
Dom Pedro Conti
No começo
Quando Deus estava todo ocupado na criação do mundo, cinco anjos se aproximaram dele e, segundo a própria especialização, procuraram satisfazer suas curiosidades.
– O que o Senhor está fazendo? – perguntou o primeiro.
– Por que está fazendo tudo isso? – perguntou o segundo.
– Posso ajudar – disse o terceiro.
– Quanto vai custar tudo isso? – quis saber o quarto.
O primeiro anjo era um cientista, o segundo era um filósofo, o terceiro um filantropo, o quarto um comerciante. O quinto anjo olhava encantado e batia palmas. Era um místico.
Com três cenas, se assim podemos chamá-las, o evangelista Mateus nos apresenta, neste domingo, o início da vida pública de Jesus, depois do batismo dele no Rio Jordão, as tentações no deserto e a prisão de João Batista. Assim tomamos conhecimento por onde começa a missão dele, na Galileia, e em que consiste. É o primeiro anúncio do Reino. Em seguida, andando na beira do mar, ele chama os primeiros discípulos, escolhidos entre os pescadores, e os adverte que fará deles “pescadores de homens”. Por fim, o evangelist a faz o resumo da atividade de Jesus: “ensinava nas sinagogas, pregava o evangelho do reino e curava todo tipo de doença e enfermidade do povo”.
Em poucas linhas, Mateus nos dá a entender muitas coisas. A “missão” inicia longe de Jerusalém. Por medo? Por prudência? De fato, tudo concorre para que a Boa Notícia comece e ser proclamada, hoje diríamos, a partir da periferia, ou, mais ainda, a partir dos pagãos. Uma maneira simples para dizer que essa Boa Notícia não tem fronteiras; terá que ser levada até os confins da terra. Também não vai ter exclusão de pessoas ou de crenças, apesar de Israel continuar a ser o povo eleito por Deus. A alegria do Evangelho será oferecida a todos e caberá a cada um acolhe-la ou não. O “reino dos céus” anunciado não é uma organização ou uma estrutura de poder. É uma nova condição de Deus agora presente, com Jesus, perto das pessoas, querendo fazer parte de suas vidas, ocupando o lugar que deve ser somente dele. Os outros “reinos” são humanos; faraós, reis, e imperadores são confundidos e idolatrados como se fossem deuses. Esses “poderosos” recorrem à força das armas para se sustentar.
O Reino que Jesus anuncia só precisa da adesão do coração humano. É o reino do amor de Deus, agora, definitivamente manifestado na história humana. A Boa Notícia é envolvente, mexe e muda a vida das pessoas. Pescadores deixam barcos e redes, mas continuarão pescando. Serão enviados a satisfazer outra fome do povo, a fome de Deus, da sua Palavra, da fraternidade e da partilha. Mas antes tem que andar com Jesus, acompanhá-lo, conhecê-lo, amá-lo. Iniciam uma nova vida. O caminho será difícil. Ainda disputarão poder, ter& atilde;o medo, fugirão na hora da cruz. Somente após da Páscoa, com a força do Espírito Santo, cumprirão a missão até o fim.
Essa missão continua, até quando? Só o Pai sabe. O que cabe a nós, comunidade de Jesus de hoje, é ser fieis ao mesmo compromisso: o “reino do céus”, o reino de Deus, nunca o nosso. Como Jesus foi humano, a Igreja é feita de pessoas humanas e existe na história. Podemos ser tentados a identificá-la com uma organização. Como uma firma qualquer, uma empresa, uma multinacional, mais ou menos grande, com perdas e ganhos. Na realidade, a Igreja – como Jesus, Deus encarnado- é um “mistério” de amor. Não cabe em es tatísticas e nem entre paredes. É feita de santos e pecadores. Prega a conversão à sociedade, mas sabe que também sempre precisa de consertos e reformas. É enviada a ter compaixão e misericórdia, mas é a primeira que deve experimentar a alegria do perdão e da reconciliação. Anuncia a comunhão para toda a humanidade, mas cada dia deve costurar as suas próprias divisões. Promove e defende a vida, a verdade e a justiça. Ainda tem muitos mártires nas suas filas. Cientistas, filósofos, filantropos e comerciantes podem ajudar, mas para entender a Igreja-Comunidade de Jesus precisamos ser, sobretudo, místicos, capazes ainda de nos maravilhar e de bater palmas pela obra de Deus.
Também eu não o conhecia
Dizem que quando Moisés levantou o seu cajado e estendeu a mão sobre o Mar Vermelho não aconteceu o milagre tão esperado. Foi somente quando o primeiro homem começou a entrar na água, no meio das ondas, que o mar se dividiu de maneira que os Hebreus puderam passar de pé enxuto.
Interpretação? Anedota? Não sei. O que essas poucas palavras querem nos dizer é que a fé exige decisão e firmeza. Algo de maravilhoso sempre acontece, quando nós acreditamos no que estamos fazendo, ou queremos fazer, e nas motivações que nos levam a agir. Esperar um milagre para começar a se mexer significa desconfiar. É sinal que duvidamos da bondade da causa pela qual lutamos e que temos medo de ser enganados por quem nos envia em missão. Ou seja: não temos ainda fé suficiente.
Com este domingo, iniciamos a primeira parte do Tempo Comum. Em seguida, teremos a caminhada quaresmal rumo à Páscoa. Esse tempo serve para nos ajudar a entender quem é Jesus e o que veio fazer e, direta ou indiretamente, quem somos nós, seus discípulos. O evangelho de João deste domingo, por exemplo, começa com uma afirmação de João Batista a respeito de Jesus: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Logo em seguida, porém, ele diz, duas vezes, que não o conhecia, mas que viu o Espírito Santo “descer e permanecer sobre ele” (v.32). Por fim, João Batista dá o seu “testemunho”: “Este é o Filho de Deus!” (v.34).
O evangelho de João é uma reflexão teológica ainda mais elaborada que os outros três evangelhos chamados de Sinóticos. Na forma que nos chegou, deve ser o último dos evangelhos escritos e, portanto, apresentando já as explicações que os cristãos das primeiras gerações davam da própria fé aos que chegavam para pedir o Batismo. Nesse sentido, entendemos a insistência sobre o fato de João Batista dizer “não conhecer” Jesus. Com efeito, um dos piores inimigos da fé cristã é um conhecimento superficial ou equivocado da mesma. Brigamos por questões secundárias e esquecemos as principais.
Desde o começo, as Comunidades cristãs tiveram que dar razões da própria fé não para arrebanhar fiéis bem doutrinados, mas para sustentar a mudança de vida, exigida por ela, e fortalecer o testemunho que podia chegar até o martírio. Quem entrava no grupo dos seguidores de Jesus devia ter consciência de quem se tornava discípulo e as consequências do Batismo cristão. Deixar a maneira de vida anterior com os seus valores, crenças e costumes, exigia preparação e, sobretudo, força de ânimo e decisão. Quem entrava no “caminho” cristão devia estar convencido de que estava sendo chamado a seguir algo muito melhor e valioso, também se o custo podia ser alto. Por isso, Jesus é apresentado como o “Cordeiro” imolado, uma imagem do Antigo Testamento realizada, agora, no crucificado que deu a sua vida por amor. É este “crucificado” que é o Filho de Deus, aquele que manifesta o Pai. No quarto evangelho, Jesus é apresentado como a testemunha do Pai. Assim devem ser os cristãos, a começar por João Batista; eles também devem dar testemunho de quem é Jesus. Mas como fazer isso se não o conhecem? Para o evangelista João, conhece Jesus somente quem está com ele, quem o acompanha por perto, partilhando sua vida, até aos pés da cruz e na descoberta do túmulo vazio por causa da ressurreição. É assim que todo discípulo “amado” se torna “testemunha”.
Talvez, também para nós hoje, seja necessário admitir que ainda não conhecemos bem Jesus. Por isso, somos cristãos mais cheios de dúvidas do que de fé; mais preocupados com aparências exteriores do que com a interiorização do Evangelho. Criticamos a Igreja-Comunidade na qual fomos batizados, talvez com saudade de tempos passados, em lugar de participarmos ativamente e acompanhá-la nos desafios da sua missão à humanidade de hoje. O mar se abrirá para mim e para nós juntos só se botarmos os nossos pés na água. Sem medo. Assim a Igreja atravessará também esta nova época e as vindouras.

Para aonde foi a estrela?
Sabemos que a página do evangelho de Mateus é muito mais do que a reportagem de um acontecimento. É um verdadeiro anúncio de fé, porque o Menino que nasceu veio ao encontro da humanidade toda. Quando Deus, no Filho, assumiu a natureza humana tornou-se irmão de todos. A criação toda também foi “visitada” e a certeza de uma vida nova, liberta do mal e da morte, é oferecida a todos e vale para sempre. Essa esperança brota no coração de todas as pessoas de boa vontade, de todos aqueles e aquelas que não se conformam com a violência, a injustiça, a indiferença e a exclusão. No entanto, reler a página do evangelho dos magos sempre dá asas para a nossa imaginaç&ati lde;o.
Conta uma história que, depois que partiram de Belém, os Magos voltaram para as suas casas. Não viram mais a estrela. Ficaram tristes e se perguntaram: “Para aonde foi a estrela? Era tão bonita, grande, luminosa!”. Continuaram andando. Já estavam cansados quando chegaram a uma encruzilhada sem saber com certeza por aonde ir. Estava ali um jovem pastor que logo se prontificou na explicação do caminho e lhes ofereceu, generosamente, pão e queijo do leite das suas ovelhas. Antes de deixá-lo, os Magos viram que na fronte dele tinha aparecido uma luz inconfundível. Seguiram a viagem. Depois de algum tempo, chegaram a um vilarejo. Viram uma mãe que cuidava com ternura e carinho do seu filhinho recém-nascido. Sorria fel iz para ele. Também viram na fronte dela a mesma luz. Estavam começando a entender. Mais na frente, encontraram um tropeiro do deserto que estava com a carga toda esparramada no chão, porque um dos seus dromedários tinha tropeçado e caído. Um homem que passava por lá começou a ajudá-lo a recompor a carga. Na fronte dele apareceu, também, uma luz. Os Magos não tiveram mais dúvidas. Um deles disse aos outros:
– Agora sabemos para aonde a estrela foi. Ela explodiu e os seus fragmentos se espalharam por onde existem corações bons e generosos!
Outro Mago falou:
– A nossa estrela continua a indicar o caminho de Belém e leva a todos a mensagem do Menino Jesus: o que vale mesmo é o amor!
O terceiro Mago também concluiu:
– Todos os gestos concretos de amor e compaixão iluminam a vida das pessoas. É assim que a estrela continua a brilhar!
Todos ficaram muito alegres e viram que na fronte de cada um que estava na caravana também resplandecia aquela luz. Bateram palmas de felicidade! Com o domingo da Epifania, concluímos o tempo do Natal. Muitas luzes serão apagadas. O importante é que não se apaguem os bons sentimentos e propósitos que esses dias nos trouxeram. Não podemos ter dúvidas e nem incertezas. As nossas famílias pedem mais carinho, dedicação, diálogo, paciência. Os nossos colegas de trabalho pedem para sermos amigos visíveis todos os dias, assim como eles e elas o são: alguns dias simpáticos, outros dias nem tanto. Nós igualmente. Nem por isso devemos desistir da fraternidade e do companheirismo. E os pobres, os desempregados, os migrantes? Eles não vão desaparecer com o novo ano…Todo dia podemos cumprir ge stos de solidariedade, de escuta, de acolhida. Tantos irmãos e irmãs – nós também – precisam de algo mais que o dinheiro para sobreviver. Todos queremos saber se podemos servir para alguma coisa ou se estamos sobrando nesta sociedade do consumo, da idolatria do dinheiro, da privatização do bem-estar. A inutilidade, ser esquecidos, é triste para todos.
Grande é a responsabilidade de nós cristãos que nos dizemos seguidores de Jesus. Cabe a nós continuar a iluminar o mundo com a luz da estrela de Belém. Somos pequenas luzes, alguns mesmo “mechas fumegantes”, mas o Natal deve nos ter animado, deve ter renovado a nossa esperança. Se Deus, no seu amor infinito, não desistiu da humanidade, ao ponto de tornar-se um de nós, nós também não podemos desistir de acreditar que podemos ser melhores porque a luz do bem nunca se apaga. Brilhará conosco, se fizermos o bem.

O medo
No início da história humana, após a criação, os primeiros seres humanos receberam de presente, para morar, um esplêndido jardim. A vida deles era pura felicidade. Não faltava nada. O jardim oferecia alimento, beleza, descanso e diversão. As crianças podiam correr livremente. Um muro altíssimo e bem forte, porém, circundava todo o jardim. Os homens e as mulheres tinham tudo, mas quando chegavam na frente do muro, sentiam-se frustrados. Por isso, certo dia, perguntaram ao Criador que, embora não pudessem vê-lo, sabiam estar sempre presente:
– Por que este muro? O Senhor não confia em nós?
Foi assim que um homem corajoso chamou todos e declarou:
– Este muro nos impede maiores espaços para viver. Vamos derrubá-lo!
Os homens uniram as suas forças e destruíram o muro aclamando a conquista da liberdade. Quando o muro caiu, fizeram uma descoberta terrível: atrás dele existia um abismo tão profundo que não se podia ver o fim. Até aquele momento, o muro tinha resguardado a felicidade deles. Fizeram ainda uma descoberta pior: um novo sentimento, que nunca tinham experimentado, insinuou-se no coração de todos. Instintivamente, as mães começaram a segurar mais perto de si os seus filhinhos. Os homens sentaram no meio do jardim e ficaram se olhando espantados. Entenderam que aquele novo sentimento, agora, iria acompanhá-los para sempre. Deram-lhe o nome de medo.
No Evangelho do quarto Domingo de Advento, em sonho, o anjo diz a José para não ter medo de receber Maria como sua esposa. Também à Maria, o anjo Gabriel diz: “Não tenhas medo”. Quantas vezes nos evangelhos o próprio Jesus diz aos apóstolos e aos demais para não terem medo. Por que essa preocupação tão grande? Que medo é esse? Não tenho capacidade de fazer grandes considerações existenciais ou filosóficas e nem quero fazer uma lista dos tantos medos que aparecem ao longo da nossa vida. Quando criança, começamos com o medo do escuro e depois quando crescemos – e ninguém escapa, mesmo que diga o contrário – temos medo de morrer. Igualmente experimentamos o medo de ficar para trás, de sobrar, de sermos esquecidos. Isso explica porque tantas pessoas inventam as maiores esquisitices para chamar a atenção dos outros. Hoje vivemos o medo de ser enganados, roubados, assaltados. Estamos experimentando uma desconfiança generalizada, e não é por menos, com tantas mentiras, falcatruas, desonestidade.
Quero dizer que se Jesus, nos evangelhos, insistiu tanto em ensinar a não ter medo é porque deve existir uma coragem tão grande, uma força tão poderosa, capaz de vencer todos os medos. Em lugar de fazer a lista dos medos, porque não fazemos, ao menos uma vez, uma lista de decisões corajosas? Não basta “não ter medo”, é preciso preencher o nosso coração e a nossa vida com tanta coragem que não tenha mais lugar para nenhum medo. Por exemplo: Jesus falava sério quando dizia para amarmos até os inimigos. Quem tem coragem de praticá-lo? Em lugar de nos defender, por medo, vamos ao encontro com o amor, o perdão e a misericórdia. Transformamos o “inimigo” em irmão! Jesus chama, ainda hoje, para segui-lo; chama a “perder” a vida para ganhá-la. Esta vida passa e um dia, querendo ou não, vamos perdê-la. Somente os tesouros de sofrimento e bondade, juntados no céu, servirão. Os bens acumulados ficarão para os outros. Então, por que ainda tanto medo de seguir Jesus, de se arriscar confiando na sua palavra? Por que ainda tanto medo de ser generosos, de fazer amigos com os bens deste mundo, em lugar de querer enriquecer sozinhos? Maria, José, Pedro, Paulo e tantos outros conhecidos tiveram coragem, e nem todos fizeram coisas maravilhosas: foram humildes, mas grandiosos colaboradores de um projeto de amor. Nós também podemos fazer a nossa parte. Basta vencer o medo de acreditar no Senhor, de gastar energias para o bem, de doar mais que de receber!
É Natal. Deus se fez um de nós. A grandeza do amor do Senhor preenche todos os abismos do medo.
A fuga
Na praia, o velho pescador tinha colocado a cesta com os caranguejos vivos ao lado dele e tinha caído no sono. Um senhor que passava o acordou:
– Veja, os seus caranguejos estão fugindo!
O velho, que sabia das coisas, lhe respondeu:
– Não se preocupe! Logo que um caranguejo consegue subir um pouco, outro o agarra e a este segundo caranguejo um outro vai se juntando. A fila começa a ficar pesada e todos caem novamente dentro da cesta. São eles mesmo que não deixam ninguém sair.
Acredito na experiência do velho pescador e fico pensando sobre o que, muitas vezes, nos impede de mudar de vida, de sermos cristãos melhores. Parece que alguma força nos puxa para trás. Assim continuamos na mesmice, convencidos de que já não tem jeito e que, talvez, nem valha mais a pena.
No evangelho deste segundo domingo de Advento, escutamos a vigorosa pregação de João Batista. Parece um profeta zangado, que reclama de tudo e de todos. Não era por menos. Multidões o procuravam, lá no deserto da Judéia, para o batismo de penitência que ele administrava na beira do rio Jordão. Eram moradores de Jerusalém, das redondezas, fariseus e saduceus. João chamava a todos de “raça de víboras” e cobrava deles “frutos de conversão”. Que culpa eles tinham? O que estavam fazendo de tão errado?
Entendemos que o evangelista Mateus quer nos falar, antecipadamente, da incapacidade deles de acolher aquele que virá depois: o próprio Jesus. No entanto, nesta página, João Batista revela a verdadeira razão da não acolhida: a falsa segurança que eles tinham. Pensavam que lhes bastasse ser “filhos de Abraão” para, digamos, agradar a Deus. No fundo, não importava tanto a vida real deles, porque só o privilégio de pertencer ao povo eleito era uma garantia mais que suficiente. Por isso, João cobrava frutos e ameaçava castigos. Sabemos que Jesus tomou atitudes mais misericordiosas. Todavia, nem por isso podemos pensar que o nosso “ser batiz ados” e o nosso afirmar que somos cristãos e que acreditamos – muitas vezes sem saber bem em que e em quem – nos garantam melhores condições perante às exigências grandes e bonitas do evangelho.
A Igreja, mãe e mestra, convida-nos todo ano a percorrer novamente o caminho da fé, principalmente através da memória dos eventos da vida de Cristo, das suas palavras e ações. Podemos achar que já sabemos tudo, que já estamos no caminho certo e que não precisamos mudar em nada. No fundo, nos consideramos bons cristãos ou, ao menos, melhores de tantos outros. São os nossos defeitos conhecidos: a acomodação, uma religiosidade formal, o nivelar tudo, pensando que uma crença valha a outra e que, portanto, não tenhamos que tomar demais a sério a “nossa” fé. Desse jeito nunca muda nada da nossa vida de cristãos.
Que Igreja queremos ser?
Neste final de semana, acontecerá no Centro de Pastoral e Cultura Dom José Maritano, em Macapá, a 22ª Assembleia Diocesana. É um momento importante para a nossa Diocese e marcará os rumos da nossa caminhada eclesial. Normalmente, a Assembleia acontece a cada quatro anos, acompanhando, quando possível, a frequência das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja (DGAE) propostas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Desta vez, porém, passaram-se cinco anos por causa do Congresso Eucarístico, realizado neste ano, e do Jubileu da Misericórdia. Sentimo-nos enriquecidos, também, pela experiência deste eventos.
Os participantes da Assembleia são o bispo, todos os padres presentes e atuantes na Diocese, os diáconos permanentes, alguns religiosos e religiosas representantes das respectivas comunidades, leigos e leigas representantes das paróquias, das pastorais, dos movimentos, dos grupos de serviço e das novas comunidades. Deveríamos chegar a cerca de trezentos participantes. O grupo mais numeroso será, justamente, dos leigos e das leigas que, de fato, formam a quase totalidade do Povo de Deus.
Para que serve uma Assembleia? Ela traça os rumos das principais vertentes da ação evangelizadora da Igreja: Palavra, Liturgia e Caridade. A Palavra se preocupa com a formação dos católicos desde as crianças, com a Iniciação Cristã, até a formação permanente de adultos. A Liturgia se interessa da participação ativa e consciente dos católicos nas celebrações litúrgicas, as Missas e os demais sacramentos. Por fim, a Caridade quer reunir e orientar todos aqueles e aquelas que se interessam das realidades sociais, da exclusão, da saúde, das atividades de promoção humana, da política . A Igreja não pode e não deve deixar de lado algo que seja verdadeiramente humano; a fé ilumina a vida e a vida dá testemunho da fé que afirmamos ter.
Uma Assembleia Diocesana é uma grande oportunidade para fazer um exercício real e singelo de comunhão e participação. O Povo de Deus é constituído por pessoas diferentes, com funções, ministérios e responsabilidades também diferentes. No entanto é fundamental nos conhecermos melhor uns aos outros, escutarmos mais e unirmos mais as forças. Hoje, o individualismo e o mundanismo – diria papa Francisco – entraram também na Igreja. Todos somos tentados a querer ser e fazer diferente dos outros. Buscamos algo que nos distinga em lugar de buscar o que nos una, acima e além das diversidades.
O mundanismo é a ambição de querer ser melhores do que os outros a qualquer custo, de não precisar da colaboração de ninguém e de ficar só se olhando no espelho, se autoelogiando e se vangloriando. É fácil entender que essas “tentações” estão à raiz de toda divisão, disputa, isolamento. Dessa maneira gastamos muitas forças e energias humanas e materiais pensando de conseguir anunciar o Evangelho de Jesus. Na realidade, quando o nosso povo participa de outra paróquia ou outro grupo se pergunta se somos a mesma Igreja, tão diferente é o jeito de rezar, cantar e pregar o Evangelho do mesmo Senhor Jesus. União não significa uniformidade, mas também nunca será alcançada se nos deixamos guiar pelas modas, os gostos e os caprichos pessoais. Os melhores frutos de uma Assembleia devem ser sempre a comunhão, a fraternidade e a alegria de caminharmos juntos. Além desse compromisso, o maior desafio, hoje, para a Igreja toda, não é saber e decidir o que fazer. Não somos uma empresa de eventos, tomada pela frenesi de um incansável ativismo. Talvez tenhamos até trabalhos demais. O mais difícil é saber como fazer as coisas, com liberdade e fidelidade. Livres para sermos criativos na organização, com um jeito novo de ir ao encontro das pessoas, mas, ao mesmo tempo, extremamente fiéis a um Senhor que privilegiou os pobres e os pequenos, que nunca se escondeu no Templo ou nas Sinagogas. Os seus momentos de oração, também aquele a sós com o Pai, sempre foram para tomar grandes decisões e aprender a acolher a todos a começar pelos pecadores.
Queremos ser uma Igreja unida, viva e fiel ao Senhor, consciente das própria limitações, que não busque alianças espúrias, vantagens ou privilégios indevidos, que seja corajosa na sua missão, saiba dialogar com todas as forças e as pessoas de boa vontade, no respeito pela vida humana, a natureza e as culturas. Queremos ser uma Igreja profética que rega aonde já foi semeado, mas não tenha medo de desbravar novas roças, para plantar alegria e esperança. Uma Igreja que olhe mais para fora de si do que para dentro, jovem, leve e generosa, sempre pronta a perdoar a todos e a corrigir as próprias rusgas e manchas. Bonita e resplandecente aos olho s dos pequenos e dos pobres, dos puros de coração e dos misericordiosos. A Igreja que Jesus quis.
“Ainda hoje estarás comigo no paraíso”
Neste final de semana, o papa Francisco fechará a Porta Santa na Basílica de São Pedro e encerrará, assim, o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, iniciado no dia 8 de dezembro de 2015. O mesmo acontecerá em todas as dioceses do mundo. Não será diferente em Macapá. Será neste sábado, 19 de novembro, junto aos nossos irmãos e irmãs das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) reunidos no Encontrão anual. Penso poder dizer que trabalhamos bastante nesse tempo de graça. Abrimos muitas Portas Santas, rezamos e refletimos sobre a Misericórdia do Pai manifestada com as palavras e os gestos de Jesus, com a sua compaixão e a sua vida doada na cruz.
Na Festa de São José, lembramos o “pão de cada dia”, junto ao “Pão da Eucaristia”, mas também o pão da união das famílias, da acolhida dos pobres, da partilha solidária. A primeira experiência da misericórdia e do perdão deve acontecer em nossas casas. No Congresso Eucarístico, as paróquias todas colocaram as Obras de Misericórdia Corporais e Espirituais nas faixas e nas camisetas. Cantamos a Eucaristia “Pão da unidade, alimento da missão”. Nos orientaram as palavras de Jesus na Última Ceia, após ter lavado os pés dos discípulos, “Dei-vos o exemplo” e a despedida do mestre da Lei seguidas à parábola do Bom Samaritano: “Vai e faze a mesma coisa”. No Círio, chamamos Maria de Rainha e Mãe de Misericórdia. Não faltaram retiros, momentos de espiritualidade e, sobretudo, ocasiões para experimentar o perdão do Pai, através do Sacramento da Reconciliação ou Penitência, que ainda chamamos de “confissão”. Para quem soube aproveitar, ficarão boas lembranças. Tudo foi bonito: evangelização, gestos e eventos. Devemos agradecer ao Pai misericordioso e ao papa Francisco por esse tempo de bênçãos. É neste momento, porém, que devemos nos perguntar o que ficará para a nossa vida de cristãos. A nossa memória é curta e parece que sempre precisamos de algo diferente, algo que pareça novo para lembrar algo bem antigo e que nunca de veríamos ter esquecido. Não foi o papa Francisco que inventou a misericórdia de Deus, fomos nós que, talvez, a tínhamos deixada de lado.
Não foi assim para o evangelista Lucas que, ainda no final do seu evangelho, coloca palavras de bondade e misericórdia na boca de Jesus na cruz, prometendo ao ladrão arrependido o perdão e a acolhida no céu. Essa é a página do evangelho de Lucas que encontramos neste domingo da solenidade de Cristo Rei com a qual, também, concluímos o ano litúrgico. Já refletimos, muitas vezes, que o trono de Jesus é a cruz e que a sua coroa é de espinhos. Os grandes das nações “dominam sobre elas e os que exercem o poder se fazem chamar de benfeitores”. Para Jesus, ao contrário, o maior é aquele que serve a todos. Foi o que ele fe z em toda a sua vida terrena: “Eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Mt 22,27).
Todo cristão é chamado a servir. Talvez possa ser este o recado deste Ano Santo extraordinário: sermos servidores da Misericórdia, testemunhas vivas da bondade, da compaixão do perdão do Pai. “Misericordiosos como o Pai” foi o lema deste Jubileu. Vivemos numa sociedade complexa, onde sobram violência, corrupção, desinteresse e ganância e faltam acolhida, honestidade, solidariedade e generosidade. Se não queremos desperdiçar o que aprendemos no Ano Santo da Misericórdia precisamos viver a bondade. Papa Francisco pede às dioceses algum sinal, algum gesto que faça essa memória. Veremos o que será possível fazer p ara nós como Igreja local, mas todos poderemos fazer, pessoalmente, algum gesto simples de perdão e reconciliação. Talvez algo desejado e adiado há muito tempo. Também com o Senhor será sempre possível nos reconciliarmos. A porta do seu coração nunca será fechada. Se depois conhecemos alguma situação de pobreza e desemprego e uma ajuda real está ao nosso alcance, por que não aproveitar ainda deste tempo de compaixão? “Hoje” disse Jesus mais uma vez lá na cruz. O “hoje” dos servos da misericórdia que não deixam para amanhã o bem que podem fazer agora. Um hoje, um já, que pode valer o paraíso para sempre.
O segredo da coragem
Uma antiga lenda da Ásia Menor conta a história de Manuela, uma jovem que teria estado com outras mulheres aos pés da cruz de Jesus no Calvário. Manuela era muito tímida. Ficava calada o tempo todo, era muito difícil lhe arrancar algumas palavras. Também estava sem coragem para qualquer iniciativa. Tinha medo de tudo e de todos. Ficava parada, só escutando. Um dia, escutou também Jesus na beira do lago de Tiberíades. Ficou encantada com as palavras que saíam de sua boca. Todas elas suscitavam confiança e coragem. Assim, quando soube da ressurreição do Senhor, não precisou de aparições ou confirmações. De repente, levada por uma audácia nunca experimentada antes, transformou-se numa peregrina que anunciava a Boa Notícia de Jesus a todos os que encontrava. Tinha sido ele a lhe ensinar “o segredo da coragem”. Agora, não tinha mais medo de nada. Andava de aldeia em aldeia e reunia as mulheres. Os homens, pensava, não a teriam entendido. Não buscava as praças, mas lugares afastados: de baixo de uma árvore, perto de um forno para assar o pão, à beira de um poço ou de um riacho onde as mulheres lavavam a roupa. As palavras saiam fortes e claras da sua boca. Nunca preparava os discursos. Sabia que não era ela a escolher as palavras, mas o Espírito Santo. Certo dia, uma mulher, impressionada por tanta força, perguntou-lhe:
– Diga-me, qual é o segredo da sua coragem?
– A humildade, como ensinou Jesus – respondeu Manuela.
– Mas o que é a humildade? – insistiu a mulher.
– É ser a primeira a dizer: “Eu te amo”.
Sempre, chegando ao final do ano litúrgico, encontramos evangelhos que nos falam de acontecimentos pavorosos. O grandioso Templo de Jerusalém será destruído. Haverá guerras, revoluções, terremotos, fomes e pestes. Os discípulos serão odiados e perseguidos, aprisionados e levados perante os tribunais. Haverá muita confusão e alguém se apresentando como o novo Messias. Como não ter medo de tantas provações? No entanto, Jesus diz para não duvidar, para permanecer firmes. “Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé”. “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida”.
Para entender as palavras de Jesus, que ficaram nos evangelhos, precisamos lembrar que muitas partes deles foram escritas após a destruição do Templo de Jerusalém, acontecida no ano de 70 d.C., e ainda durante várias perseguições aos cristãos. Aqueles discípulos apavorados e duvidosos que arriscavam a própria vida para ser fiéis a Jesus, precisavam de palavras de exortação e conforto. Os resultados foram surpreendentes: a fé cristã não foi abafada e nem apagada. Desde aquele tempo até hoje, podemos dizer, sem medo, que o sangue dos mártires é, de verdade, semente de novos cristãos. Aquelas palavras de Jesu s ficaram nos evangelhos não para afastar da fé e do seguimento dele, mas, ao contrário, para lembrar aos cristãos que críticas, perseguições e martírio, os acompanharão sempre. Afinal, todo cristão é discípulo de Alguém que foi crucificado!
Bastaria olhar um pouco para a história da humanidade e a contribuição que os cristãos deram à civilização e à humanização da sociedade para entender, mais ainda, os alertas dos evangelhos. Se depois abrimos o horizonte para tantas outras situações de perseguição de pessoas, de grupos, de povos inteiros – ameaçados e mortos por causa das crenças religiosas, das raças e da cobiça de invasores e colonizadores – reconhecemos a luta incansável entre o bem e o mal. Já aprendemos que, muito dificilmente, a verdade está do lado dos vencedores. Eles, depois, contam os fatos conforme o seu poder e as suas ideologias. É fácil, porque a voz dos mortos já foi silenciada. Só que “um morto ressuscitou” e a força do bem e da verdade não se cala mais. É uma força diferente. Cresce com a fraqueza e a humildade. Não mata, prefere morrer. Não persegue, aceita ser perseguida. Vence pelo testemunho do amor, da misericórdia e do perdão. Por isso, é invencível. Temos a coragem de acreditar? Chega de medo e timidez!
O pão e o sinal da cruz
Maria levantou cedo. Como sempre, começou a prepara a massa do pão. Em silêncio e bem devagar para não acordar José e o menino Jesus. Depois iria levar a massa para assar no forno da pequena aldeia. Estava com o coração pesado, porque naquele dia o pão seria bem pequeno para toda a família. Quando chegou ao forno, outras mulheres já estavam lá, conversando e reparando o que cada uma tinha trazido. Os pães seriam assados todos juntos, como de costume. Uma vizinha viu o pouco que Maria carregava e zombou: “Vocês não são mais três em casa?”. Não houve resposta. A mesma vizinha pensou maliciosamente que, na hora que o p&a tilde;o saísse do forno bem assado, Maria pudesse trocar o seu pequeno pão com o dela, muito maior. Assim, num momento de distração de Maria, ela traçou, com uma faca, um grande sinal de cruz sobre o pequeno pão que Maria tinha trazido. Isso para que não houvesse engano. Todos os pães foram para o forno. De vez em quando, o homem encarregado do serviço dava uma espiada para ver se tudo estava certo. Algo chamou a atenção dele e disse: “Tem um pão que está crescendo mais de que todos os outros. É uma maravilha, nunca vi nada igual!”. A tal de vizinha pensou logo no pão dela e disse para si mesma que, evidentemente, ninguém sabia preparar a massa tão bem como ela. Grande foi a surpresa de todas quando, finalmente, os pães saíram do forno. O maior de todos era aquele com o sinal da cruz. O sinal da inveja e do orgulho tinha-se transfor mado num sinal de generosidade e fartura. A notícia do prodígio se espalhou rapidamente e as mulheres começaram a marcar os seus pães com o sinal da cruz. Ainda hoje, muitas senhoras traçam sobre os pães caseiros um sinal de cruz. Junto à gratidão do alimento vai a bênção do Senhor.
No domingo da festa de Todos os Santos, uma pequena lenda de Nossa Senhora, para não fazer diferenças entre tantos santos e santas. Na semana que passou, lembramos também os nossos entes queridos falecidos. A memória das pessoas, dos exemplos que tivemos e ainda temos nos caminhos da vida, são muito importantes. Vivemos numa sociedade de notícias e informações rápidas e, na maioria das vezes, superficiais. Todos somo atraídos pelas novidades, sobretudo quando vem apresentadas com imagens que chamam a nossa atenção. Essas podem ser tocantes, mirabolantes, encantadoras. Outras vezes são tão chocantes que nos fazem sentir vergonha desta nossa humanid ade confusa.
As perguntas mais frequentes de quem consegue parar para pensar são: o que está acontecendo? Para onde vai este mundo? Muitos respondem: Falta Deus! Mas eu também digo: qual Deus? Nunca tivemos tantos templos, tantas opções religiosas, tanta propaganda do “nome de Jesus” e tantas bênção gratuitas e pagas. Há quem diga que também a religião virou comércio. Na sociedade do consumo, qualquer produto bem embalado e propagandeado dá lucro. Com certeza, uma luz nos vem dos santos e das santas que a Igreja nos propõe como exemplos de vida cristã. Todos e todas procuraram praticar o Evangelho de Jesus. Morreram pobres. Se orga nizaram obras e instituições não foi para benefício próprio, foram para os pequenos do seu tempo: crianças, enfermos, peregrinos, sobras da sociedade, povos inteiros a serem evangelizados. Muitos deles e delas foram mortos por causa da fé. Outros e outras se trancaram no silêncio de mosteiros para espalhar uma luz diferente, sem alarde, no escondimento e na oração.
Não buscaram novidades, anunciaram o Evangelho de sempre. Aquele bem antigo de Maria e José, de Pedro e de Paulo, de João e dos demais apóstolos. Antes de querer mudar a vida dos outros, mudaram as suas vidas. Com certeza, nós conhecemos alguns desses santos. Alguns caminharam e outros ainda caminham conosco. Acolheram as novidades e os desafios do seu tempo, mas pareciam e parecem ter certeza do rumo das coisas, do sentido de suas vidas. Confiaram e confiam no seu Senhor, crucificado e ressuscitado. Ele, Jesus, ontem, hoje e sempre.
Deixe para amanhã
Neste século de encontros e congressos, também os demônios convocaram uma assembleia. Seu objetivo era estudar novos métodos, mais eficientes para aumentar a sua freguesia, isto é, o número de sócios e candidatos ao inferno. Os palpites choveram de todos os lados:
– Vamos intensificar os programas de sexo e violência nos meios de comunicação.
– É preciso endurecer o coração do povo. Nada de fazer caridade. Formar a mentalidade que pobre é preguiçoso e que velho é peso morto.
– Vamos convencer o povo que missa e oração não enchem barriga. Religião é só para anestesiar as consciências.
– O povo deve aproveitar mais da vida. Mais prazer, mais drogas, mais bebidas, mais diversão. Os palpites continuavam, mas o chefe dos demônios sacudia a cabeça a cada nova sugestão.
– Isso tudo já estamos fazendo – dizia. Levantou-se, enfim, um demônio muito velho e experimentado que, pausadamente, deu a sua opinião:
– Vamos ensinar ao povo a fazer o que os padres ensinam, mas…comecem amanhã. Por exemplo: é necessário ir à missa e frequentar a comunidade, mas deixem para começar amanhã. É preciso corrigir os vícios, mas deixem para amanhã. Todos devem fazer o bem, mas deixem para fazer amanhã.
Essa opinião foi aprovada por unanimidade pela assembleia. E esta ficou sendo a tática diabólica: elogiar todas as boas iniciativas, mas sempre adiar para amanhã a sua execução.
Deixar as decisões para amanhã faz parte das famosas boas intenções das quais, dizem, é feito o piso do inferno. De fato, quando não se faz nada, ou pouco demais, nunca as coisas erradas vão mudar. Nesse sentido, é bom nos deixarmos surpreender, mais uma vez, pela insistência do evangelista Lucas em colocar nos lábios de Jesus a palavra “hoje”. Já a encontramos ao longo deste ano litúrgico e ainda a encontraremos no último domingo. “Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é filho de Abraão” é a resposta de Jesus à declaração de Zaqueu, o chefe dos co bradores de impostos de Jericó: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais”.
Na página do evangelho, deste domingo, tudo parece acontecer às pressas. Na realidade, dá para perceber a longa inquietação de Zaqueu. A decisão dele não é um repente de loucura, mas a chegada de um longo caminho, após a superação de alguns obstáculos. Se alguém tem pressa é Jesus. É a pressa de quem ama. Com efeito, Zaqueu buscava ver quem era Jesus. Não sabemos o que Zaqueu pensava ou o que lhe tinham contado sobre o “profeta de Nazaré”. Devia ser um homem prático, acostumado na administração de bens palpáveis. Nada de conversa. Por isso, agora ele quer conhecer pessoalmente a Jesus. M as é baixo de estatura, a multidão atrapalha, é difícil ver o Mestre. Poderia desistir. Mas não, insiste, quer porque quer. Soube numa árvore. Agora dá para enxergar, mas antes quem o vê é o próprio Jesus que o chama pelo nome e se autoconvida para ir à casa dele.
A arte narrativa de Lucas é maravilhosa e profunda. Antes de Zaqueu procurar a Jesus fica claro que já era o próprio Jesus a querer encontrá-lo. Assim, aquela casa de cobranças, negócios, enganos, roubos e exploração se torna “casa de salvação”, porque qualquer lugar pode ser transformado – qualquer coração, qualquer intimidade – quando deixamos Jesus entrar. Zaqueu que tinha gastado tantas energias para acumular a sua fortuna agora fica feliz em doar metade dos seu bens aos pobres. Devolve quatro vezes mais a quem tinha defraudado. A falsa euforia de acumular desaparece; instala-se a pura alegria de poder fazer felizes os outros, os pob res, os injustiçados. Esta é a salvação. Aquele “hoje” foi um grande dia de festa na casa de Zaqueu. Como na casa do Pai, quando o filho perdido voltou; como na casa do Bom Pastor, quando a ovelha desgarrada foi encontrada. Todos nós buscamos a felicidade; muitas vezes por caminhos errados e com voltas infinitas. O único jeito certo para dar sentido à nossa vida é fazer o bem, amar como Jesus amou. Mas é para “hoje”, viu?