José Sarney

DOUTOR PAPALÉO

Recebi a notícia da morte do doutor Papaléo, como o povo e o Estado inteiro sempre o conheceu, com profunda comoção. Tinha por ele, além de uma grande amizade, uma excepcional admiração pelas suas qualidades de honestidade, simplicidade, correção e grande espírito cívico. Perdeu o Amapá um dos seus melhores homens públicos, de uma conduta impecável, de uma vida exemplar, modelo de cidadão, de chefe de família e de dedicação ao seu Estado. Passou pelo Senado, onde deixou um nome notável, uma marca de seriedade, de trabalho, de correção e dedicação ao trabalho parlamentar.

Foi cada vez mais conquistando minha admiração pela lealdade com que sempre se conduziu comigo, pela solidariedade que sempre me deu naquela Casa, onde gozava do respeito de todos os senadores, independente de partido e apenas pelo reconhecimento de suas qualidades morais. Até hoje é ali lembrado como um dos grandes senadores que por ali passaram.

Conheci Doutor Papaléo quando cheguei ao Amapá, em 1990, e ele era candidato a Governador pelo Prona, do famoso Enéas e logo passou a participar dos meus atos de campanha, de uma maneira espontânea, apenas por solidariedade ao meu nome e à biografia com que aqui cheguei, colocando-a a serviço do Amapá.

A partir daí criamos uma amizade sólida, afeição e estima que não me abandonará.

Quero associar-me e participar da maneira mais estreita a sua família, Dra. Josélia e suas filhas, que criou com tanto desvelo e que herdaram suas qualidades, neste momento de sofrimento. Calculo a profunda dor que estão sentindo e a falta que vai fazer, não somente aos seus familiares, mas ao Estado e ao País com seu desparecimento.

Eu, Marly, Roseana, Sarney Filho e Fernando nos juntamos a todos os seus amigos e ao povo do Amapá pela grande perda. Doutor Papaléo, já na eternidade, faz parte da História política do nosso Estado, e quero colocar minhas lágrimas em sua memória.

O preço da violência

Durante o tempo em que estava no Senado fiz vários discursos e apresentei alguns projetos dizendo que diante da violência cotidiana — o domínio do crime organizado, a impunidade dos homicidas, a faculdade do assassino defender-se solto, o aumento das mortes violentas, tanta falta de respeito à dignidade humana — o povo brasileiro não se revoltava mais e estava se transformando num povo frio, sem capacidade de reagir e de se sensibilizar com os crimes mais hediondos.

Isto começou a consolidar-se depois que a Constituição de 88 deu muito melhor tratamento ao criminoso do que à vítima. O criminoso passou a ter direito a pensão mensal, assistência social, garantias à sua família etc. A vítima só tem a perda do seu futuro, as necessidades geradas pela sua ausência, o sofrimento de sua família, a orfandade de seus filhos, a viuvez de sua esposa e as lágrimas de sua família, pais, irmãos.

Eu posso falar, como dizia Camões, de experiência vivida. Malherbe dizia na Consolation à M. Du Périer que: “A morte tem rigores que a nada se assemelham […] E a Guarda que vela nas barreiras do Louvre / Nem mesmo defende nossos reis.”

O Brasil apresenta a maior quantidade de homicídios do mundo. Temos 12% das vítimas — e somos menos de 3% da população. E o pior ainda é que as estatísticas mostram que os jovens estão sendo assassinados e são jovens que estão matando.

Em nossa família já fomos atingidos brutalmente, porque, como disse, ninguém escapa da violência; já perdi três sobrinhos-netos, vítimas do desprezo pela vida que assola o País. O primeiro, Augusto, sobrinho da minha mulher, filho do meu cunhado Cláudio Macieira, assassinado quando roubaram sua motocicleta, no dia em que ia receber o seu diploma de engenheiro — e quando eu era presidente da República. Ele tentou resistir e foi abatido com um tiro na cabeça. A segunda, minha sobrinha Mariana, quando hediondamente foi asfixiada. E o terceiro, esta semana, Diogo, filho de minha sobrinha Concy, covardemente morto com um tiro à queima-roupa, quando tentou falar com o motorista de um carro que o trancara. O assassino não deixou nem que ele se aproximasse. De dentro do carro sacou uma arma e o matou com um tiro no pescoço.

O que restou a todos nós: suas mães, seus pais, seus filhos, seus avós, seus irmãos, seus tios, seus primos, parentes, amigos, colegas? Lágrimas, dor intensa, saudade que não passará.

Diogo, jovem rapaz, com um futuro pela frente, cheio de vida, da alegria de viver, mergulha na eternidade, sem o conforto nem duma morte cercado pela ternura de sua mãe e dos seus, para cair no asfalto escaldante, deixando para trás seu maior dom: a vida.

Pela misericórdia divina, minha mãe Kiola o receberá no Céu, o acolherá em seu colo pela eternidade e o levará à presença de Deus.

Quarentena, solidão e medo

Nunca pensei em minha vida que passaria meses em prisão domiciliar, sem culpa nenhuma, mas por absoluta necessidade de autodefesa.

Só que esta circunstância também é inédita no mundo, pois jamais a Humanidade esteve sob a ameaça de um vírus de ação tão “eficiente”. Ele veio montado na globalização dos meios de transporte, capazes de cobrir o mundo em vinte e quatro horas.

A quarentena, na acepção de reclusão e isolamento para evitar contágio, é atualmente a única maneira que temos para evitar a Covid-19. O esforço mundial para descobrir vacinas, remédios e curas tem mobilizado os laboratórios e centros de pesquisa do mundo inteiro e é até agora infrutífero.

O isolamento para evitar o contágio é prática muito antiga, já registrada na lei mosaica (o Levítico é do século VII a.C.) e na lei islâmica (século VII d.C.). A Newsweek reproduziu esta semana instruções do Profeta: “Se ouvir notícia de praga numa terra, não entre nela; mas se a praga começa num lugar onde você está, não saia dele.” Talvez daí venha certa irritação com a OMS: mandou fazer o mesmo.

O nome que usamos para essa prática de saúde pública data do século 14, para combater a peste negra que se julgava — e era — trazida pelas galeras que aportavam em Veneza. A palavra veneta quarentena queria dizer quarenta dias.

Até as primeiras décadas do século passado, era costume depois do parto as mulheres cumprirem um período chamado de quarentena ou resguardo, para atravessar o puerpério, período a que a OMS considera que não se dá suficiente atenção.

Muitas tribos brasileiras são mais machistas e, em vez da mulher cumprir essa quarentena, são os homens que descansam, ficando recolhidos enquanto as mulheres logo começam a trabalhar. Como as mulheres sofreram ao longo da evolução e ainda continuam na luta para evitar a discriminação!

Eu desejava falar mesmo era sobre a nossa quarentena. No princípio a encaramos com certa naturalidade. Com o desenrolar do tempo, diante do avanço da doença — destruindo todas as economias nacionais, dizimando o emprego, espalhando a fome e colocando à mostra a fragilidade dos sistemas de saúde do mundo inteiro, que não estavam preparados —, foi invadindo todos nós uma solidão misturada com medo, e foi crescendo dentro da gente a falta dos amigos, o martelar das notícias cada vez mais trágicas e certa apatia pelos fatos, distantes e próximos, e ela cada vez mais chegando perto de nossa rua, de nossa casa, com a perda dos amigos sem a misericórdia de um sepultamento cristão, e começou a crescer dentro da gente um sentimento para o qual não fomos feitos. Se pensarmos em algo semelhante, lembramos o banzo, que misturava saudade e o sentimento permanente da morte.

Nossa esperança está na fé de que Deus nos criou e mandou Seu filho à Terra para que não nos sentíssemos abandonados e sem algo superior ao nosso lado.

O medo e a solidão doem. Como dizia Drummond de Itabira: “Apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”

Vamos sair logo de tudo isso e voltarão a alegria e a vida, se Deus quiser!

Meu Destino é Sofrer

A cena trágica do assassinato cruel de George Floyd em Minneapolis, nos Estados unidos, mais uma vez põe como fratura exposta a situação racial americana, viva em seus requintes de brutalidade e sordidez. Em nenhum lugar do mundo esse problema de discriminação permanece com as características de tanta violência quanto ali. As raízes remontam à escravidão — como aqui —, que precisou de uma Guerra Civil para ser legalmente banida e teve como um de seus marcos o assassinato do grande presidente Lincoln, que teve a coragem de enfrentar o problema.

Sempre fui muito ligado à causa negra no Brasil. Escrevi bastante sobre o assunto e considero a ausência de resgate da escravidão como a maior mancha de nossa História. Desde a Lei Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial, até hoje, apenas arranhamos a superfície do problema.

Eu era Presidente do Brasil quando ocorreu o centenário da abolição da escravatura e, em vez de fazer festas na data, resolvi marcar o meu ponto de vista de que só se resolve o problema com a ascensão da raça negra, inserindo-a na sociedade de maneira a que ela possa ser realmente colocada em igualdade com a raça branca. Criei então a Fundação Palmares, que infelizmente desviou-se de seus objetivos. Há quase duzentos anos, José Bonifácio afirmou que a Independência não estava completa porque não enfrentara e resolvera a questão da escravidão e a política de brutalidade seguida durante a Colônia, com a dizimação de tribos indígenas inteiras.

Com essa visão, fui eu quem levantei no Brasil a política de cotas, não somente nas universidades, mas também nos financiamentos e concursos públicos e alcançando as empresas privadas. Apresentei o primeiro projeto de lei estabelecendo cotas, que foram implantadas por iniciativas esparsas e só passaram a vigorar no Brasil quando, com o meu acordo, foram incorporadas parcialmente no Estatuto da Igualdade Racial.

Ao lado de Zumbi – recebi o prêmio que tem seu nome – coloco como símbolo o Negro Cosme, maranhense que fundou o maior quilombo do Brasil e cuja primeira iniciativa foi fundar ali uma escola, enforcado em Itapecuru Mirim.
Fico solidário e, se fosse mais novo, ia engajar-me no movimento mundial de protesto pelo assassinato de George Floyd. Recompensa ver o mundo inteiro levantar-se e unir-se nessa revolta.

Nabuco disse que o assunto “versa sobre as aspirações, os sofrimentos, as esperanças, os direitos, as lágrimas, a morte de milhares e milhares de gentes como nós; que não é mais uma questão abstrata, mas concreta, e concreta no que há de mais sensível e mais sagrado na personalidade humana”.

Não há como negar o que aconteceu: uns foram escravos, outros foram senhores. Uns eram negros, outros eram brancos. O trabalho de resgate não aconteceu, nem no Brasil nem nos Estados Unidos.

Portanto, a nossa tarefa é fazê-lo. Os pretos, de todos os discriminados no mundo, são os que mais sofreram. Seu destino tem sido esse.

Vamos acabar com isso e colocar os pretos entre os que formam a elite brasileira. É o mínimo que se pode fazer para pagar a impagável dívida do sofrimento da raça negra.

O perigo é maior

humanidade foi surpreendida por uma ameaça que, embora profetizada por esporádicas vozes, nunca foi levada a sério. Ao longo de nossa história atravessamos muitas doenças que dizimaram populações inteiras, mas todas elas foram superadas.

A última grande e fundada ameaça foi a descoberta da fissão atômica. Ele deu ao homem o domínio de liberar forças gigantescas, capazes de destruir imensas regiões da Terra. A primeira noção que tivemos da brutalidade desse poder veio quando, estarrecido, o mundo viu as tragédias de Hiroshima e Nagasaki. E não existe nenhuma garantia de que ela não possa fugir do controle do homem e antecipar a catástrofe da destruição da vida na face da Terra com os instrumentos que o próprio homem construiu.

Hoje o arsenal de ogivas nucleares armazenados pelos países que dominam a fissão e a fusão nuclear é de mais de nove mil, somadas as de todas as potências nucleares. Daí o esforço do mundo inteiro no sentido de conter esse avanço através de organismos e tratados internacionais. No fundo a luta pelo poder hegemônico do mundo repousa sobre a força.

Esse esforço e essa corrida armamentista monstruosa— retomada nos últimos tempos por Trump e Putin — de repente foi colocada em segundo plano. A ameaça mais eficaz e rápida apareceu de um micro-organismo que, para ser visto, precisa ser aumentado 1 milhão de vezes num microscópio eletrônico.

A ameaça das doenças desconhecidas mostrou suas garras na pandemia da Covid-19, cuja capacidade destruidora, que atinge todos os setores, econômicos, sociais, políticos e globais, nunca tinha sido sonhada pela humanidade.

Se as potências mundiais tivessem concentrado seus recursos na busca do controle científico da saúde humana, em vez de empenhá-los na sofisticação das armas, talvez não estivéssemos passando esta crise previsível e anunciada, capaz de revirar o mundo de cabeça para baixo, nos deixando sem saber o que vem do futuro: o caos ou um mundo transformado, mais humano e solidário, de olhos voltados para o próprio homem e não para o domínio de povos sobre povos.

O homem esqueceu que ele é vulnerável a si próprio e não deve buscar a força e com ela destruir a obra construída pela mais bem-sucedida espécie de mamífero, em que Deus nos deu a graça da vida, o Homo sapiens, que existe há 350 mil anos, um nada diante da eternidade.

E o Brasil? Em meio a esse transcendental desafio, em vez de inserir-se no esforço mundial para enfrentar o Corona, fica mergulhados em lutas estéreis, em confrontos menores, quando devia concentrar todas as suas forças numa união geral, sem qualquer barreira e defender-se do desastre que ameaça a humanidade.

Uma escolha sem Sofia

Estamos diante de uma ameaça sempre temida ao futuro da humanidade: as doenças desconhecidas. Ao longo da história dos seres vivos que habitaram o nosso planeta, milhões de espécies já desapareceram. Para citar o episódio mais fascinante, citemos os dinossauros, que em teoria foi provocada por um meteoro gigante que caiu no Golfo do México, transformando a atmosfera, devastando todo o planeta e levando de roldão quase toda a vida, extinguindo muitas espécies, inclusive as mais bem-sucedidas entre elas, as dos gigantes sauros. Mas nada nos diz que não tenha sido uma doença dessas.

O gênero “homo” foi o mais bem-sucedido entre os mamíferos, embora seja recente, três milhões anos, o que é nada no tempo cósmico. Já venceu várias pandemias, resistindo a todos e, há setenta mil anos, se tornou sapiens sapiens esse a quem Deus escolheu dando-lhe consciência e fala. E ainda lhe deu capacidade de dominar o saber das coisas, defender-se delas e, através da ciência, poder salvar-nos.

Estamos diante de um desafio inédito. O Covid-19 não tem remédio, não tem vacina e pegou a humanidade de surpresa. É um vírus que se transmite numa velocidade que nenhum outro, de pessoa a pessoa, quase nada sabemos sobre ele e somente agora todo o saber científico do mundo se mobiliza para cercá-lo e encontrar um meio de enfrentá-lo.

Nenhum país do mundo estava preparado para esse desafio, os hospitais jamais pensaram necessitar dos equipamentos que demanda na quantidade de infectados. Só temos uma maneira de tentar evitá-lo: o confinamento. Esse procedimento gera muitas consequências de natureza social, econômica e pessoal. Não podemos avaliar suas consequências e amplitude.

Pelo lado humano estamos todos submetidos a um stress muito grande. Testemunhamos as tragédias pessoais das vítimas ­– pais, esposos, filhos, avós – e participamos de sua emoção com nossas lágrimas.

Dentre essas tragédias que todos vivemos a mais heroica é a dos que estão nas linhas de frentes, como médicos, enfermeiros e todos que trabalham para salvar vidas e aliviar o sofrimento dos doentes.

A parte psicológica é a mais atingida. Li hoje a história de renomado anestesista, dr. Alexandre Teruya. Acostumado ao risco da intubação dos pacientes, ele confessa que teve medo quando teve que colocar a sonda na traqueia do primeiro paciente com a Covid-19. Tendo passado aos filhos a necessidade do ritual de descontaminação, a volta para casa não era mais o alívio, mas a exacerbação do risco. A solução foi se mudar para o hospital.

A escolha de Sofia, expressão que retrata a necessidade de escolher uma de alternativas insuportáveis – no romance original, escolher um dos filhos para salvar ou ter os dois mortos pelos nazistas – tornou-se já um desafio real para os profissionais da saúde. Por isso devemos a eles nossa gratidão e nosso apoio.

O terrível dessa virose é que a única coisa que podemos fazer é ficar em casa.

A Briga das Canetas

O poder e a caneta têm uma relação íntima, às vezes libertina. Mas ultimamente ela tem sido explícita.

A primeira vez que ouvi uma definição precisa sobre essa relação foi, nos longínquos anos de 1968, de Plácido Castelo, ele governador do Ceará, eu do Maranhão. Disse-me, mostrando uma caneta: “Sarney, nós, governadores, com esta bichinha poderosa, podemos fazer a felicidade e a infelicidade, nomear, demitir e ameaçar. Mas ela tem um defeito. Quanto acaba a tinta, não serve para mais nada.” A tinta acabava com a eleição do sucessor.

A caneta e a tinta fizeram estórias da História. Prudente de Moraes foi eleito contra a vontade de Floriano Peixoto. O marechal resolveu não lhe passar a faixa. Prudente tomou posse no Congresso e foi para o Itamaraty, sede do Executivo. Estava inteiramente vazio. O Presidente mandou comprar papel, caneta e tinta para nomear o Ministro da Justiça, Antônio Gonçalves Ferreira, e fazer os atos iniciais. Eu fui mais feliz, porque o Figueiredo apenas não quis me passar a faixa.

O nosso presidente atual, que tem sangue quente, quando demitiu o Ministro Mandetta, advertiu: “Deu algo nos integrantes do governo, mas a sua hora vai chegar.” E chegou na cabeça do Moro. Quando quiseram fazer uma intriga entre o parlamento e o Chefe do Executivo, este avaliou o poder da caneta e disse ao Presidente Maia: “Com a minha caneta eu tenho mais poder que você.”

Mas o Supremo entrou no jogo das canetas e disse que tinha onze canetas em vez de uma — haja canetada.

Certa vez o Senado ouvia o Ministro da Fazenda do Governo Fernando Henrique e o Senador Mercadante foi interpelá-lo. Antes disse ao Ministro: “Tome nota da minha pergunta com sua caneta Mont Blanc.” Malan respondeu: “Senador, vou anotar com a minha caneta Bic.” — e mostrou sua esferográfica popular. Foi uma risada geral.

É que as canetas também têm status. No meu tempo era a Parker, com um tinteiro de borracha embutido, colocada no bolso externo do paletó, para mostrar que se era uma pessoa de poder.

Agora é a popular caneta esferográfica azul, que abalou a internet nestes meses foi na música Caneta Azul, que tornou célebre Manuel Gomes, meu conterrâneo de Balsas.

Assim, temos um tempo de brigas de caneta. Mas a caneta do Brasil foi outorgada pela Constituição para expressar o governo democrático, tão bem definido por Lincoln “como do povo, pelo povo, para o povo”, o poder civil, síntese de todos os poderes, como bem define a doutrina da Escola Superior de Guerra.

A Presidência tem que ser exercida com grandeza, humildade, prudência e inabalável sentimento moral. Bic ou Mont Blanc, Parker ou qualquer outra, a única marca que engrandece, por assegurar direitos humanos, bem-estar social, harmonia e independência entre os poderes é a marca Democrática.

Primeira Idade

Norberto Bobbio, o grande cientista político italiano, já perto de completar cem anos, perguntado sobre a velhice, respondeu: “A velhice é muito boa, só tem um defeito, dura pouco.”

Agora, muita gente me tem feito a mesma pergunta. Eu digo que não sei, porque não sou velho; sou às vezes um adolescente, outras vezes um adulto curioso. Continuo estudando muito, lendo e trabalhando.

Magalhães Pinto me dizia que “velho é quem tem um ano mais do que eu”. Quase o que repetia o meu avô Assuéro, pai de minha mãe Kyola: quando o chamavam de velho ele prontamente respondia que “velhas são as estradas”.

Já o grande Picasso, ao chegar aos noventa anos, foi rápido no gatilho: “Estou com saudade dos meus oitenta anos.”
Eu tenho uma ojeriza a certos termos que passaram a usar para a velhice: terceira idade, melhor idade e outras mais. Eu tenho horror a essas expressões. Melhor chamar velho, ancião, velhote. Quando eu era menino me chamavam de Zequinha, agora só algumas primas da minha idade ainda me chamam assim. Tenho um primo, filho da minha tia Martinhana, Isaac Lobato, que mora em Santa Catarina, para onde foi logo depois de formado em medicina e onde fez grande nome, hoje um dos mais respeitados médicos daquele estado. É um pouco mais velho do que eu — uns três anos. Sempre falamos ao telefone. Ele vai logo dizendo “Como vai, Zequinha?”, e eu respondo “Vou bem, Isaquinho”, como o tratava em nossa juventude. Não é nada artificial, é apenas um tratamento terno, desses que na vida a gente não esquece nunca.

O velho Alexandre Raposo, vizinho do meu outro avô, José Adriano da Costa, pai do meu pai, era um tipo sanguíneo e pegava corda com tudo. Disse a meu avô que, quando um vaqueiro seu o chamou de velho: “Velho?!” — respondeu — “Vá lá em casa à noite que eu mostro a velhice”. Meu avô contou a história e comentou: “Velho debochado e mentiroso.”

Manuel Bandeira, o grande poeta, colocado na minha lista dos maiores, foi meu amigo — com ele sempre estava na casa de Odylo Costa, filho, outro grande poeta e meu eterno amigo. Bandeira era solteirão, mas, até o fim da vida, louvador do sexo feminino. Ainda moço, mas sempre com o sentimento de fragilidade diante da vida com que a tuberculose o marcara, escreveu: “Que mais queres / Além de versos e mulheres?… / — Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!… / Évoé Baco.”

Todos os dias agradeço a Deus a graça da vida que me deu, através de meu pai e de minha mãe. Pôs a mão na minha cabeça e fez tudo por mim. Estou chegando aos noventa. Escrevi 122 livros, em 172 edições, com alguns traduzidos em doze línguas. Deus me fez Presidente da República, Governador do Maranhão e deu-me a felicidade de trabalhar pelo povo brasileiro, pelo Maranhão, pelo Brasil.

Fez-me membro da Academia Brasileira de Letras, hoje o decano, com quarenta anos de eleito. Não tenho ódio de ninguém, nunca cravei, por meu desejo, espinho algum no peito de ninguém.

Qual o período em que fui mais feliz? A infância, sinônimo de felicidade.

Deu-me uma família, que constitui com Marly e três filhos — Roseana, Fernando e Sarney Filho — que só me deram alegria e orgulho. Quem me ajudou? Deus. A ele, meu Pai Eterno, graças pela graça da vida, aleluia. Estou na Primeira Idade.

Primeira Idade

Norberto Bobbio, o grande cientista político italiano, já perto de completar cem anos, perguntado sobre a velhice, respondeu: “A velhice é muito boa, só tem um defeito, dura pouco.”

Agora, muita gente me tem feito a mesma pergunta. Eu digo que não sei, porque não sou velho; sou às vezes um adolescente, outras vezes um adulto curioso. Continuo estudando muito, lendo e trabalhando.

Magalhães Pinto me dizia que “velho é quem tem um ano mais do que eu”. Quase o que repetia o meu avô Assuéro, pai de minha mãe Kyola: quando o chamavam de velho ele prontamente respondia que “velhas são as estradas”.

Já o grande Picasso, ao chegar aos noventa anos, foi rápido no gatilho: “Estou com saudade dos meus oitenta anos.”

Eu tenho uma ojeriza a certos termos que passaram a usar para a velhice: terceira idade, melhor idade e outras mais. Eu tenho horror a essas expressões. Melhor chamar velho, ancião, velhote. Quando eu era menino me chamavam de Zequinha, agora só algumas primas da minha idade ainda me chamam assim. Tenho um primo, filho da minha tia Martinhana, Isaac Lobato, que mora em Santa Catarina, para onde foi logo depois de formado em medicina e onde fez grande nome, hoje um dos mais respeitados médicos daquele estado. É um pouco mais velho do que eu — uns três anos. Sempre falamos ao telefone. Ele vai logo dizendo “Como vai, Zequinha?”, e eu respondo “Vou bem, Isaquinho”, como o tratava em nossa juventude. Não é nada artificial, é apenas um tratamento terno, desses que na vida a gente não esquece nunca.

O velho Alexandre Raposo, vizinho do meu outro avô, José Adriano da Costa, pai do meu pai, era um tipo sanguíneo e pegava corda com tudo. Disse a meu avô que, quando um vaqueiro seu o chamou de velho: “Velho?!” — respondeu — “Vá lá em casa à noite que eu mostro a velhice”. Meu avô contou a história e comentou: “Velho debochado e mentiroso.”

Manuel Bandeira, o grande poeta, colocado na minha lista dos maiores, foi meu amigo — com ele sempre estava na casa de Odylo Costa, filho, outro grande poeta e meu eterno amigo. Bandeira era solteirão, mas, até o fim da vida, louvador do sexo feminino. Ainda moço, mas sempre com o sentimento de fragilidade diante da vida com que a tuberculose o marcara, escreveu: “Que mais queres / Além de versos e mulheres?… / — Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!… / Évoé Baco.”

Todos os dias agradeço a Deus a graça da vida que me deu, através de meu pai e de minha mãe. Pôs a mão na minha cabeça e fez tudo por mim. Estou chegando aos noventa. Escrevi 122 livros, em 172 edições, com alguns traduzidos em doze línguas. Deus me fez Presidente da República, Governador do Maranhão e deu-me a felicidade de trabalhar pelo povo brasileiro, pelo Maranhão, pelo Brasil.

Fez-me membro da Academia Brasileira de Letras, hoje o decano, com quarenta anos de eleito. Não tenho ódio de ninguém, nunca cravei, por meu desejo, espinho algum no peito de ninguém.

Qual o período em que fui mais feliz? A infância, sinônimo de felicidade.

Deu-me uma família, que constitui com Marly e três filhos — Roseana, Fernando e Sarney Filho — que só me deram alegria e orgulho. Quem me ajudou? Deus. A ele, meu Pai Eterno, graças pela graça da vida, aleluia. Estou na Primeira Idade.

Política x Ciência

Há agora uma novidade na discussão política brasileira. Sumiu a controvérsia e discussão sobre os ismos (comunismo, fascismo, populismo etc.) para, diante da catástrofe do Coronavírus, surgir o grupo dos adeptos dos cientifistas e dos guedistas, ou seja, dos que querem seguir o que determina a OMS (Organização Mundial de Saúde) com o isolamento e daqueles que querem ver o libera geral: todos comprando porque a economia está acima da ciência, isto é, da vida.

O que se discute não é racional. O que está ameaçado não é a economia, é a espécie humana, é a vida, repito. Já disse que quem não vive não compra nem vende.

Este vírus é um inimigo inédito. Tem dois aspectos que intrigam os cientistas, que, no mundo inteiro, estão unidos e cooperando entre si, apoiados em centros de pesquisa com todos os instrumentos disponíveis do saber humano: 1) por que a família dos Coronavírus (que inclui a do resfriado comum) é tão eficaz?; e 2) por que sua doença demora duas semanas incubada e continua se espalhando?

A verdade é que não existe nada confiável que possa enfrentá-lo. A única solução é evitar o contágio, com o isolamento e, fora dele, com o uso de máscara por todas as pessoas. Nenhum remédio, nenhuma vacina apareceu como eficaz. Existem cerca de cinquenta centros de pesquisa, os melhores do mundo, trabalhando dia e noite, e avançaram bastante, mas precisam de algo que não há como superar: TEMPO. Pelo menos um ano para o que chamam fase 1, muito mais para a fase 2, a partir da qual a vacina poderá ser adotada. Os mais avançados são o chinês CanSino, de Tianjin, e os americanos Moderna e Janssen — o governo americano destinou três bilhões de dólares para pesquisa e desenvolvimento da vacina.

A OMS está fazendo o ensaio clínico Solidarity, por um pool de instituições de pesquisa de dezenas de países, para estudar inicialmente quatro tratamentos com remédios já existentes, que podem atacar o vírus: cloroquina e hidroxicloroquina, usados contra malária; combinação de ritonavir com lopinavir, contra HIV; estes dois mais interferon-beta; e remdesivir, um antiviral.

O grande economista Raghuram Rajan, que foi presidente do Banco Central da Índia, fez uma frase que define nosso momento: “Esta crise não perdoa a incompetência.”

Nós, políticos, precisamos refletir sobre o fato de que nenhum dos sistemas e teorias políticas praticados na História foi capaz de fazer, pela Humanidade, o que fez a ciência. Nenhum político pode ser igualado a Fleming, que descobriu a penicilina e possibilitou o desenvolvimento dos antibióticos, que curam as infecções e aumentaram a perspectiva de vida do homem. O que não dizer de Sabin, que descobriu a vacina contra a paralisia infantil, de Pasteur, de Madame Curie, de Koch e de tantos e tantos outros!

A solução é a vacina. Até lá ficarmos em casa e lamentar não termos aprendido a fazer crochê