Nilson Montoril
Bar Cabloco, Bar Pacaembu e as festas do Pajé.
Criação do Território Federal do Amapá, cuja área jurisdicional correspondia à Capitania do Cabo do Norte, deu aos moradores da região onde hoje existe o Estado do Amapá, um novo alento. A cidade de Macapá, que até janeiro de 1944, tinha apenas 2.042 habitantes, viu esse contingente se elevar para 2.512, em fins do mesmo ano e alcançar 4.192 almas em janeiro de 1948. Muita gente migrou para Macapá em busca de emprego, principalmente operários necessários às obras públicas. As famílias que possuíam casa com vários quartos passaram a aceitar hóspedes e fornecer alimentação. Proliferaram as pensões, os bares, os botecos e as biroscas. Trabalhadores com ocupações diversas também desembarcaram em Macapá. O crescimento populacional motivou os produtores das ilhas do Pará a trazerem frutas, carne de caça, peixe, açaí e farinha para suprir a carência desses produtos na cidade. Embarcações freteiras saiam de Belém, abarrotadas de mercadorias destinadas ao comércio de Macapá que se expandia.
Na área pantanosa onde foram rasgadas as avenidas Joaquim Francisco de Mendonça Júnior e Coaracy Gentil Monteiro Nunes, nas esquinas delas com a Rua São José, despontaram dois bares bem frequentados pela turma da boemia, mulheres da vida fácil e pelas que não eram declaradamente prostitutas, mas alugavam suas perseguidas. Para melhor compreensão da topografia do espaço acima referido, substitua as vias públicas por rudimentares pontes de madeira que o povo chamava estivas. As mundanas às vezes eram rotuladas como raparigas, predominando, porém o termo puta. As duas palavras ainda hoje são usadas em Portugal, mas não têm sentido pejorativo. O primeiro reduto de mulheres prostitutas de Macapá correspondia às casas de madeira construídas na lateral da ponte que passava ao lado do Bar Caboclo. As inquilinas dessas moradias eram cadastradas na Unidade Mista de Saúde de Macapá, tinham direito a carteira de beneficiárias, eram submetidas a inspeções periódicas e tratadas quando contraiam doenças sexualmente transmissíveis. Assim, os boêmios solteiros da cidade e os casados puladores de cerca, recorriam aos préstimos das “primas” relativamente tranquilos. As mundanas mais conhecidas eram: Maria Vadoca, Maria Batelão, Balança-os-Cachos, Peia-Onça e Loura. Elas e outras menos atrativas freqüentavam tanto o Bar Caboclo como o Bar Pacaembu. Entretanto, somente o Pacaembu tinha festas dançantes. Nenhum dos dois mantinha quartos destinados a encontros amorosos. Os pederastas, popularmente identificados pelo povo como “falsos à pátria”, não se atreviam sequer a passar na frente dos referidos estabelecimentos comerciais. O Bar Caboclo não era tão espaçoso como o Bar Pacaembu. Comportava uma mesa de bilhar e poucas mesas. As paredes continham pinturas regionais feitas por um jovem talentoso que hoje é artista plástico renomado: Herivelto Maciel. Vendia bebidas diversas, sorvetes e outros produtos. Enveredando por aquele espaço, serpenteando até alcançar o chamado torrão da terra, atrás do Hospital Geral, passava o Igarapé-do-Igapó ou Bacaba, identificado simploriamente como Igarapé da Fortaleza. Dificilmente ocorriam desentendimentos sérios entre frequentadores dos citados bares. De um modo geral aconteciam arengas, que a turma do deixa disso cuidava de abafar. Nunca ouvi falar que algum valentão ou porre tenha sido jogado dentro d’água. Entre as mundanas, havia uma que não falava daí seu apelido ser “Muda”. Certa noite apareceu na zona do prostíbulo um canoeiro natural da Vigia, que havia passado dois meses no Oceano Atlântico, na costa do Amapá, pescando gurijuba. O caboclo estava atormentado pelo desejo da carne e não perdeu tempo em contratar os serviços da Muda. O cabra gostava de fufurufuncar no escuto e foi logo apagando a lâmpada. Quando a ferramenta do “pelhudo” entrou em funcionamento ouviu-se o grito apavorante da Muda: mamãe! Socorrida por suas companheiras, a Muda esconjurou o canoeiro e prometeu ser mais cautelosa na escolha dos fregueses. Dizem que algum tempo depois o dito caboclo reapareceu na casa das “primas” e arrastou as asas para o lado da Mariazinha, uma nova inquilina. Quando ele fez o convite a Mariazinha lhe disse: “fazer indecência contigo? Nunca, mais antes a dor de um parto”.
No lado esquerdo da ponte que se estendia pelo trecho da atual Avenida Padre Júlio Maria de Lombarde demorava a casa de um cidadão conhecido como Pajé. Sua residência ocupava o espaço onde foi construído o Arara Center. Nos finais de semana a sala da casa do Pajé virava pista de dança e a entrada era paga. O promotor dos embalos valorizava os ritmos merengue, bolero, brega e assegurava que o ambiente era estritamente familiar. Ele dizia que na sua festa dançava o feio, o bonito, o pobre e o rico, não sendo permitida a desfeita. Se alguém se queixasse que tinha sido rejeitado por alguma dama ou cavalheiro, o Pajé mandava o ou a deselegante “pra riba da ponte”, já que não havia rua no local. Uma vez ele pegou o microfone e disse: “As mulhé tão se queixando que tem macho maleducado se fazendo de gostoso na minha festa. Quero dizer que aqui eu não atolero esculhão de dama”.
O terreno da Panair do Brasil
Dia 5 de julho de 2018, enquanto aguardava o inicio da solenidade de inauguração do prédio do Centro de Educação Profissional de Música Walkiria Lima, meu pensamento voou para a década de 1940. Sentado em uma cadeira, no leito do trecho da Rua Major Eliezer Levy, entre as Avenidas FAB e Iracema Carvão Nunes, fui recordando a evolução da cidade de Macapá naquela área.
Quando a diminuta cidade ainda pertencia ao Estado do Pará e era a sede do município de Macapá, mas precisamente em 1940, aqui se instalou a Panair do Brasil S. A. uma importante empresa de aviação aérea. A pista por ela construída, para pouso e decolagem de seus aparelhos DC 3 tinha seu inicio no ponto onde foi aberta, em 1944, a Rua General Rondon, derivando em sentido diagonal, quase no formato da letra “L, para o espaço que hoje abriga o terreno do Esporte Clube Macapá,Câmara de Vereadores,Prefeitura Municipal de Macapá e centenas de outros imóveis”.
A largura do aeroporto equivalia à gleba rasgada pelas Avenidas Procópio Rola e Raimundo Álvares da Costa.O trecho inicial da Rodovia Macapá/Clevelândia, correspondente ao ‘km zero”,demorava na atual confluência da FAB com a Eliezer Levy. A extensão da pista, rumo oeste, findava em uma área alagada, próxima Rua Hildemar Maia. A Rua Tiradentes, que já foi identificada como Coronel José Serafim Gomes Coelho e Travessa Francisco Caldeira Castelo Branco, limitava o núcleo urbano de Macapá. A casa da Estação de Rádio/Farol da Panair do Brasil e a residência do gerente da empresa fora edificada, em madeira de lei, exatamente onde agora fica o prédio do Centro de Educação Profissional de Música Walkiria Lima.
A área ampla, contendo árvores frutíferas e um pequeno regato, por onde as água pluviais escoavam para a ressaca formada pelo Igarapé da Fortaleza. Algumas pequenas construções em alvenaria abrigavam instrumentos que mediam fenômenos atmosféricos. Um deles ficava no terreno que me foi concedido pelo General Ivanhoé Gonçalves Martins, governador do Território Federal do Amapá, entre abril de 1967 a novembro de 1972. Em abril de 1944, estando em curso a instalação da mencionada unidade administrativa, o Governador Janary Gentil Nunes reuniu com os lideres da comunidade negra de Macapá, que ocupavam a área em volta do velho Largo de São João e com eles negociou a desapropriação de suas propriedades. Ficou acertado, que os atingidos pela medida receberiam em cruzeiros, moeda da época, os valores certos e irrefutáveis dos seus bens.
A maioria do pessoal alvo da desapropriação tinha suas roças nos campos do laguinho, onde o governo deveria instalar um novo aglomerado populacional.O acordo foi firmado e o valor da indenização pago em moeda corrente. De imediato, duas ruas foram abertas: General Gurjão e Eliezer Levy. A primeira passou a delimitar a cabeceira da pista de aviação da Panair. A segunda começava na atual Av. Pará e estancava na cerca de arame farpado do aeroporto(Raimundo Álvares da Costa). A seqüência da via pública partiu do “km zero” no rumo do Cemitério Nossa Senhora da Conceição. Trechos assim eram chamados de pontilhão. Lembrei, então, que o palco e as cadeiras destinadas aos convidados governamentais estavam ocupando parte do “pontilhão” da Rua Major Eliezer Levy. Imaginei estar sozinho, numa área totalmente despovoada, que, progressivamente foi sendo modificada. Em 24 de maio de 1945, a empresa Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul substituiu a Panair do Brasil e incorporou ao seu patrimônio os bens da retirante. Por volta de meados da década de 1950, a cidade de Macapá tinha se expandido consideravelmente.
Nas avenidas General Gurjão, Mendonça Furtado, Presidente Vargas, Iracema Carvão Nunes e Procópio Rola surgiram casas para servidores públicos graduados, erguidas à conta de recursos orçamentários do governo federal e do IPASE. Um pouco além do ponto onde eu me encontrava, já existiam o Hospital Geral de Macapá, a Maternidade, o Dispensário dos Tuberculosos e a Unidade de Nutrição e Materno-Infantil. O mais interessante é que resido na área que pertenceu à Panair e à Cruzeiro do Sul. Curioso é que muita gente não quis morar ali.
Tuna
Tuna é o nome do agrupamento musical surgido na Espanha no inicio do século XIX, que utiliza instrumentos diversos. Originalmente, era um mero conjunto instrumental de natureza popular. Posteriormente ganhou espaço nos estabelecimentos educacionais e passou a ser identificada como Tuna Estudantina, com uso marcante do canto.
Ao despontar no cenário musical espanhol, a tuna estava focada no ideário romântico dos antigos sopistas e pícaros. Os primeiros músicos eram estudantes pobres, que recorreram as suas habilidades musicais para obter os recursos necessários ao custeio das mensalidades nas escolas. Maltrapilhos, eles saiam tocando pelas ruas à cata de dinheiro. Enfrentava a indiferença de muitas pessoas, que os rotulavam como vagabundos e vadios.
Persistentes, os jovens estudantes executavam composições populares, românticas e folclóricas próprias das regiões que visitavam. Não é bem aceita a afirmativa, de que os integrantes das tunas seguiam os passos dos sopistas, menestréis, trovadores, jograis e afins. Os grupos foram se aperfeiçoando incluindo musicas eruditas em seus repertórios, notadamente os membros das Tunas Estudantina e Compostelanas.
As Tunas Universitárias envergavam os trajes acadêmicos das instituições onde estudavam, dando-lhes um visual mais rico e bonito. Ainda hoje, as faculdades possuem seus grupos de músicos, rotulados conforme a natureza do curso que eles frequentam: Tuna Universitária de Direito, Tuna Universitária de Medicina, Tuna Universitária de Farmácia, etc. As classes patronais também possuem grupos musicais.
No ano de 1870, a Tuna de Santiago de Compostela excursionou a Portugal, para se apresentar na Universidade de Coimbra. Fez tanto sucesso, motivando a fundação da Estudantina de Coimbra. Em 1886, foi à vez da Tuna da Universidade de Salamanca ir á capital portuguesa, influenciando os lusitanos para a criação da Estudantina Portuense. Isentas de formalidades, inúmeros grupos musicais foram despontando, dando origem a um período de pujança das tunas.
Em Portugal, o nome tuna foi incorporado ao idioma do país. Consta que a palavra tuna provém de “thune”, designativo de um albergue para mendigos, em Madrid. Isto teria levado o povo a considerar os músicos das tunas como vagabundos e malandros.
Os instrumentos musicais utilizados em uma tuna são: guitarras clássicas, cavaquinhos, bandolins, bandola, baixo acústico ou contrabaixo, pandereta, acordeão, bombo, flauta, violino e viola. Em síntese, Tuna é o grupo de estudantes que vagueia por diversos lugares, dando concertos musicais. No esporte paraense é sobejamente conhecido um clube denominado Tuna Luso Brasileira.
O aparecimento desta agremiação tem tudo a ver com um grupo constituído por jovens portugueses, que trabalhavam no comércio de Belém e decidiram formar um grupo musical para homenagear os tripulantes do Cruzador D. Carlos, da Marinha de Portugal, que aportou no cais da capital paraense no dia 13 de novembro de 1902.
Os jovens se apresentaram aos visitantes no salão do Café Apolo, levando o Senhor Antônio Augusto Lobo, a propor a fundação de um conjunto musical, para apresentar-se em festas carnavalescas e beneficentes. Á época, D. Carlos era o Rei de Portugal, razão pela qual, no dia 12 de dezembro de 1902, o grupo recebeu a denominação de “Real Tuna Luso Caixeiral”. Data de 1º de janeiro de 1903, o registro oficial da nova entidade artística. A trajetória esportiva da Tuna só começou em 1906. Porém, após a proclamação da República, em Portugal, ocorrida no dia 5 de outubro de 1910, a palavra Real foi eliminada. Em 1926. O clube adotou o nome de Tuna Luso Comercial. A 12 de junho de 1967, registrou-se como Tuna Luso Brasileira.
Uma filha de Cabralzinho na cidade de Amapá
No inicio do mês de julho de 1950, o Governador Janary Gentil Nunes formulou convite a Sra. Altamira Cândida da Veiga Cabral Cacela para que ela viesse conhecer Macapá, capital do Território Federal do Amapá e a cidade de Amapá, onde seu pai, Francisco Cabral da Veiga Cabral, o Cabralzinho, liderou a reação dos brasileiros contra as pretensões dos franceses. Altamira Veiga Cabral era a terceira filha do casal Francisco Xavier da Veiga Cabral e Altamira Waldomira Vinagre da Veiga Cabral. Seu avô Pedro Augusto de Oliveira Vinagre descendia do tenente da Guarda Nacional, Francisco Pedro Vinagre, o 2º Presidente Cabano do Pará. Altamira Cândida já estava viúva do jurista e homem público do Pará, depurado estadual na década de 1920 e ex-prefeito de Belém na década de 1930, Dr. Alcindo Comba do Amaral Cacela. Dentre as filhas de Cabralzinho foi a que conviveu por mais tempo com o herói do Amapá. Sabia detalhes históricos da refrega entre brasileiros e franceses que o próprio pai lhe contou. Muitos destes detalhes foram repassados aos estudantes de Belém que a procuravam frequentemente. Desta feita ela iria conhecer a antiga vila do Espírito Santo do Rio Amapá Pequeno, local onde seu pai, a 15.05.1895 se notabilizou impedindo que os franceses consolidassem a ambição de dominar a região entre a margem esquerda do rio Araguary e a margem direita do rio Oiapoque. A ilustre visitante chegou a Macapá no dia 19 de julho de 1950, viajando em avião do Correio Aéreo Nacional-CAN, sendo festivamente recepcionada pelas autoridades, estudantes e populares.
Às 17 horas, a Sra. Alcindo Cacela, participou de uma solenidade realizada no Cine-Teatro Territorial, entregando ao governador Janary Nunes a farda de General Honorário do Exército Brasileiro, que Cabralzinho usava nas solenidades cívicas, espada, cinto e insígnias. Também passou ao governador uma bandeira brasileira e uma francesa, ambas rasgadas, bandeira do Estado do Pará e do Triunvirato do Território Amapaense. Compareceu à solenidade o senhor Bernardo Batista da Silva, então com 63 anos de idade, mas que, segundo Otávio Meira, autor de “Fronteira Sangrentas”, tinha 8 anos em 1895. Ele era natural da vila de Amapá e recebeu grave ferimento no punho esquerdo devido a um tiro desferido pelos invasores. Bernardo Batista da Silva faleceu em Macapá no dia 7 de dezembro de 1979, com 99 anos. Até o dia 21 de julho a senhora Altamira da Veiga Cabral ficou em Macapá como hóspede do governo territorial, alojada no Macapá Hotel. Dia 21, pela manhã, a ilustre visitante tomou o avião do CAN, que fazia a linha Rio de Janeiro-Caiena e seguiu para o Município de Amapá, desembarcando na pista da Base Aérea. Na cidade de Amapá ela foi saudada pelo Dr. José da Silva Castanheira, Juiz de Direito da Comarca local e pelo Prefeito Vitorino Luna. Algumas pessoas que participaram do ato de reação contra os franceses mantiveram demorada conversa com dona Altamira. No dia 22 de julho, aproveitando a escala que o avião do CAN fez em Amapá, com destino a capital da Guiana Francesa, com nova parada em Oiapoque, a filha de Cabralzinho seguiu para a cidade fronteiriça onde recebeu homenagens das autoridades e do povo. Ali conheceu outro cidadão que lutou ao lado de seu pai: Guilherme da Luz. Em 1950, Guilherme da Luz contava 79 anos de vida e deve ter nascido em 1877. Faleceu em Oiapoque com 97 anos. Quando o avião retornou de Caiene e pousou em Oiapoque, dona Altamira Cândida da Veiga Cabral Cacela nele embarcou e voltou para Belém.
Os objetos que a senhora Altamira entregou ao governo do Amapá foram repassados ao Museu Territorial instalado no interior da Fortaleza de São José. A bandeira do Triunvirato correspondia a um retângulo dividido em três faixas horizontais de igual dimensão, nas cores vermelho branco e vermelho. A bandeira francesa é butim de guerra e foi tomada do soldado Etyenne depois que Cabralzinho o feriu com um tiro no rosto.
O uniforme de General Honorário foi vestido em um manequim cujo rosto tinha as feições de Cabralzinho. Nele estavam colocadas as insígnias do herói. A espada de Cabralzinho também estava colocada no manequim. A farda que Cabralzinho usava nas solenidades cívicas lhe foi concedida pelo Exército Brasileiro no Rio de Janeiro, dia 11 de junho de 1896.
Proibição do uso de baladeira
Embora o governo do Território Federal do Amapá desenvolvesse diversos programas sociais para manter as crianças e os adolescentes ocupados com atividades produtivas, alguns menores rebeldes preferiam permanecer perambulando pelas ruas e pontos periféricos de Macapá, balando passarinhos e frutas com baladeiras. A despeito de ser considerada pelos macapaenses como um brinquedo de criança, a baladeira ou atiradeira pode causar sérios danos às pessoas e animais, além de provocar prejuízos nos telhados e janelas de vidro.
O tal brinquedo corresponde a um artefato compreendendo uma forquilha de madeira, munida de duas tiras de câmara de ar e uma rede de couro, com o que se atiram pedras. Em outras partes do Brasil prevalecem outras denominações como baleeira, beca, bodoque, badoque, badogue, estilingue, funda, peteca e seta. No Norte e no Nordeste do Brasil os meninos de rua eram rotulados como moleques e não respeitavam.
Em Macapá, o uso da baladeira era tão intenso, que volta e meia os pais dos usuários do artefato eram intimados pelas autoridades policiais para comparecerem à Divisão de Segurança e Guarda a fim de resgatarem seus filhos. A reprimenda que os genitores recebiam era terrível, merecendo mesmo ser chamada de esculhambação. Houve casos em que os moleques praticavam pequenos furtos, principalmente de animais domésticos e ainda balavam nos donos das galinhas e patos. Eles também quebravam as lâmpadas dos postes da rede elétrica e de residências. Os acertos de contas entre moleques desafetos eram frequentes. Ao balarem nas mangas pituriscas, acabavam atingindo telhados das casas quando não acertavam o alvo. Como não podiam agir livremente no centro de Macapá, os moleques baladores freqüentavam a praia, na maré baixa, tentando matar maçaricos, socós, mergulhões, gaivotas e tralhotos. Também eram vistos ao longo da pista de pouso do aeroporto da Panair do Brasil que ocupava uma extensa área onde seriam abertas as avenidas FAB, Procópio Rola e Raimundo Álvares da Costa e as ruas General Rondon, Eliezer Levy, Odilardo Silva, Jovino Dinoá, Leopoldo Machado, Hamilton Silva, Manoel Eudóxio Pereira e Professor José Barroso Tostes. Ali eram abatiam rolinhas, rolões, galegas, galo-da-campina, papa arroz e outros passarinhos. Entre os passarinhos havia um chamado João Tolo, mais esperto do que o cão. Ele se metia entre as moitas de capim e pulava quando cantava. Nunca ouvi dizer que alguém tenha conseguido matá-lo com baladeira.
Em 1953, a situação era tão preocupante, que o tenente Luiz Ribeiro de Almeida, advogado que se encontrava ocupando o cargo em comissão de Diretor da Divisão de Segurança e Guarda-DSG, baixou uma ordem de serviço nos seguintes termos: “Ordem de Serviço nº. 19. O Diretor E Comandante da Divisão de Segurança e Guarda pela presente Ordem de Serviço: Considerando a nocividade e a periculosidade decorrente do uso abusivo da baladeira, também conhecida por bodoque, tiradeira, etc., para a integridade cívica da coletividade, além dos danos materiais que vem causando; Considerando, que nos últimos tempos, a cidade vem sendo infestada por tão nocivo instrumento utilizado especialmente por menores desocupados ou mal orientados; Considerando, ainda,que inúmeros casos vêm se registrando nesta Divisão, com queixas constantes sobre acidentes, alguns mesmo de caráter grave e de conseqüências lamentáveis; RECOMENDO: a) Todo menor que for encontrado utilizando baladeiras, bodoques, tiradeiras ou coisa semelhante, deve ser conduzido a esta Divisão, notificando-se em seguida os pais ou tutores para, tomando conhecimento do caso, proibirem aqueles de tal prática sob pena de responsabilidade perante a Lei; b) O nocivo instrumento deverá ser apreendido e inutilizado; c) Em caso de reincidência, esta chefia determinará o encaminhamento do menor e respectivo responsável ao Exmo Sr. Dr. Juiz de Menores para os fins de direito. Dê-se Ciência e Cumpra-se. Macapá, 10 de novembro de 1953. a) Luiz Ribeiro de Almeida – Tenente Diretor da D.S.G.” A ação dos soldados da Divisão de Segurança e Guarda redundou na detenção de alguns menores delinqüentes sobejamente conhecidos das autoridades policiais e do próprio Juizado de Menores.Como não havia local apropriado para mantê-los sob processo socioeducativo, o Governador Janary Nunes autorizou o Dr. Marcílio Felgueiras Viana, Diretor da Divisão de Educação, a manter contato com o governador do Pará, no sentido de obter vagas para interná-los no Reformatório Educacional de Menores, na Ilha de Cotijuba. Firmado o convênio, os moleques arruaceiros, brigões e surrupiadores do bem alheio sumiram das ruas de Macapá. Daí em diante, bastava alguém ver um menor praticando desatinos para dizer: “ta doido pra ir pra Ilha de Cotijuba”.
Matemático tucujú
Em 9/5/1795, o macapaense Mateus Valente do Couto bacharelava–se em Matemática na Universidade de Coimbra. Fora a Portugal, escolhido pelo governo Luso, para iniciar o curso de Medicina, embora demonstrasse fortes inclinações pela ciência das grandezas e formas. Iniciou o curso primário em Macapá, completando – o em Belém, onde fez o curso secundário com louvor, conquistando o apreço de seus mestres e gestores públicos. Não se podia admitir que um jovem inteligente e promissor, de apenas 19 anos de idade permanecesse na Amazônia, desperdiçando tanta potencialidade. Instigado pelo mestre Diogo Inácio de Pina de Manique, Intendente de Policia do Reino a cursar Matemática, Mateus Valente do Couto aceitou o financiamento do referido curso, mas não largou a medicina.
Ao bacharelar-se em Matemática, o ilustre macapaense recebeu como prêmio à sua competência, em 1800, a nomeação para integrar o corpo de magistério das Academias Reais de Marinha e Guardas-Marinha de Portugal, sendo promovido ao posto 1º tenente. Antes da nomeação, atuou como ajudante e partidor do Real Observatório Naval, instituição onde freqüentou o curso de Arquitetura Naval e Desenho e que dirigiu anos mais tarde. Na época, um seleto grupo de brasileiros participava e mesmo orientava a obra de reforma espiritual vigente em Portugal. Em 1806 foi nomeado 2º Tenente da Marinha de Guerra de Portugal. Quando em 1807 as tropas Imperador Napoleão Bonaparte invadiram Portugal, Mateus Valente do Couto tinha o posto de capitão, sendo um dos suportes para resistir ás ações dos franceses. Desde 1803 era integrante do Corpo de Engenheiros Militares, catedrático na Academia da Marinha, Diretor Interino e Titular do Real Observatório Naval e regente da cadeira de Astronomia Teórica de Navegação.
Em 1820, assistiu o retorno da família real a Portugal. Foi Deputado, Conselheiro de Estado, Sargento-mor do Corpo de Engenheiros e depois Coronel, posto no qual foi aposentado. Permaneceu como Diretor do Real Observatório Naval até morrer, a 3/12/1848, aos 78 anos de idade.Também era membro de diversas sociedades cientificas portuguesa e estrangeiras.Publicou várias obras, entre elas mencionamos: Instruções e Regras Práticas Derivadas da Teoria da Construção, Arqueamento, Carregação e Manobras do Navio; Tratado de Trigonometria; Princípios de Óptica, Astronomia Esférica e Náutica; Breve Exposição do Sistema Métrico e Decimal e Matemática Superior.Nosso ilustre conterrâneo descendia, pelo lado materno, dos bravos lusitanos que viviam na fortaleza de Mazagão, no Marrocos.
A carreira profissional de Mateus Valente do Couto foi esplendorosa em terras lusitanas. Com irrefutável mérito foi eleito para a Real Academia de Ciências e nomeado Conselheiro de Estado, atingindo o posto de Sargento–mor do corpo de Engenheiros do Reino e condecorado com o hábito militar. Em 1820, foi eleito para, na condição de deputado da Amazônia, reapresenta-la, entre outros nascidos na região, no Segundo Parlamento que se reunia em Lisboa. Os estudos de matemática que ele desenvolveu, foram publicados em vários ensaios e obras de maior tomo sobre Matemática Superior, que renovaram o estudo desta ciência em Portugal. Quando o Brasil tornou-se independente, os gestores públicos do Pará freqüentemente recorriam aos préstimos de Valente do Couto, que era considerado como legitimo representante amazônida nas terras de além mar.Mateus Valente do Couto nasceu em Macapá, no dia 19/12/1770, filho de Antônio Diniz do Couto Valente e de Margarida Josefa da Fonseca. Seu pai, capitão de artilharia e Inspetor da construção da Fortaleza de São José, faleceu quando o garoto tinha quatro anos de idade. O tio, Luiz da Fonseca Zuzarte, amparou a família e cuidou da educação do sobrinho. A ida de Mateus para Portugal decorreu de uma escolha empreendida pelo Capitão-de–Fragata, Francisco de Souza Coutinho, realizada entre estudantes mais aplicados.
A seleção dos dois eficientes alunos concluintes do curso secundário fora determinada pelo governo português, como forma de preparo médicos para a Amazônia. No momento em que a cidade de Macapá completa mais um ano de sua elevação à categoria de vila, lembramos a epopéia deste ilustre macapaense, que a despeito de inúmeros contratempos, não se deixou abater pelas vicissitudes da vida, tornando-se um exemplo para a posteridade.
Seu Manuel, o popular “Pau Furado”
Moreno, corpo esguio e rosto marcado pelo sofrimento, assim era o seu Manuel, um deficiente físico que vivia da caridade pública na cidade de Macapá. Morava em um prédio que fora construído pelo governo do Território Federal do Amapá para abrigar o “Restaurante dos Operários” e servir de abrigo aos que vieram de outras plagas para trabalhar na construção de diversos prédios públicos e que viviam em alojamentos precariamente edificados. Os trabalhadores permaneciam naquele local pelo tempo necessário para construírem suas casas em lotes que a Divisão de Terras e Localização distribuía.
O restaurante acabou sendo rotulado de Barracão dos Imigrantes, ficava na esquina da Rua São José com a Avenida Professora Cora Rola de Carvalho. Pelo centro dessa segunda via pública passava a tubulação do primeiro sistema de esgoto de Macapá. A área era tão alagada que houve foi preciso construir-se pequenos pilares para manter os tubos fora do lamaçal. No inicio seu Manuel usava apenas uma grossa bengala para sustentar a mudança de passo da perna esquerda. Depois se fez imprescindível trocar a bengala por uma muleta relativamente desgastada para poder se deslocar, haja vista que a atrofia da perna esquerda se agravara. Quase não falava e a dentição lhe era escassa.
A despeito de ser deficiente físico, seu Manuel caminhava bastante. Seu ponto preferido para sentar-se e ver o tempo passar era a calçada da residência da senhora Sofia Mendes Coutinho, situada no canto da Avenida General Gurjão com a Rua São José. Ali ficava horas a fio observando tudo que se passava no centro histórico de Macapá. À tarde, quando a maré enchia por volta das 16 horas, seu Manuel deixava a calçada e rumava para o trapiche major Eliezer Levy. Com muito aprumo caminhava sobre a longa ponte até alcançar o ancoradouro frontal. Á época existia na cabeça do trapiche um abrigo coberto destinado a passageiros e cargas miúdas. Era o local onde seu Manuel ficava fitando as águas do Rio Amazonas e acompanhando a chegadas dos reboques a vela provenientes da região das ilhas do Pará, que traziam açaí, frutas e peixe. Tudo era vendido rapidamente aos costumeiros fregueses, principalmente às mulheres amassadeiras do nosso rico e gostoso “petróleo”.
À conta da caridade dos caboclos seu Manuel sempre voltava para o barraco com alguns peixinhos frescos, suficientes para o preparo de um reanimante caldinho. Ele também podia ser encontrado sentado na calçada da Igreja de São José proseando com o amigo Ponciano ou sobre a panela da rede de esgoto da Avenida Cora de Carvalho. Todo mundo se admirava de o ver escalando aquele objeto alto sem pedir a ajuda de terceiros. As crianças que tão bem conheciam seu Manuel não lhe faltavam com o respeito. Algumas evitavam passar perto daquele cidadão desvalido porque os próprios pais diziam que iriam chamar o “Pau Furado” caso os filhos não se comportassem direito. A mesma coisa falavam em relação ao senhor Benedito Lino do Carmo, o Congó. A molecada da Matriz até que tentava tirar um dedo de prosa com seu Manoel, mas ele falava meio embrulhado e somente as pessoas pacientes conseguiam entendê-lo. Se naquele tempo, os políticos distribuíssem dentaduras, a pronúncia do “Pau Furado” seria melhor. Nunca consegui saber de que localidade veio seu Manoel. Algumas pessoas diziam que ele era proveniente da ilha do Marajó e teria contraído paralisia infantil. A origem do seu apelido e o complemento do nome de batismo jamais foram descobertas. Seu Manuel detestava ser apelidado.
No tempo de manga ele fazia a festa. Primeiramente amassava bem a fruta. Depois, chupava a poupa, devorava a casca e fazia um malabarismo tremendo com o caroço dentro da boca. Ao ser jogado fora, o caroço estava branquinho da silva. Seu Manuel residiu no Barraco dos Operários até morrer, no final da década de 1960. O propósito do Governador Ivanhoé Gonçalves Martins em melhorar o aspecto urbano de Macapá mudou completamente o habitat do Pau Furado. O prédio que o abrigava encontrava-se praticamente desativado e não servia mais refeições. Os alimentos necessários a subsistência de seu Manuel continuavam a ser dados por pessoas caridosas, entre elas a Alice Gorda que na época gerenciava um hotel. Foi a Alice Gorda, nossa eterna Rainha Moma, quem providenciou o sepultamento daquele homem que tanto sofreum até desencarnar do verbo.
Felipe Patroni, mente em ebulição
O paraense Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, natural de Acará, onde nasceu em 1798, deixou seu recanto natal em 1816, para residir em Belém, embora tivesse em mente obter uma oportunidade para ir estudar Direito em Portugal. Era filho do alferes Manoel Joaquim da Silva Martins e afilhado do capitão de fragata Felipe Alberto Patroni, do qual herdou o nome. No mesmo ano em que se estabeleceu na capital do Pará, Felipe Patroni embarcou para Lisboa, seguindo depois para Coimbra, matriculando-se em sua famosa universidade. Aderiu às ideias iluministas e passou a embalar o sonho de dar novos rumos à política Vicente na Província do Pará. Aportou em Belém em janeiro de 1822, levando em sua bagagem uma impressora comprada na Imprensa Nacional de Lisboa, contando com a sociedade do tenente coronel Simões Cunha e tenente de milícia José Batista Camecram. Instalou a impressora na via que hoje tem o nome de Tomázia Perdigão.
No dia 1º/4/1822 Felipe Patroni fundou “O Paraense”, o primeiro jornal da Amazônia. A edição inicial circulou no dia 22/5, defendendo uma Constituição paraense. Também defendia a Independência do Brasil e a liberdade de imprensa. Antes deste feito, quando ainda residia em Lisboa, teve a primazia de ser o primeiro a falar na Assembleia Constituinte Portuguesa, no dia 22.11.1822, na Sala das Cortes, na presença do rei D. João VI. Proferia contundente discurso sem poder concluí-lo devido à interferência dos bajuladores do monarca. Rogava a D. João a adoção de um plano de eleições, contendo normas para escolher a nova Junta Governativa do Pará.
O jornal português “Indagador Constitucional” publicou o seguinte texto: “Um deputado deverá corresponder a cada 30 mil almas, entrando neste número os escravos, os quais mais que ninguém devem ter quem se compadeça deles, proporcionando-lhes um sorte mais feliz até que um dia se lhe restituam seus direitos”. Fez isso na condição de delegado da Junta Provisória do Pará. O jornal “O Paraense” contou com a circulação de 70 edições, mas silenciou a partir de fevereiro de 1823. O Brasil era independente, mas a Província do Pará não a aderiu, mantendo seus laços com Portugal. O jornal fundado por Felipe Patroni infernizou a vida dos governantes do Pará. Num determinado momento, as críticas veiculadas pelo jornal abalaram a estrutura governamental. Seus titulares recorreram ao tenente coronel Simões Cunha, sócio de Felipe Patroni, para fazer sumir os tipos de metal utilizados na impressão do jornal. Simões Cunha se prestou a atender a solicitação dos governantes, garantindo o encerramento das atividades do periódico. Para surpresa geral. O Paraense voltou a ser impresso, acentuando o grau de suas críticas. Previdente, Felipe Patroni tinha outros tipos bem guardados, pois sabia que não poderia confiar demais em seus sócios. Eles acabaram retirando-se da sociedade em troca de promoções de patente e outras vantagens pessoais. Outras tentativas para calar o jornal ocorreram. Nem a prisão de Felipe Patroni fez o jornal parar de circular. Com sua ausência, o cônego Batista Campos assumiu a direção do órgão e foi perseguido por isso.
Em fevereiro de 1823, Felipe Patroni foi preso no Forte do Castelo e neste local deveria permanecer até julgamento. Porém, acabou sendo mandado para Portugal que, pelo menos para os governantes da Província do Pará, mantinha jurisdição em seu território. Livre da prisão, retornou para Brasil e passou a residir no Rio de Janeiro, sede do governo imperial do Brasil. Sua mente já estava mais tranquila, fato que lhe permitiu instalar um escritório de advocacia. Casou com a prima Maria Ana, em 1929, indo exercer o cargo de juiz de fora de Niterói. Em 1842, alimentando pretensões políticas, retornou para Belém e conseguiu eleger-se deputado na Assembleia Nacional. Teve notável atuação na legislatura de 1842 a 1845, representando o Pará, mas não obteve novo mandato. Em 1851 vendeu seus bens e escravos para residir em Lisboa, onde faleceu no dia 15/7/1866, com 68 anos de idade. A cidade de Belém lhe prestou uma justíssima homenagem, declarando-o patrono da praça localizada na Cidade Velha à margem da avenida 16 de novembro.
Torre da Vigia do Rio Curiaú
Em 1740, o Governador do Maranhão e Grão Pará, Capitão General João de Abreu Castelo Branco, deferiu uma proposta do Capitão Antônio Gonçalves para que construísse as suas expensas, uma fortificação na foz do Rio Curiaú, querendo apenas ser o seu comandante e superintendente dos serviços de fortificação do Grão Pará, com posto vitalício. Como o deferimento implicava em despesas para a Coroa Portuguesa, o governador submeteu a questão à apreciação do Rei D. João V. Através da Carta Régia de 9 de março de 1740,o monarca não acatou a proposta e alegou que a Coroa não poderia correr o risco de ver repetir-se o erro de Francisco de Melo Falcão,que no século XVII se obrigara a construir quatro fortalezas no interior da colônia, executando as obras com imperfeições, utilizando material de má qualidade e sem bom acabamento.
Em Macapá já existia um reduto fortificado erguido em 1738, que se manteve operando regularmente. A obra sonhada pelo Capitão Antônio Gonçalves foi construída em 1761, na foz do rio Curiaú, sobre um estrado de madeira, com a finalidade de fiscalizar um extenso trecho do rio Amazonas, que não era avistado do reduto fortificado da Vila de Macapá. Qualquer aventureiro, que navegasse no sentido da nascente do grande caudal, o faria protegido pela mata e só seria notado quando sua embarcação alcançasse a enseada próxima a Macapá. Em 1761, ainda não havia sido edificada a Fortaleza de São José e a área sobre a qual ela está assentada era ocupada por um Forte de Faxina, construído em três meses, entre o final de abril e o dia 31 de julho de 1761, pelo engenheiro Gaspar João Geraldo Gronfelds, época em que o Grão Pará era governado pelo Capitão General Manuel Bernardo de Melo e Castro.
A função primordial da Torre de Vigia do Curiaú consistia em avisar a guarnição de Macapá sobre a aproximação de qualquer embarcação pela margem esquerda do Amazonas. O aviso seria dado pelo disparo de um tiro de canhão, como acontecia em outras vilas e cidades do Brasil. A prática durou até o final do ano de 1761, por ser julgada alarmista. Ao ouvir o som do disparo, o aventureiro retrocedia e não podiam ser perseguidos, haja vista que, na Vigia do Curiaú não havia barco artilhado.
Os canhões foram retirados e transportados para o Forte de Faxina. Outros procedimentos foram adotados. Durante o dia, uma bandeira seria hasteada. À noite, os soldados da Torre de Vigia soltariam foguetes. Sempre que a guarnição da Torre de Vigia desse um sinal, durante o dia ou à noite, um mensageiro saia à cavalo com destino a Macapá e outro cobria o percurso fluvial na canoa. O contato terrestre entre o Forte de Faxina e a Torre de Vigia do Curiaú era feito através de uma estrada vicinal,por onde,freqüentemente cavalgavam soldados que procediam incursões no arredor norte da Vila de Macapá. Os militares também caçavam escravos fugidos. O percurso por terra se estendia até o local onde despontou a fazenda de criação de gado do Alferes Manuel Antônio de Miranda, hoje identificada como Curiaú de Dentro. Curiaú é um vocábulo indígena, que significa o “comedouro dos curiás”, uma espécie de patos pequenos.
O vocábulo curuá também designa um pato com as mesmas características. Para completar o circuito, os soldados utilizavam um batelão, manejando remos e varejões. A Vigia compreendia uma casa para o corpo da guarda e uma guarita, edificada em cima de um banco de areia, numa distância de 70 braças, equivalente a 150 metros da margem. A ligação entre os dois pontos era favorecida por uma ponte de madeira. Da vigia observava-se longo trecho do Rio Amazonas, que não se vislumbrava do Forte de Faxina, em Macapá.
O comando da Vigia estava entregue a um cabo de esquadra, que tinha sob ordens alguns soldados. As instruções para emissão de avisos à Macapá foram baixadas pelo Coronel Nuno da Cunha Ataíde Verona, comandante da Praça de Macapá, a 26/10/1762. A resposta do aviso ocorreria, de dia, com o hasteamento de uma bandeira e à noite, com um tiro de canhão. Tanto a casa da guarnição, quanto a guarita das sentinelas, ficavam sobre palafitas, com altura suficiente que impedisse serem atingidas pela maré. A Vigia foi mantida em operação até 1908, quando o governo brasileiro resolveu desativar a Fortaleza de São José.Esse relato deixa bem claro o quanto é fantasiosa a propagação de que o Curiaú abrigou um quilombo.
Submarinos alemães afundados na costa do Amapá
Kaiserliche Marine da Alemanha utilizou 1.168 submarinos na II Guerra Mundial. Cerca de 150 atuaram no litoral brasileiro e afundaram 33 navios mercantes que transportavam matérias primas para os Estados Unidos da América. Os alemães identificavam estas poderosas armas como “Unterseeboat”, que literalmente quer dizer “pequeno barco de baixo-de-água”. De forma simplifica, usavam a letra U e um número para identificá-los. Singrando as águas atlânticas, entre os Estados Unidos e o Golfo do México, os U-boats tinham o propósito de afundar navios de carga que transportavam suprimentos e material bélico dos Estados Unidos e Canadá para a Europa. Ao entrarem na guerra, os Estados Unidos fizeram uso de radar, sonar, carga de profundidade, decodificação de códices, escolta aérea e formação de comboios, diminuindo a eficácia alemã.
Em meados de 1941, começou a ser instalada a “Cintura do Atlântico”, que correspondia ao trecho de 1.700 milhas entre Natal e Dacar. O Brasil autorizou os USA a instalar bases aéreas nas cidades de Amapá, Belém, Natal e Recife e liberou-lhes os portos de Recife e Salvador. Ainda em meados de 1941, chegava a Natal a “Task-Force 3” dos Estados Unidos. Em represália, os alemães atacaram navios brasileiros na costa americana e no Caribe. Foram a pique os navios Cabedelo, Buarque, Olinda, Arabutan, Cairu e Parnaíba. Em águas brasileiras, o submarino italiano “Bergarigo” torpedeou sem sucesso o navio Comandante Lira.Barcos corsários camuflados de navios mercantes supriam as necessidades dos submarinos alemães. Havia U boats que só faziam o abastecimento dos outros e eram chamados de “milchkuh” ou vaca leiteira. A Força do Atlântico Sul, criada pelos americanos estava sediada em Recife. A ação contra os U-boats destruiu nove unidades alemãs, duas delas na costa do Amapá: U-590 e U-662.O U-Boat-590, comandado pelo capitão OBLT Werner Kruer vinha sendo caçado porque afundara o navio Pelotas Lóyde. Navegava na superfície ao largo da costa do Amapá, em alto mar, dia 9/7/1943, quando o avião Catalina PBY-3, do Esquadrão PV-94 sediado em Belém, que patrulhava a região norte o avistou a 200 milhas do litoral amapaense. Ao perceber a aproximação do avião o submarino emergiu e desapareceu por cerca de uma hora. Logo depois retornou á superfície, ocasião em que o catalina mergulhou sobre ele e lançou suas bombas, atingindo-o em cheio. O U-590 foi ao fundo no ponto demarcado por 3º e 22’ de Latitude Sul e 48º, 38’ de Longitude Oeste. Restaram na superfície do oceano 5 homens e vários destroços.
A tripulação do Catalina jogou ao mar várias balsas, mas apenas 2 alemães conseguiram alcançá-las. Horas mais tarde eles foram recolhidos por um navio e levados para os Estados Unidos e submetidos a interrogatórios.O U-Boat-662 navegava ao largo da costa do Amapá, no dia 21/7/1943, comandado pelo capitão OBLT Heinz-Eberhard Muller, a espreita do comboio T3-2, que seguia com destino aos Estados Unidos. Ele já havia afundado três navios. O Catalina 94-P-4, que dava cobertura aos navios brasileiros avistaram o submarino a 4 milhas de distância e se posicionou para o ataque.
O submarino imediatamente acionou a artilharia antiaérea, conseguindo ferir o radiotelegrafista do avião. O aparelho iniciou um pique raso, já atingido pelo fogo inimigo. Mesmo com problemas no estabilizador vertical e na cantoneira exterior do casco da estação radiotelegráfica, o Catalina conseguiu despejar suas bombas sobre o submarino, atingindo em cheio o casco a bombordo, da torre de comando à frente da proa. Esta se elevou sob espessa cortina de fumaça e o submarino afundou sob mancha de óleo. Pouco tempo depois, quatro tripulantes, entre eles o capitão foram vistos na superfície do oceano.
O Catalina lançou balsas, para onde nadaram os sobreviventes que foram resgatados pelo navio USS – S Siren e levados para os Estados Unidos. Bastante danificado o catalina 94-P-4 retornou a Belém com problemas hidráulicos e de comunicação pelo rádio. O submarino foi a pique na posição Latitude 3º 56’ Sul e Longitude 48º 46’ Oeste.