Nilson Montoril
Boto não vira gente
Essa conversa de que o boto vira gente, para seduzir mulheres que vivem nas margens de rios e igarapés, surgiu quando algumas jovens solteiras engravidavam e seus familiares cuidavam de proteger sua honra.
Em tempos mais recuados, quando uma mulher solteira engravidava dava um rolo danado. Com medo das ameaças do sujeito que lhe aplicara o “benefício”, não revelava sua identidade. Para todos os efeitos, o “beneficiador” tinha sido o boto vermelho.
Mas não eram apenas as solteiras que ficavam prenhes “misteriosamente”. Algumas mulheres casadas, amigadas ou amancebadas, cujos maridos passavam longo tempo fora de casa, perambulando pela floresta, riscando seringueira ou colhendo produtos extrativos, envolviam-se com outro homem e lançavam a culpa no pobre do boto.
Certamente, devido ao fato do boto ter pênis e ficar irrequieto quando uma mulher menstruada navega em pequena canoa, acompanhando-a o tempo todo, os índios e os caboclos inventaram a lenda de que o pobre mamífero da ordem dos cetáceos se transformava em homem para deflorar as virgens amazônidas que frequentavam festas dançantes de devoção ou de aniversário.
Como o “embarrigamento” de donzelas era relativamente acentuado, muitas famílias se apressavam em dizer que a “barriguda” tinha sido seduzida pelo boto. A lenda corresponde a uma história fantasiosa demais.
Ora, como é que um jovem estranho de roupas brancas, usando chapéu para encobrir o furo (respiradouro) no topo da cabeça e exalando um forte pixé, diferentemente dos caboclos que abusavam do perfume, não despertava curiosidade dos pais das moças e demais marmanjos? E, porque apenas o boto tinha o poder de se transformar em gente? A bota também deveria ter o mesmo poder.
É provável que os homens das próprias famílias mantivessem relações sexuais com filhas, sobrinhas, enteadas, cunhadas, sogras e agregadas, tirando proveito da lenda do boto pra lançar uma cortina de fumaça sobre o “estado interessante” das fêmeas da família.
O boto tem pênis, e a bota possui peitos e vagina. No período de acasalamento, que acontece de outubro e novembro, a bota expele uma secreção que tem o mesmo cheiro do sangue da mulher menstruada, que excita o boto, avisando-o de que está pronta para a reprodução.
A secreção não pode ser entendida como menstruação, haja vista que essa só ocorre nas mulheres e primatas (chimpanzés, gorilas e outras macacas). Na menstruação, o sangue que a mulher e as fêmeas primatas expelem pela vagina decorre da eliminação do endométrio devido à falta de fecundação dos óvulos. Nas fêmeas das demais espécies animais o endométrio é absorvido pelo útero.
Vale esclarecer que a cadela não menstrua, como muita gente pensa. O sangramento que algumas delas liberam provém do rompimento de pequenos vasos devido ao elevado fluxo de sangue no período do cio.
A ignorância dos índios e dos caboclos, em termos de anatomia, fez surgir a lenda. É claro que o homem só reproduz outro ser com mulheres. Pode transar com fêmeas de outras espécies, que nada acontece.
Conta-se que muitos caboclos realizavam tapagem de igarapés usando o “pari”, para capturar peixes, aprisionando botas caso elas estivessem no trecho interditado. Depois da vazante da maré, estando a bota indefesa sobre a lama, o pescador saciava seu apetite sexual. Existem registros de elementos que agiram dessa forma e eles são unânimes em dizer que as contrações dos músculos vaginais da bota deixam o ser humano estafado.
O cansaço não provinha do ato sexual em si, mas do esforço desprendido para se manter sobre a bota. De um modo geral, o caboclo matava a bota temendo que ela estivesse grávida.
Ao nascer, o boto vermelho tem a pele cinza. Seu nome científico é “Inia geoffrensis”. Coube ao francês Jacques Cousteau alterar a designação boto vermelho para boto cor de rosa. A outra espécie é preta, nominada tucuxi, mas parece que não tem o mesmo poder do boto vermelho.
No interior da Amazônia, o filho de mulher que não sabe quem é o pai do bruguelo é tido como “filho de boto”. Com certeza, boto de cinco dedos em cada mão. Como tudo acontece no Brasil, não estranhem se aparecer boto com apenas quatro dedos na mão esquerda.
Herundino, alfaiate, futebolista e policial
O alfaiate Herundino do Espírito Santo veio para Macapá, em 1945, a fim de jogar futebol pelo Cumaú Esporte Clube, a agremiação alviverde local. Em sua companhia estava o Adinamar, um valoroso atleta que figura na galeria dos futebolistas que vestiram a camisa do Paysandu Esporte Clube. Em Belém, Herundino atuava pela União Esportiva, um time de futebol, que, em 1913 teve a honra de ser o primeiro campeão paraense. Na época em que o Herundino integrava o conjunto da União Esportiva o time não ia bem. As noticias que ele ouvia sobre as excelentes oportunidades de alguém se tornar funcionário público federal motivou a sua saída de Belém. Através da representação do governo do Amapá, instalada em Belém, Herundino soube que havia sido criada a Guarda Territorial estando à corporação precisando de alfaiates para compor sua oficina de costura. Preencheu uma ficha cadastral e aguardou sua chamada. Ela ocorreu em curto espaço de tempo, graças ao interesse que o macapaense José Serra e Silva, presidente do Cumaú demonstrou por ele.
O Adinamar Resende, parceiro de viagem do Herundino era um eficiente centro-médio com passagem pelo Clube do Remo, Tuna Luso Brasileira, Paysandu e União Esportiva. Os dois chegaram a Macapá em meado do mês de outubro e acertaram com os próceres do Cumaú a vinculação deles ao time alviverde. Pediram um tempo para irem a Belém providenciar a mudança. No dia 3/11, quando era voz corrente na cidade a desistência dos citados atletas, ambos apareceram na sede do clube, apresentando mais dois atletas dispostos a jogar e trabalhar em Macapá: Pariché e Cara-de-Onça. Em Belém, atuavam no campeonato paraense da segunda divisão integrando o time do Sacramenta. Herundino foi o único que permaneceu em Macapá, desenvolvendo suas atividades de alfaiate na oficina de costura da Guarda Territorial, então instalada nas casamatas da Fortaleza São José. Adinamar foi chamado pelo Paysandu e preferiu vincular-se mais uma vez ao Papão da Curuzu.
Ciente de que poderia auferir uns cruzeirinhos a mais nas suas folgas, Herundino alugou uma sala em um prédio edificado à Rua Cândido Mendes, onde instalou a alfaiataria “Zaz Traz”. Sua estréia pelo Cumaú ocorreu dia 22/12/ 1945, no campo da Matriz enfrentando o Macapá. O time alvi-verde perdeu por 4×1, mas a atuação de Herundino foi muito elogiada. Neste jogo, o centro-médio Laércio, egresso da Tuna também agradou. A formação do Cumau era: Judidath; Casemiro Dias e Herundino; Tenente, Laércio e Gaivota; 115, Caveira, Souza, Tomé e Jurandino. Os atletas torcedores de Paysandu e Remo sempre realizavam partidas amistosas, rotulando os times como Alvi-Azul e Azulino. Herundino jogava pelo Azulino. Logo na estréia, dia 26/4/1946, seu time perdeu para o Alvi-Azul por 2×1 e ele cometeu um pênalti, que o zagueiro Brasil converteu em gol. O 115 marcou o segundo e Taumaturgo descontou para o Azulino. No dia 7 de maio de 1946, Herundino vestiu a camisa do Macapá pela primeira vez, amargando uma derrota frente ao Amapá Clube por 1×0, gol de Caboclo Alves. Sentiu o sabor de uma vitória no prélio Macapá 3×2 Amapá, no campo da Matriz. A 4/1/1947, um domingo, integrou o primeiro time do Trem Esporte Clube Beneficente, fundado no dia primeiro. Pela manhã, depois da eleição da diretoria rubro-negra, aconteceu a demarcação do campo de futebol da agremiação, na área que hoje corresponde à Praça N. S. da Conceição, doada ao clube pela Prefeitura de Macapá. A partida foi realizada pela manhã, ocasião em que o Trem enfrentou um combinado formado por atletas do Macapá e Amapá. Herundino sentiu o travo da derrota, mas mostrou suas qualidades consignando os dois gols do conjunto proletário.
A 1ª escalação do Trem: Oscar; Herundino e Zeca Banhos; Cabral, Pedro Franco e Branco; Jorge, Oliveira, Labrione, Walter e Lando. Também esteve presente na 1ª excursão que o quadro “ferroviário” fez a Mazagão, onde empatou como Mazagão Esporte Clube por 1×1. O gol do Trem foi do Herundino. Tampinha empatou.O “Trem Lapidador”alinhou com Alcolumbre;Vavá e Zeca Banhos;Labrione,Pedro Franco e Herundino; Epitácio,Jorge, Smith(Oliveira),Walter e Branco.Atuou como juiz,Raimundo Nonato Lima, o Chibé.
Transamazônica, uma estrada sem fim
O inicio da construção da Transamazônica ficou marcada pela solene derrubada de uma castanheira de 50 metros de altura e despertou opiniões contraditórias sobre a validade do projeto incluso no Plano de Integração Nacional, que visava a ocupação física do solo por meio da abertura de estradas e tinha como meta absorvera mão-de-obra nordestina, disponível em grande quantidade devido as secas, e direcionar os fluxos de migração.Para que isso ocorresse,o governo federal pretendia fixar famílias na região amazônica, cujas terras, segundo a propaganda oficial,eram férteis e gratuitas. Os ocupantes das terras deveriam receber do governo titulo de legalização das mesmas, sementes para iniciar as plantações, vasta rede de postos médicos e escola para todos.
Todo o excedente da produção seria transportado para centros consumidores. O isolamento, o solo arenoso em grande parte, as chuvas torrenciais que transformam em rios de lama largos trechos da rodovia, dificultaram a adaptação dos colonos à região. A 3ª maior rodovia do Brasil foi projetada no governo do presidente Emilio Garrastazu Médici, de 1969 a 1974. Inaugurada dia 27 de dezembro de 1972, e classificada como uma rodovia transversal, a Transamazônica deveria ter 8 mil km de comprimento ligando região Nordeste e Norte do Brasil com o Peru e o Equador. Posteriormente o projeto foi modificado para 4.977 km e a estrada chegaria ao município de Benjamim Constant. Entretanto, não passou de Lábrea com 4.233 km.
No período chuvoso, que se estende de outubro a março, os trabalhos eram interrompidos e os trabalhadores ficavam isolados por terra. Quando o tempo permitia, pequenos aviões, usando pistas precárias, faziam o transporte de viveres e medicamentos. Às vezes, os helicópteros também operavam na região. A comunicação era realizada através de rádio. A Transamazônica, identificada como BR-230, tem inicio na cidade portuária de Cabedelo, no Estado da Paraíba. Dos 4.233 km que possui, a rodovia tem 2.656 km asfaltados e 1577 km de terra. Ela corta os estados da Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas.
Na Paraíba a Transamazônica compreende 521 km com boa condição de tráfego até a divisa com o Ceará. Inicia em Cabedelo, se ponto extremo leste e em João Pessoa ela tem interseção com a BR-101, que dá acesso a Natal. Depois de João Pessoa a estrada passa por Bayeux, Santa Rita, Cruz do Espírito Santo, Sobrado, Caldas Brandão, Gurinhén, Mogeiro, Ingá, Riachão do Bacamarte, Massaranduba, Campina Grande (interseção com a BR-104 e acesso a Caruaru), Soledade, Juazeirinho, Junco do Seridó, Santa Luzia, São Mamede, Patos, Malta, Condado, Pombal, Apareada,Souza,Marizopólis e Cajazeiras.É duplicada no trecho de 147,6 km entre Cabedelo e Campina Grande,conhecido como rodovia governador Antônio Mariz, para dar maior desenvolvimento à região com o transporte da safra agrícola.No estado do Ceará a estrada passa por Ipaumirim(interseção com a BR-116, acesso a Fortaleza),Lavras da Mangabeira, Vargem Alegre,Farias Brito,Antonina do Norte e Campos Sales.
No dia 12 de janeiro de 2011,percorri o trecho entre Fortaleza a Crato,trafegando pelo perímetro acima descrito. Dia 18 do mesmo mês e ano sai de Exu (Pernambuco) seguindo o mesmo trecho e passando pela extensão da BR-230, até João Pessoa. No dia 22 de janeiro de 2014, viajamos de Crato (Ceará) para Teresina (Piauí), trafegando pela Transamazônica e passando por Picos, Oeiras e Floriano. No Maranhão, ainda trilhando pela BR-230, passamos por Balsas e Imperatriz.
Nesta cidade a estrada faz conexão com outra rodovia que leva a Belém, Palmas, Goiânia e Brasília. Em Cabedelo-PB, perto do porto e da Fortaleza de Santa Terezinha, há uma placa que assinala o inicio da rodovia Transamazônica, a BR-230. Documentei em foto minha presença no local. O trecho problemático da Transamazônica está localizado no Pará e Amazonas. No Nordeste o movimento de veículos é intenso e as estradas estão em ótima condição de tráfego. Testemunhei este fato, identificando, pela chapa do veículo sua procedência. Nos postos de combustível indaguei a diversos motoristas o destino da carga que transportavam. Em maior quantidade elas eram conduzidas para Belém, São Luiz, Palmas, Marabá e Santarém.
O museu a céu aberto da Segunda Guerra Mundial
No período em que o estado do Amapá foi governado por João Alberto Capiberibe, a transformação da Base Aérea de Amapá em Museu a Céu Aberto da II Guerra Mundial foi amplamente badalada. Um relatório técnico elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-Iphan, datado de 15 de fevereiro de 1995, informa que, dos 22 prédios que existiam na Base Aérea, 1 servia de alojamento para o pessoal da Aeronáutica, 9 precisavam ser reformados e 12 se encontravam em ruínas.Em julho de 1997, uma equipe de servidores da então Fundação Estadual de Cultura do Amapá esteve na Base Aérea e ratificou tudo que o Iphan já havia registrado. No período de 01 a 03 de abril de 1998, o Dr. Alfredo Oliveira, Gerente de Projeto “Transformação da Base Aérea de Amapá em Museu a céu aberto da Segunda Guerra Mundial”, nomeado para esse cargo através de decreto, ali compareceu a fim de proceder a levantamento geral da área.
Em seu “Relatório de Viagem”, o ilustre gestor público verificou a situação física e jurídica das terras ocupadas pelos norte-americanos entre 1942 a 1946, fez o levantamento e o cadastro das pessoas (cerca de 70) que viviam dentro das áreas patrimoniais da Base, inclusive usando antigos prédios como moradia e preparou um relatório fotográfico muito interessante. O Dr. Alfredo Oliveira iniciou suas atividades vinculado à Fundecap, mas nunca foi aceito pelos que a dirigiram no governo Capiberibe. Tanto é verdade, que ele perambulou pela Secretaria de Educação e terminou encostado na Secretaria de Infra Estrutura, com exercício no Departamento de Saneamento e Desenvolvimento Urbano. Sempre que ele retornava da Base Aérea fazia contato comigo e relatava suas agruras e decepções. Deixou em meu poder cópias de vários documentos que produziu e lamentou que nenhuma atitude decisiva no sentido de criar o pretendido museu foi tomada, nem por Capiberibe, nem por Waldez Góes. Mesmo lutando contra a má vontade de alguns derrotistas que ainda vicejam no Amapá, Alfredo Oliveira conseguiu reformar o prédio onde funcionou um posto médico do Exército Americano, para ser a sede do museu, limpou os prédios ainda eretos e as carcaças de outros, limpou e pintou o Paiol de munição e explosivos, o Forno Crematório, a Estação Transmissora, o Escritório da Marinha Americana, Torre de Atracação do “Blimps” (dirigíveis tipo Zeppelin) e muitos objetos relevantes.
O Ministério da Aeronáutica foi um dedicado parceiro nas atividades que o saudoso Cabo Alfredo desenvolveu.
A Base Aérea é subordinada ao Primeiro Comando Aéreo Regional do Ministério da Aeronáutica, sediado em Belém-PA. Segundo o Serviço de Patrimônio do citado Comando, a área da Base aérea de Amapá mede 623,34 hectares, correspondendo a 6.233.445,00 m², compreendendo os 6.198.000,00 m² do lado da rodovia BR 156 onde está situado o aeroporto e demais instalações e outra menor com 35.445,00 m², ao lado esquerdo da mencionada rodovia, distante cerca de 7 km da primeira.
O Serviço de Telecomunicações da Aeronáutica S/A-Tasa, vem realizando periodicamente o cadastramento de pessoas que residem e/ou trabalham dentro dos limites das áreas patrimoniais da Aeronáutica. A presença desses posseiros é tolerada pelo Estado Maior do 1º Comar, haja vista que eles não causam qualquer prejuízo para as atividades do aeroporto. Portanto, o local onde demora a Base Aérea do Amapá não pertence ao governo amapaense e a implantação de um museu que o mesmo pretendia efetivar depende de contatos formais com o Ministério da Aeronáutica. Nada deve impedir que isso ocorra, afinal de contas foi criado um museu na Base Aérea de Natal, que poderá servir de modelo para o projeto amapaense. Entretanto, é preciso que os encargos sejam entregues a técnicos e pesquisadores gabaritados, deixando-se de lado a questão do apadrinhamento político. A militância que deve prevalecer é a que se relaciona com a competência profissional. O sonho ainda pode ser concretizado.
Os fantásticos padres motoqueiros
No inicio da década de 1950, os habitantes do Amapá passaram a ver velozes motocicletas trafegando pela BR-156 em demanda de Porto Grande, Ferreira Gomes, Fazendinha e Amapá, lugares para onde progressivamente se estendia a citada rodovia. Seus condutores eram sacerdotes italianos católicos que cumpriam missões nos lugares em referência que há algum tempo se ressentiam da presença de padres residentes. A marca das motos ficou famosíssima entre os amapaenses: Moto Guzzi. Não havia um cidadão capaz de ignorar a passagem das belas e rápidas motos e seus habilíssimos pilotos: Ângelo Pigh, Ângelo Biragui, Simão Corridori, Vitório Galliani, Salvador Zona e outros que vieram da Itália anos depois.
A Moto Guzzi é uma marca famosa de motocicleta fabricada pela “Societá Anônima Moto Guzzi” fundada em Mandello Del Lario em 15 de março de 1921, graças ao empenho de Carlos Guzzi (idealista e construtor do primeiro modelo), Giovanni Ravelli e Giorgio Paroli, pilotos de avião e o terceiro mecânico de aviação. A idéia de fundar uma fabrica para produzir e vender motocicletas surgiu no decorrer da I Guerra Mundial, época em que os amigos serviam no Corpo Aeronáutico Militare da Itália. Após o encerramento do grande conflito armado a pretensão dos três permaneceu ativa. Giovanni Ravelli, famoso piloto e mecânico foi o único que permaneceu na aviação e acabou morrendo em um acidente aéreo. Sua ausência foi preenchida por Ângelo Paroli, irmão de Giorgio. Os irmãos Paroli integravam uma rica família genovesa que se dispôs a financiar a fabricação das motos.
O primeiro modelo da Moto Guzzi apresentou como logotipo uma águia de asas abertas, símbolo que ainda hoje é preservado. A águia plainando no ar é uma homenagem a Giovanni Ravelli. As Motos Guzzi que os padres italianos usaram no Amapá tinham sido fabricadas em 1950, tinham de 250cc a 350cc. Podiam desenvolver até 240 km por hora. Os padres motoqueiros percorriam o chão do Amapá em todos os sentidos desde que o terreno permitisse o tráfego dos veículos. O acesso para várias localidades interioranas foi iniciado por eles. As máquinas da Divisão de Obras só beneficiaram a trilha muito tempo depois. Jovens e bem efeiçoados, os padres motoqueiros faziam as moças amapaenses suspirarem quando eles passavam envergando equipamentos próprios de pilotos de corrida. Nem tudo ficou no plano da encarnação. O Padre Salvador Zona, por exemplo, acabou largando a batina para casar com a professora Nazaré Braga. O Padre Simão Corridori foi o único a falecer em um acidente ocorrido na Rua Leopoldo Machado, próximo a Avenida Padre Júlio Maria Lombaerd. Ele era o diretor do Orfanato São José, localizado na Ilha de Santana, e pra lá se dirigia quando foi brutalmente atingido por um caminhão frigorífico da Indústria e Comércio de Minérios S.A., ficando preso entre as rodas trazeiras do veículo. Retirada ainda com vida, o Padre Simão sobreviveu por três dias no HGM.
O museu a céu aberto da Segunda Guerra Mundial
No período em que o estado do Amapá foi governado por João Alberto Capiberibe, a transformação da Base Aérea de Amapá em Museu a Céu Aberto da II Guerra Mundial foi amplamente badalada. Um relatório técnico elaborado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-Iphan, datado de 15 de fevereiro de 1995, informa que, dos 22 prédios que existiam na Base Aérea, 1 servia de alojamento para o pessoal da Aeronáutica, 9 precisavam ser reformados e 12 se encontravam em ruínas.Em julho de 1997, uma equipe de servidores da então Fundação Estadual de Cultura do Amapá esteve na Base Aérea e ratificou tudo que o Iphan já havia registrado. No período de 01 a 03 de abril de 1998, o Dr. Alfredo Oliveira, Gerente de Projeto “Transformação da Base Aérea de Amapá em Museu a céu aberto da Segunda Guerra Mundial”, nomeado para esse cargo através de decreto, ali compareceu a fim de proceder a levantamento geral da área. Em seu “Relatório de Viagem”, o ilustre gestor público verificou a situação física e jurídica das terras ocupadas pelos norte-americanos entre 1942 a 1946, fez o levantamento e o cadastro das pessoas (cerca de 70) que viviam dentro das áreas patrimoniais da Base, inclusive usando antigos prédios como moradia e preparou um relatório fotográfico muito interessante.
O Dr. Alfredo Oliveira iniciou suas atividades vinculado à Fundecap, mas nunca foi aceito pelos que a dirigiram no governo Capiberibe. Tanto é verdade, que ele perambulou pela Secretaria de Educação e terminou encostado na Secretaria de Infra Estrutura, com exercício no Departamento de Saneamento e Desenvolvimento Urbano. Sempre que ele retornava da Base Aérea fazia contato comigo e relatava suas agruras e decepções. Deixou em meu poder cópias de vários documentos que produziu e lamentou que nenhuma atitude decisiva no sentido de criar o pretendido museu foi tomada, nem por Capiberibe, nem por Waldez Góes. Mesmo lutando contra a má vontade de alguns derrotistas que ainda vicejam no Amapá, Alfredo Oliveira conseguiu reformar o prédio onde funcionou um posto médico do Exército Americano, para ser a sede do museu, limpou os prédios ainda eretos e as carcaças de outros, limpou e pintou o Paiol de munição e explosivos, o Forno Crematório, a Estação Transmissora, o Escritório da Marinha Americana, Torre de Atracação do “Blimps” (dirigíveis tipo Zeppelin) e muitos objetos relevantes. O Ministério da Aeronáutica foi um dedicado parceiro nas atividades que o saudoso Cabo Alfredo desenvolveu.
A Base Aérea é subordinada ao Primeiro Comando Aéreo Regional do Ministério da Aeronáutica, sediado em Belém-PA. Segundo o Serviço de Patrimônio do citado Comando, a área da Base aérea de Amapá mede 623,34 hectares, correspondendo a 6.233.445,00 m², compreendendo os 6.198.000,00 m² do lado da rodovia BR 156 onde está situado o aeroporto e demais instalações e outra menor com 35.445,00 m², ao lado esquerdo da mencionada rodovia, distante cerca de 7 km da primeira. O Serviço de Telecomunicações da Aeronáutica S/A-Tasa, vem realizando periodicamente o cadastramento de pessoas que residem e/ou trabalham dentro dos limites das áreas patrimoniais da Aeronáutica. A presença desses posseiros é tolerada pelo Estado Maior do 1º Comar, haja vista que eles não causam qualquer prejuízo para as atividades do aeroporto. Portanto, o local onde demora a Base Aérea do Amapá não pertence ao governo amapaense e a implantação de um museu que o mesmo pretendia efetivar depende de contatos formais com o Ministério da Aeronáutica. Nada deve impedir que isso ocorra, afinal de contas foi criado um museu na Base Aérea de Natal, que poderá servir de modelo para o projeto amapaense. Entretanto, é preciso que os encargos sejam entregues a técnicos e pesquisadores gabaritados, deixando-se de lado a questão do apadrinhamento político. A militância que deve prevalecer é a que se relaciona com a competência profissional. O sonho ainda pode ser concretizado.
Felipe Patroni, mente em ebulição
O paraense Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, natural de Acará, onde nasceu em 1798, deixou seu recanto natal em 1816, para residir em Belém, embora tivesse em mente obter uma oportunidade para ir estudar Direito em Portugal. Era filho do alferes Manoel Joaquim da Silva Martins e afilhado do capitão de fragata Felipe Alberto Patroni, do qual herdou o nome. No mesmo ano em que se estabeleceu na capital do Pará, Felipe Patroni embarcou para Lisboa, seguindo depois para Coimbra, matriculando-se em sua famosa universidade. Aderiu às ideias iluministas e passou a embalar o sonho de dar novos rumos à política Vicente na Província do Pará. Aportou em Belém em janeiro de 1822, levando em sua bagagem uma impressora comprada na Imprensa Nacional de Lisboa, contando com a sociedade do tenente coronel Simões Cunha e tenente de milícia José Batista Camecram. Instalou a impressora na via que hoje tem o nome de Tomázia Perdigão. No dia 1º/4/1822 Felipe Patroni fundou “O Paraense”, o primeiro jornal da Amazônia.
A edição inicial circulou no dia 22/5, defendendo uma Constituição paraense. Também defendia a Independência do Brasil e a liberdade de imprensa. Antes deste feito, quando ainda residia em Lisboa, teve a primazia de ser o primeiro a falar na Assembleia Constituinte Portuguesa, no dia 22.11.1822, na Sala das Cortes, na presença do rei D. João VI. Proferia contundente discurso sem poder concluí-lo devido à interferência dos bajuladores do monarca. Rogava a D. João a adoção de um plano de eleições, contendo normas para escolher a nova Junta Governativa do Pará.
O jornal português “Indagador Constitucional” publicou o seguinte texto: “Um deputado deverá corresponder a cada 30 mil almas, entrando neste número os escravos, os quais mais que ninguém devem ter quem se compadeça deles, proporcionando-lhes um sorte mais feliz até que um dia se lhe restituam seus direitos”. Fez isso na condição de delegado da Junta Provisória do Pará. O jornal “O Paraense” contou com a circulação de 70 edições, mas silenciou a partir de fevereiro de 1823. O Brasil era independente, mas a Província do Pará não a aderiu, mantendo seus laços com Portugal.
O jornal fundado por Felipe Patroni infernizou a vida dos governantes do Pará. Num determinado momento, as críticas veiculadas pelo jornal abalaram a estrutura governamental. Seus titulares recorreram ao tenente coronel Simões Cunha, sócio de Felipe Patroni, para fazer sumir os tipos de metal utilizados na impressão do jornal. Simões Cunha se prestou a atender a solicitação dos governantes, garantindo o encerramento das atividades do periódico. Para surpresa geral, O Paraense voltou a ser impresso, acentuando o grau de suas críticas. Previdente, Felipe Patroni tinha outros tipos bem guardados, pois sabia que não poderia confiar demais em seus sócios. Eles acabaram retirando-se da sociedade em troca de promoções de patente e outras vantagens pessoais. Outras tentativas para calar o jornal ocorreram. Nem a prisão de Felipe Patroni fez o jornal parar de circular. Com sua ausência, o cônego Batista Campos assumiu a direção do órgão e foi perseguido por isso.
Em fevereiro de 1823, Felipe Patroni foi preso no Forte do Castelo e neste local deveria permanecer até julgamento. Porém, acabou sendo mandado para Portugal que, pelo menos para os governantes da Província do Pará, mantinha jurisdição em seu território. Livre da prisão, retornou para Brasil e passou a residir no Rio de Janeiro, sede do governo imperial do Brasil. Sua mente já estava mais tranquila, fato que lhe permitiu instalar um escritório de advocacia. Casou com a prima Maria Ana, em 1929, indo exercer o cargo de juiz de fora de Niterói. Em 1842, alimentando pretensões políticas, retornou para Belém e conseguiu eleger-se deputado na Assembleia Nacional. Teve notável atuação na legislatura de 1842 a 1845, representando o Pará, mas não obteve novo mandato. Em 1851 vendeu seus bens e escravos para residir em Lisboa, onde faleceu no dia 15/7/1866, com 68 anos de idade. A cidade de Belém lhe prestou uma justíssima homenagem, declarando-o patrono da praça localizada na Cidade Velha à margem da avenida 16 de novembro.
Intrigantes misuras de Macapá
Os fascinantes causos relativos a assombrações, que são contados pelo mundo à fora, também andaram tirando o sossego de muita gente por estas bandas. Cresci ouvindo histórias sobre cabeça de fogo, almas penadas, mulher que virava onça, homem que se transformava em porco e cavalo. Por volta do ano de 1951, quando comecei a freqüentar o “Oratório São Luiz”, organizado pelos Padres do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras-PIME, para atrair as crianças e catequizá-las, sempre evitava entrar no “Quintal dos Padres” através do portão lateral situado no Largo dos Inocentes. Ao lado do portão funcionava uma oficina e serraria, instalada em uma casa rústica, coberta de palhas de ubussu. Sobre o madeirame das tesouras que sustentavam a coberta da velha construção ficavam dois caixões cobertos de pano preto e isto me dava medo. Quando havia alguém trabalhando eu passava tranquilo. No intervalo do almoço e à noite, nem pensar.
Os antigos moradores do Largo do Formigueiro (Inocentes) diziam que os dois caixões eram do tempo dos padres da Congregação da Sagrada Família, instituição religiosa composta por belgas e alemães, a mesma à qual pertenceu o Padre Júlio Maria de Lombaerd. Estes religiosos atuaram em Macapá ente 1911 e 1948. Até 1944, ano da instalação do Governo do Território Federal do Amapá, a situação econômica da maioria da população macapaense era bem precária. Quando morria alguém carente de recursos, o cadáver era velado sobre a Eça, envolto em mortalha. Para ser conduzido ao sepulcro, no Cemitério Nossa Senhora da Conceição, o corpo era colocado em um dos caixões de indigentes. Ao chegar ao cemitério procedia-se a remoção do extinto diretamente para a cova, mas fora do caixão, que retornava para a velha oficina da então Paróquia de São José. Eu não era o único medroso dentre os moleques do Oratório São Luiz. Á noite, para assistir filmes no Salão Paroquial Pio XII, dentro do quintal dos padres, os moleques passavam pela oficina, um colado no outro.
O Padre Vitório Galianni dizia: “Má que cosa boba. O defunto não está aí, ficou no cemitério”. A meninada acreditava nos relatos dos mais antigos. Outra história dizia respeito a um motorista da Garagem Territorial, cidadão negro azeitona, que teria o poder sobrenatural de se transformar em porco ou cavalo. Bastava alguém ver um dos animais vagando pelas ruas ou áreas descampadas, depois das 18 horas para afirmar: ”Valei-me Jesus Cristo, olha o Jagunço ali”. Era mais frequente vermos cavalos, éguas e burros vagando no campinho da Matriz e na frente do antigo Fórum de Macapá. Não se via porcos em áreas descampadas e de terra firma.
E apenas um doido optaria por ser um porco, tendo em vista a carência alimentar do povo. Conhecia bem o Jagunço e jamais acreditei em metamorfoses tão esdrúxulas. É um absurdo partir de pessoas esclarecidas a crença de que bôto vira homem.Por que a bôta não vira mulher? Se o boto engravidasse as mocinhas incautas do interior a bota ficaria prenhe transando com os caboclos e índios. Mas, vá tentar convencer pessoas simplórias que as lendas não correspondem à verdade. Conheci um sujeito metido a corajoso, que aceitou o emprego de vigilante do Lóide Aéreo Nacional, empresa que operou em Macapá antes da Viação Aérea São Paulo-VASP. O avião DC-3 do Loide chegava a Macapá, diariamente, por volta das 17h30min. Pernoitava, e deixava a cidade ao amanhecer do dia seguinte. O aeroporto já havia sido transferido, do centro da cidade, para o local onde se encontra. Metido a corajoso, o Figueira colocava sua cadeira embaixo da aeronave e, de lanterna em punho, jogava o facho no rumo de onde provinha algum barulho. Quando ventava muito e chovia era um drama. Por esta razão o Figueira ficava trancado dento do avião, sem luz. O balançar do aparelho, sob efeito do vento fazia o vigia dormir. Uma noite, o vigilante ouviu um psiu vindo da cabine. Ao ligar a lanterna, o Figueira viu a mão de um aviador chamando-o. O medo foi tão grande, que ele apagou. De manhã, o comandante comentou sobre um acidente ocorrido na noite anterior, em que morreu um amigo seu, em piloto do Lóide.
Interessantes ditos populares
Sou apreciador dos ditos populares. No meu tempo de criança, dificilmente um conselho dado pelos mais velhos não continha um ditado. Se alguns moleques estivessem “batendo perna” pelas vias públicas, alguém os mandava para casa, afirmando, que “boa romaria faz, quem em casa fica em paz”. Por ocasião de briga numa pelada futebolística, os contendores eram concitados a contarem o motivo da contenda “sem enfeitar o pavão”.
A primeira vez que ouvi esta expressão eu não entendi nada. Afinal de contas, eu não tinha a menor idéia de que pavão era uma bela ave de bela plumagem, que abria as penas do rabo em leque. Julguei tratar-se do Raimundo Ramos, um pouco mais velho do que eu, cujo apelido era pavão. Mas, por que diziam para não enfeitar o pavão? Um dia perguntei ao meu pai e ele esclareceu o mistério. Por ser belo, o pavão não precisa de enfeite. Outro ditado pitoresco é dizer, que um sujeito embriagado estava “meio pau, meio tijolo”. Quer dizer, que o indivíduo estava porre, mas nem tanto. O cabra cheio da cachaça era tido como “coçado”, ou seja, tinha levado uma coça(surra) da “maldita água que passarinho não bebe”. Só se for passarinho, haja vista que alguns animais adoram beber cachaça, como o gambá. Deve ser por isso, que uma pessoa “bebida” fica “mais porre que um gambá”. Certa vez, uns molecões praticaram um roubo no quintal de uma moradora do bairro central de Macapá levando toda a roupa que secava num varal. A pobre mulher ganhava o sustento da família como lavadeira e não tinha recursos para indenizar os fregueses lesados. A Polícia foi acionada e não demorou a identificar os autores da gatunagem. A pista foi dada por um deles, o mais pobre, que apareceu todo na pinta num tertulhão do dançará Hally Gally.
O investigador conhecido como Calango desconfiou do sujeito e foi chamar a lavadeira. De longe, a mulher começou a gritar: “Prendam este safado. A camisa de seda que ele está usando pertence ao Professor Pedro Ribeiro, meu freguês de lavagem”. Alarme dado e providência tomada. O toque especial deste caso partiu de um velho morador do Laguinho, que corujava a festa dançante: “O alheio reclama seu dono”. Outro observador comentou: “O sem vergonha quer luxar, mas não tem condições. Por isso apela pra ladroagem. Quem não pode com o pote não pega na rodilha”. Em pouco tempo um grupo de quatro pilantras estava atrás das grades. O mais ladino deles era sobrinho de um badalado lunfa macapaense, o que fez o Delegado Antônio Melo declarar: “Quem puxa aos seus, não degenera”. Nesta época, o Governo do Território Federal do Amapá mantinha um convênio com a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará, a conta do qual mandava para uma Escola Correcional, situada na Ilha de Cotijuba, perto de Belém, os menores delinquentes de Macapá. Ao comunicar as mães dos infratores, que seus filhos iriam ficar internos, para aprender um oficio e estudar, o Delegado Melo afirmou: “A medida se faz necessária, afinal de contas, mente desocupada é oficina do diabo”.
A estrutura educacional inicialmente implantada na ilha de Cotijuba (cotia amarela) visava a recuperação de adolescentes entregues a vadiagem e ladroagem. Com o fechamento da Escola Correcional foi implantado um presídio. Quando isto ocorreu, os jovens macapaenses já estavam reintegrados ao seio de suas famílias e não voltaram a praticar ações delituosas, comprovando, que “A instrução é a luz do espírito”. Dentre os moleques problemáticos, ganhou fama um afro descendente de boa compleição física, bom de carreira e de porrada.Costumava frequentar o Mercado Central para afanar pedaços de carne, que os açougueiros colocavam sobre os balcões dos talhos. O moreno agia com muita rapidez e ninguém se atrevia a tentar agarrá-lo. Era a forma de assegurar um caldinho no almoço. Pobres, o rapaz sabia,”que “Deus dá a farinha,mas o diabo fura o saco”. Depois da sua passagem pela Escola Correcional da ilha de Cotijuba virou outra pessoa e serviu como guarda-costas de um importante militar e gestor público paraense. “Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes”. Sua mãe deve ter dito: “Antes a minha face com fome amarela,que vermelha de vergonha”.
Chacina nos porões do brigue Palhaço
No dia 16.10.1823, uma portentosa agitação, agregando mais de mil brasileiros, sacudiu a capital do Pará. A manifestação foi engendrada por elementos que não eram favoráveis a adesão da Província do Pará à independência do Brasil e apregoavam a formação de um governo popular. Vale lembrar, que em janeiro de 1823, quando a adesão do Para ainda não havia ocorrido, o Cônego Batista Campos, apoiado principalmente por comerciantes brasileiros, chefiava um grupo de revoltosos denominado Os Patriotas.
Os integrantes do grupo se diziam liberais radicais e contavam com o apoio do povo das vilas de Cametá, Vigia Macapá, Mazagão, Monte Alegre e Santarém. Formaram uma junta governativa, sob o comando do Cônego Batista Campos, que foi destituída pelo Imperador Pedro I. No dia 11 de agosto, o oficial inglês John Pascoe Greenfel, oficial da Real Marinha Britânica a serviço do Império do Brasil, chega a Belém e declara os portos da cidade bloqueados. Notifica aos integrantes da Junta Governativa Provisória, que agirá com extremo rigor para impor a paz na região. Garante aos portugueses que aceitarem o desligamento do Brasil de Portugal como ponto pacifico a preservação de seus bens. Assegura que tinha vindo para oficializar a definitiva condição do Brasil como nação livre e manter a ordem na província. Pressionou a Junta Governativa para que a adesão paraense acontecesse com a máxima brevidade possível. Isso ocorreu no dia 15 de agosto. Voltando a apreciar o acontecido no dia 16 de outubro, dizemos que John Greenfel determinou a prisão de supostos agitadores, inclusive integrantes das tropas do 1º, 2º e 3º Regimentos de Infantaria e do esquadrão de Cavalaria, que se haviam amotinado. Cumprida sua ordem, os agitadores foram dominados por força das armas. No dia 17 de outubro em frente ao Palácio do Governo, ordenou a execução sumária de cinco elementos que ele mesmo escolhera aleatoriamente dentre os detidos. Através da brutalidade, Greenfel pretendeu amedrontar os sublevados. Tão grande era sua fúria, que mandou amarrar à boca de um canhão o Cônego Batista Campos, só não consumando seu intento de matá-lo porque membros da Junta Provisória interferiram, ponderando que o prisioneiro fosse remetido para o Rio de Janeiro. Entretanto, no dia 19 de outubro o religioso foi colocado em liberdade.
No dia 20 de outubro, 256 presos que estavam na cadeia publica fazendo tremenda algazarra, foram transferidos para bordo de um brigue denominado Diligente, que ancorou no meio da baia de Guajará. O porão tinha aproximadamente 30 palmos de cumprimento, por 20 de largura e doze de alto. As escotilhas foram fechadas e apenas uma fresta ficou aberta para entrada de ar. O fortíssimo calor levou os presos ao desespero. Reivindicando a abertura das escotilhas, pois a falta de ar os fustigava, os presos irromperam em gritos, clamando por água e formulando ameaças á guarnição do navio e demais autoridades do Pará.
A guarnição atirou sobre eles água de má qualidade. Mesmo assim, a disputa entre os amotinados foi feroz. Os presos brigaram, apunhalaram-se, usaram unhas e dentes para ver que primeiro se serviria do precioso liquido. Temendo que a turba conseguisse sair do porão do navio, os guardas dispararam suas armas para dentro do brigue e depois lançaram sobre aquelas pobres criaturas cal virgem. Por duas horas os presos debateram-se em agonia. Em três horas reinava silêncio absoluto.
Na manhã do dia 22.10.1823, quando as escotilhas foram abertas, viu-se no fundo do porão um montão de 252 corpos, cobertos de sangue e dilacerados. Aos poucos os cadáveres foram sendo retirados e transportados para a margem esquerda da baia de Guajará até o local do sitio Penacova. Uma longa vala comum foi escavada para receber os corpos. Ao ser concluída a remoção dos mortos, a guarnição do brigue Diligente constatou, que ainda agonizavam quatro elementos. Levados para o tombadilho deram sinal de melhora, o que motivou a transferência dos mesmos para o hospital. Três deles morreram no transcurso de 4 horas. Apenas um rapaz de 20 anos escapou da morte, mas levou uma vida de constantes sofrimentos.