os cristãos, porém, o horizonte da vida, não está somente nas coisas, nos bens e nas pessoas deste mundo. A meta é o nosso encontro com o próprio Deus Pai, aquele que sempre é e sempre será. “Vigiar” para os cristãos é, portanto, dispor-se a este encontro que o próprio Deus sempre nos oferece de novo. Ele nunca desiste de nos procurar. Por isso, veio no seu Filho Jesus, no meio de nós, igual a nós, pequeno, pobre e sofredor. Ele quer falar novamente ao nosso coração, também quando está sufocado por tantas distrações, fúteis e superficiais. Muitas vezes trocamos o Senhor da Vida por coisas materiais, emoções passageiras, ambições alienantes e egoístas. Estamos demorando de mais para descobrir o engano.

De muitas maneiras, todos encontramos o nosso caroço de milho, que nos ilude com um futuro talvez mais fácil, mas, certamente, temporário. Melhor tirá-lo logo da nossa frente, para ver se aprendemos a construir uma vida mais real, concreta e, possivelmente, útil no alcance da meta certa para nós e para tantos irmãos e irmãs comprometidos com a mesma busca de um sentido para tudo o que acontece. Um sentido grande, verdadeiro e luminoso. Hoje, mais do que nunca, devemos “vigiar”, para não sair do caminho que, afinal, é Jesus.

O Ano Nacional do Laicato

Com a Solenidade de Cristo Rei, encerramos o Ano Litúrgico. O próximo domingo já será o Primeiro de Advento do ano novo, rumo ao Natal de Jesus. O Domingo de Cristo Rei, deste ano, porém, tem um sentido especial. No Brasil terá início o Ano Nacional do Laicato, que continuará até o domingo de Cristo Rei de 2018 (25 de novembro). Cabe alguma explicação: o que entendemos por “Laicato” e porque um Ano Nacional sobre esse assunto. Para entender, lembro também o lema escolhido: Cristãos leigo s e leigas, sujeitos na “Igreja em saída”, a serviço do Reino. Referência bíblica serão os versículos de Mt 5,13-14, resumidos na frase: “Sal da Terra e Luz do Mundo”. A palavra final sobre o Ano Nacional do Laicato foi dada, ainda no ano passado, com a aprovação dos bispos, no Documento 105: “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade”. O documento teve uma gestação demorada e bem participada pelos próprios leigos e leigas. Muitos tiveram a possibilidade de expressar suas ideias e sugestões. O documento tem como finalidade retomar o assunto dos leigos e leigas, destacando a sua presença ativa e consciente, como sujeitos na Igreja e na sociedade. Para entender do que estamos falando, precisamos esclarecer quem são os leigos e as leigas.

Em geral, ainda hoje, esses nossos irmãos e irmãs são definidos por aquilo que “não são”. É comum ouvir dizer: quem não é padre, nem frei e nem freira, é…leigo. Essa expressão não explica toda a verdade. Igualmente, para alguns, falar de Igreja, significa falar de papa, bispos, padres, religiosos e religiosas. O cristão, em geral, não se reconhece Igreja. No entanto as coisas devem ser entendidas de forma muito diferente. O Concílio Vaticano II, do qual comemoramos os 50 anos da c onclusão em 2015, procurou buscar o que é comum a todos os cristãos antes do que os distingue. Todos os batizados formam o único Povo de Deus e todos têm a mesma dignidade. Não tem cristão de primeira, segunda, ou terceira categoria. O que diferencia os batizados são os ministérios, ou serviços na Igreja e as vocações específicas, mas isso não torna ninguém mais cristão do que os outros. Isso deve ficar bem claro. Os padres, que são uma minoria absoluta no meio do povo de Deus, estão a serviço dos demais batizados, através do ministério ordenado que os habilita ao pastoreio e à administração dos sacramentos. Os religiosos e as religiosas, hoje os “consagrados” em geral, manifestam uma vocação específica para a vida comum, a pobreza, a castidade e a obediência. Mas os difer entes dons que o Espírito Santo distribui às pessoas são todos e sempre para o bem dos demais.

Nesse sentido, é preciso reconhecer a enorme contribuição que os cristãos leigos e as leigas dão à Igreja toda. Não somente participando dela, mas realmente colaborando de todas as formas. Basta pensar nas nossas paróquias e comunidades. Não teríamos tantas pastorais, movimentos, grupos e serviços e não conseguiríamos realizar tantas iniciativas sem a presença ativa dos leigos e leigas. Apesar de tudo, porém, ainda estamos longe do fato que todos os batizados tenham consciência de ser &l dquo;sujeitos” da vivência da própria fé e da própria missão na Igreja e na sociedade. Muitos leigos e leigas, nas comunidades, ajudam de forma extremamente generosa e totalmente entregue aos muitos serviços, mas, às vezes, ainda preocupados mais em agradar aos padres que por causa do seu próprio Batismo e Crisma. Ser “sujeitos na Igreja e na sociedade”, significa saber o porquê do engajamento, o valor do testemunho, a alegria da doação.

A situação é ainda pior se observarmos a presença dos cristãos na sociedade. Todo batizado “é” Igreja lá onde vive, trabalha, luta e sofre. É plenamente sujeito, já foi enviado pelo Batismo. Deve ser a “luz” que ilumina de amor a vida familiar, os negócios, a política, a economia, a cultura, os meios de comunicação. Luz que desmascara a injustiça e a exclusão. Deve ser o “sal” que dá sentido à honestidade, dá gosto à solidar iedade, tempera a impaciência para que a alegria da paz brote no coração de sempre mais irmãos e irmãs. Quantos cristãos estão apagados e sem gosto por medo, vergonha, ou mesmo ignorância da sua missão. Temos muitas coisas a descobrir e a viver, mas sempre em comunhão. Um só Povo de Deus, fraterno e unido no serviço a Cristo Rei, de verdade. Sem clericalismos, antagonismos e disputas pelo poder. Só pela causa do Reino.

A flor e a borboleta

Certa vez, um homem pediu a Deus uma flor e uma borboleta, mas Deus lhe deu um cacto e uma lagarta. O homem ficou triste, pois não entendeu o porquê do seu pedido vir errado. Daí pensou: “Também, com tanta gente para atender!”. E resolveu não questionar. Passado algum tempo, o homem foi verificar o pedido que deixara esquecido, e, para sua surpresa, do espinhoso e feio cacto havia nascido a mais bela das flores. E a horrível lagarta transformara-se em uma belíssima borboleta.

Já disse, domingo passado, que a espera da volta do Senhor deve ser vigilante, atenta e ativa. A parábola dos talentos continua essa questão. Ela é bem conhecida e todos poderíamos fazer muitas considerações a respeito, porque está, no seu conjunto, debaixo dos nossos olhos. Todos os dias, encontramos pessoas ocupadas que usam muito bem dos dons e das capacidades que a natureza e o seu esforço lhes proporcionaram. Algumas conseguem fazer isso superando, muitas vezes, deficiência físicas ou outras limitações. São admiráveis pela dedicação. Outras pessoas são diferentes: parecem ser tomadas pela indolência, a preguiça e nunca tomam iniciativa para nada. Carecem de autonomia, dependem das decisões dos outros. Têm medo de Deus? Não, na verdade têm medo de serem criticadas. É obvio! Somente quem faz alguma coisa pode fazer certo ou errado. Quem nunca faz nada, também nunca errará. Qualquer ação, qualquer decisão ou empreendimento exige um mínimo de coragem e de disponibilidade a correr algum risco.

Até aqui a vida do dia a dia, na variedade infindável dos seres humanos, dos seus gênios e temperamentos. Mas Jesus não contou a parábola dos talentos para incentivar a poupança em algum banco. Precisamos fazer uma leitura espiritual dessa parábola extraordinária. Mais uma vez Deus, o verdadeiro senhor dos bens, os entrega largamente aos seus “empregados”. Ele, não somente é generoso, ele confia e viaja, para deixá-los livres de decidir. É maravilhoso. Ele quer “empregados” responsáveis, conscientes do valor dos b ens recebidos. Os que assim entendem, ficam felizes, partem para o bom uso dos dons recebidos, trabalham e os dons se multiplicam.

Podemos pensar na nossa própria vida, nas nossas capacidades, no planeta Terra, na inteligência e criatividade humanas. Quantas coisas surpreendentes o ser humano já fez e ainda vai fazer. No entanto, nem tudo o que fazemos multiplica o bem comum e a alegria de todos. O homem já fez e faz também guerras, inventa armas e remédios para matar o seu semelhante, disputa o que é de todos, para seu uso particular, deixando povos inteiros sem alimentos e sem água para sobreviver. O servo da parábola, que enterrou o talento, foi chamado de “mau, preguiçoso e in útil”. Como poderíamos chamar aqueles que escravizam países por causa das dívidas, apavoram com a violência populações inteiras e as obrigam a deixar as suas casas, deixam morrer crianças inocentes pela fome e a miséria? Trabalham muito, mas só para aumentar sem fim o seu lucro. Quanto sofrimento no mundo depende do mau uso dos bens entregues à humanidade, herdados dos antepassados e construídos por outros. Bens que, afinal, todos teremos que deixar, um dia. Como cristãos, temos a obrigação de consciência de fazer bom uso das nossas forças e capacidades, seremos julgados sobre o bem feito aos irmãos necessitados.

Às vezes, porém, nós também desanimamos, parece-nos uma tarefa impossível ou uma exigência infindável. Temos a impressão de que seja o mal a se multiplicar e não o bem. Temos medo de estarmos no caminho errado vendo avançar o poder do dinheiro, das armas, das ideologias contrarias à vida, à dignidade humana e à liberdade das pessoas. Estamos esquecendo de que não tem vida nova, a ressurreição, sem a morte de cruz, sem abandono do homem velho egoísta e interesseiro, violento e rancoroso. O bem sempre afasta o m al, o belo apaga a feiura, a vida vence a morte. Somos somente pequenos colaboradores do grande projeto do reino de Deus. Um dia veremos o cacto florescer. Vai
perfumar! E a lagarta se tornará borboleta. Vai voar! Sem medo.

‘Ainda há muito tempo’

Certa vez, um rei organizou esplêndido festim. Para a alegre e feliz reunião convidou muitos dos seus súditos, mas não assinalou a hora em que deviam comparecer. Os mais perspicazes e previdentes vestiram, desde logo, seus trajes finos, adornaram-se com suas joias de maior realce e aguardaram pacientes o momento em que deviam ser recebidos no palácio do príncipe. Os tontos pensavam: – Ainda há muito tempo -, e se entregavam descuidados a seus insensatos caprichos. De improviso, soou a hora do festim e uns e os outros correram para a régia morada. O príncipe avistou os precavidos, que estavam decentemente vestidos e preparados, e os recebeu com alegria. Atentou, irrit ado, nos tontos, indecorosos e desasseados, e os expulsou de sua presença.

Essa história está no Talmude, livro dos judeus de explicação e comentário às Sagradas Escrituras. É fácil conferir a semelhança com a parábola de Jesus que encontramos no evangelho deste domingo. Na parábola, porém, as personagens são dez moças, cinco previdentes e cinco imprevidentes. Na espera do noivo, para entrar na festa do casamento, todas dormiram. As lâmpadas se apagaram. Quando o noivo chegou, somente as previdentes, que tinham trazido óleo de reserva, conseguiram acender novamente as lâmpadas e, assim, entrar na festa do casamento. A porta fechou e as imprevidentes, que tinham ido comprar o óleo, ficaram de for a.

Estamos nos últimos domingos do ano litúrgico e também concluindo a leitura do evangelho de Mateus. Jesus tinha prometido voltar, mas não disse quando. Nos evangelhos ficaram maneiras diferentes de entender a volta do Senhor. Alguns o aguardavam num curto prazo de tempo e interpretaram a destruição do Templo de Jerusalém como o sinal da brevidade deste tempo. Outros, com o passar dos anos, a morte dos apóstolos e dos seus imediatos sucessores, começaram a entender que as palavras de Jesus, mais que marcar uma data, indicavam a maneira de esperar o encontro com ele. Devia ser uma espera vigilante, atenta e ativa. Não seria um simples transcorrer do tempo.

A vida passa para todos. O fim dela é algo inevitável, não depende da nossa vontade. O que está ao nosso alcance, portanto, não são os prazos e nem a possibilidade de parar o tempo. O que nos cabe é decidir como gastar o tempo da nossa passagem neste mundo. Podemos passar os anos “dormindo” ou na ilusão de ter sempre muito tempo à nossa frente, ou… é aqui que se propõe a mensagem de Jesus. A vida é algo que não pedimos, mas também não é um castigo ou um destino pré-fixado fora do nosso alcance. A vida, apesar de toda a sua complexidade, é a possibilidade que temos de fazer algo, que tenha um sentido para n ós e, possivelmente, também para aqueles que as circunstâncias nos fizerem encontrar. Tem sempre uma “chama” que pode dar sentido à vida, em qualquer lugar e em qualquer situação, é a chama do amor. O segredo, porém, é manter essa chama acesa, dando amor, mais do que o recebendo, oferecendo alegria, mais do que a cobrando dos outros. Mas, se a chama do amor se mantém viva somente se for comunicada, por que, na parábola do evangelho, as moças previdentes não partilharam o óleo com as imprevidentes? Talvez seja por que cada uma e cada um de nós tem a sua parte de amor para dar e somente serve se a pessoa decide como usar esse tesouro.

Na infância, todos recebemos afeto, carinho e proteção. Depois, já no tempo da juventude, a nós é dada a possibilidade de tomar consciência do valor do amor e do sentido da vida. Podemos gastar muitas energias somente conosco, para aproveitar das forças que nos parecem inesgotáveis. Mas podemos, também, administrar bem esse enorme potencial de amor. Podemos decidir como e com quem fazer algo de bom, de útil, como tornar a vida mais bonita e feliz para tantos outros. Podemos, enfim, todo dia aprender a amar. Também com os cabelos brancos. A chama não acabará. Mas será sempre algo muito pessoal, porque o tempo da vida e a capacidade de amar serão sempre e somente nossos, únicos, intransferíveis.