Nilson Montoril
Aperitivo Caimbé
Na edição número dois (31/3/1945), do Jornal Amapá, impresso pelo governo do Território Federal do Amapá há partir o dia 19 de março de 1945, encontram-se diversas propagandas de estabelecimentos comercias instalados em Macapá e em outras localidades da novel unidade federada. Um anúncio bem simples evidencia que, naquela época, fabricava-se na cidade um aperitivo denominado “CAIMBÉ”, preparado pelo macapaense Pedro Azevedo Costa. O reclame publicitário dizia: “Provem CAIMBÉ, de P. A. Costa. Aperitivo de gosto agradável, barato e inofensivo, licenciado pelo Laboratório Central de Enologia do Rio de Janeiro sob o nº. 00396. À venda na Av. Presidente Vargas, nº. 46. Aceitam-se encomendas de qualquer quantidade”.
O senhor Pedro Azevedo Costa, mais conhecido por Perico Costa, integrava uma família tradicional de Macapá, cuja referência maior era o general do Exército e engenheiro militar João Álvares de Azevedo Costa, macapaense que, no inicio de sua carreira, ainda no tempo do II Império do Brasil, fez parte da guarda pessoal do Imperador D. Pedro II. Perico Costa era proprietário de uma casa comercial de secos e molhados e fabricava o aperitivo em sua residência, um amplo imóvel que figurava como um dos melhores de Macapá. Suas atividades se estendiam de segunda-feira a sábado. Aliás, naquela época havia uma tal “lei seca” que proibia a venda de bebidas alcoólicas aos domingos.Ela vigorou no período de 1939/1945, na chamada Era Vargas, sendo prorrogada até 1951, pelo Decreto-lei nº. 7.604/1945.
O aperitivo Caimbé era preparado com a casca da árvore de igual nome que viceja nos cerrados, cerradões, lavrados e capões. Algumas espécies podem ser encontradas nas várzeas. As folhas têm propriedades medicinais contra artrite, diabetes e pressão alta, O chá das flores atua contra tosse, bronquite e resfriados. A infusão da casca fornece uma bebida eficiente para curar aftas, dores de cabeça e de estômago, resfriados e pulmões. A espécie utilizada no fabrico do aperitivo é da Curatella americana, planta dileciácea da Amazônia, de pequeno porte, de madeira imputrescível, usada em cavernas de canoas, marcenaria e construção civil.
A casca é rica em tanino, as folhas são ásperas, usadas como lixas, e os frutos dão uma tinta pardo-escura. A árvore com estas propriedades é encontrada em várias regiões do Brasil com nomes diversos: lixeira, caimbé, cajueiro bravo, cajueiro bravo do campo, cambarba, marajoara, penttiera, sambaiba e sobro. Para colher a casca da árvore caimbé, os empregados de Perico Costa não precisavam andar muito. Em toda a área de campo que circundava a pequena cidade de Macapá os tortuosos caimbés imperavam. Era só usar o terçado e retirar a quantidade de casca necessária. Em seguida ela era macerada à cacete e colocada em tambores com água e açúcar para fermentar. Algum produto químico era adicionado, mas a fórmula nunca foi revelada. Devido à resina de cor amarelo-esverdeada da madeira, o aperitivo ficava amarelo claro.
A dosagem alcoólica não era forte, mas os gulosos acabavam ficando embriagados. Quando havia treino dos times de futebol de Macapá, no campo da Praça Capitão Augusto Assis de Vasconcelos, nos dias de semana, a venda do aperitivo aumentava consideravelmente no comércio do Perico Costa. Encerrado o treino e mesmo jogos, os atletas se dirigiam ao ponto de venda do Caimbé para matar a sede.
A maioria deles afirmava que o produto tinha efeitos cicatrizantes e ajudava a curar baques, gastrite, arranhões e até unha encravada. O Sr. Walter Batista Nery, que em 1945, integrava o elenco do Amapá Clube, diz que o aperitivo era muito bom, com sabor variando entre o mel e o licor. Perico Costa sempre procurou obedecer à lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas aos domingos. Entretanto, em maio de 1945, confiou na suposta discrição do freguês João Evangelista de Almeida e vendeu-lhe um litro de Caimbé num dia de domingo. Nem bem saiu da casa do comerciante, o comprador foi bebericar perto da Divisão de Segurança e Guarda e acabou sendo recolhido aos costumes. Na edição nº. 6 do Jornal Amapá, que circulou no dia 12 de maio de 1945, o fato ganhou destaque na coluna Registros Policiais: “Vendia Caimbé Durante Lei Seca – Pedro. A. Costa, conhecido fabricante da bebida denominada “Caimbé”, não se conformando com a lei seca, vendeu, em um domingo, um litro dessa aguardente composta a João Evangelista de Almeida.
Feita a apreensão da “água que passarinho não bebe” o fabricante vendedor foi obrigado a pagar a multa regulamentar”. Desse dia em diante, Perico Costa não atendeu nem os pedidos especiais que algumas autoridades faziam as escondidas. Quem desejasse ter o aperitivo Caimbé para saboreá-lo aos domingos, em sua residência, tinha que comprá-lo no decorrer da semana. Curioso é que na época já funcionava na esquina da Rua São José com a Avenida Presidente Vargas, o Bar Elite, de João Vieira de Assis, onde a cerveja era servida bem gelada.
O Bar Elite também dispunha de outras renomadas bebidas, mas o pessoal preferia mesmo era o aperitivo fabricado por Perico Costa, por ser mais barato.
O embaixador do bairro do Trem
Dentre os auxiliares do Governador Janary Nunes que tiveram papel marcante na implantação do Território Federal do Amapá, merece especial referência o belenense Belarmino Paraense de Barros. Este cidadão, formado em Guarda Livro pela Fênix Caixeiral Paraense, veio para Macapá atendendo convite formulado pelo governador, seu superior hierárquico na Companhia Independente de Metralhadoras Anti Aérea estabelecida em Val-de-Cãns.
Na época, Belarmino havia dado baixa do Exército como Sargento e dono de um prontuário notável. Entre 1º de março de 1940, ano de sua formatura, até 21 de julho de 1941, data que marca seu ingresso no Exército, o jovem contabilista trabalhou fazendo a escrituração contábil de diversas firmas comerciais de Belém. Estava com vinte anos de idade quando sentou praça para prestar o serviço militar obrigatório.
Mesmo não mantendo contatos frequentes com a tropa, Belarmino exercia boa liderança na corporação, devido sua dedicação aos esportes. Sempre estava metido no grupo que organizava as competições esportivas. A 22 de janeiro de 1943, passou a ocupar o posto de Cabo, sendo promovido ao posto de Sargento em 1944. No dia 29 de outubro de 1945, chegava a Macapá.
Na capital do Amapá, Belarmino reencontrou vários companheiros de caserna, entre eles o seu comandante. Seu primeiro cargo no governo territorial foi de contador do Serviço de Administração Geral, órgão que coordenava as atividades de pessoal, finanças, material, conservação, limpeza, etc. Depois passou a exercer a chefia da Seção de Municipalidade, percorrendo frequentemente as sedes dos municípios de Mazagão, Oiapoque e Amapá para proceder as inspeções contáveis das comunas e analisar as tomadas de contas. Agiu da mesma forma no que se refere ao balaço de material permanente dos demais órgãos do governo. A 18 de abril de 1951, foi convocado para desempenhar uma missão bastante desafiadora: gerenciar a Olaria Territorial. Deveria elevar a produção de tijolos, telhas, manilhas para esgoto, cerâmicas, azulejos e outros materiais necessários às obras públicas que estavam sendo realizadas em Macapá.
Na fase de implantação da Olaria o superintendente foi o senhor Nicanor Gentil, primo do governador. O deslocamento deste cidadão para outra atividade motivou a nomeação de Belarmino. O governador sabia que seu comandado dos tempos da Companhia de Metralhadoras Antiaérea tinha liderança e lábia suficiente para motivar os trabalhadores, levando-os a atingir as metas necessárias.
A Olaria Territorial vinha se recuperando de um incêndio que destruiu parte de sua estrutura. Ao assumiu o cargo de Superintendente da Olaria Territorial, Belarmino Paraense de Barros já era sobejamente conhecido e benquisto pelo operariado. Ele representava para o Bairro do Trem o mesmo que Julião Ramos simbolizava para o Laguinho.
A eficiente gestão de Belarmino se estendeu até o dia 13 de julho de 1961, correspondendo a um ano e dois meses. Na mesma data ele retomou suas funções de contador no Serviço de Administração Geral. Neste órgão, em dezembro de 1962, alcançou o cargo de Diretor, nomeado pelo Governador Raul Montero Valdez.Em 1963, no período de 30 de janeiro a 11 de abril, Belarmino foi o titular da Secretaria Geral do Território Federal do Amapá.
O ocupante deste cargo era uma espécie de vice-governador, cuja nomeação era feita pelo Presidente da República. Em 1964 ele voltou a merecer a mesma distinção.
Com o golpe militar de 1964, deflagrado dia 31 de março, Belarmino foi colocado sob suspeição de ter praticado improbidades administrativas. Mesmo sem a ocorrência de um julgamento feito nas conformidades da lei, ele foi exonerado a bem do serviço público. Mais tarde, foi inocentado e recuperou seu cargo de servidor público embora com aposentadoria compulsória. Mudou-se para Belém no dia 6 de outubro de 1964.
O clima político em Macapá não lhe era favorável e muitas pessoas que ele tanto ajudou, inclusive tornando-as servidores públicos federais evitavam falar com ele temendo represálias por parte dos governantes. Na capital das mangueiras criou a firma Planamazon Ltda, através da qual elaborava projetos agropecuários e industriais. Também prestava assessoramento técnica, econômica, contábil e de engenharia.Belarmino Paraense de Barros era natural de Belém, onde nasceu a 26 de junho de 1921. Seus pais eram Amélio Brasil Barros e Benvinda das Neves Barros. Sua passagem por Macapá revestiu-se de muitos méritos. Integrou o Rotary Club de Macapá, sendo um dos seus membros mais atuantes.
A primeira residência de Belarmino, em Macapá, demorava na Avenida Pedro Baião de Abreu, lado esquerdo, entre as ruas Rua Tiradentes e General Rondon. A casa ficava ao lado de uma velha fábrica de sabão. Posteriormente a família mudou-se para outro prédio que seu Belarmino mandou construir na esquina, de frente para a então rua José Serafim Gomes Coelho(Tiradentes). Na época, aquele trecho era identificado como bairro da Fortaleza.
Acylino de Leão Rodrigues
No dia 27/9/1950, às 14 horas, falecia na Santa Casa de Misericórdia do Pará, o ilustre médico, professor e político macapaense, Acylino de Leão Rodrigues. Seu passamento causou profunda consternação naquele estado e no Território Federal do Amapá. Médico competente, devotado a sua profissão, Acylino de Leão exerceu-a por mais de 40 anos, demonstrando invulgar respeito a seus pacientes. Como professor universitário foi brilhante, lecionando na Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, como catedrático de Clinica Medica e Medicina Legar na Faculdade de Direito. Também foi dirigente dos dois cursos. Nasceu no interior do município de Macapá, no dia 17/7/1882, na ilha Cotia, região das Ilhas que pertence ao Estado do Pará desde o dia 13/9/1943, mas, quando do nascimento do Dr. Acylino estava sob jurisdição de Macapá. Nosso notável conterrâneo era filho de Leão Gregório Rodrigues e de Maria Gil de Leão Rodrigues, casal devotado as atividades comerciais e que dispunha de bom s recursos. Somente aos dez anos, o menino Acylino iniciou os seus estudos fundamentais.
O curso secundário foi realizado em Belém, no Liceu Paraense, atual Colégio Paes de Carvalho. Em 1902, matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, diplomando-se em 1909, com distinção. Retornou a Belém, para rever seus familiares, despedindo-se e seguindo para Paris/França, onde permaneceu por um ano fazendo especialização. No dia 31/1/1916, com 28 anos, casou com a senhorita Amelia Ribeiro, filha do desembargador Tomaz Ribeiro, chefe de Policia na época do Governador do Para, Augusto Montenegro. Na política esteve filiado ao Partido Liberal, pelo qual foi eleito varias vezes a Assembléia Estadual Paraense. Em 1935, foi eleito para a Câmara Federal, ali permanecendo ate a eclosão do golpe do Estado Novo, aplicado pelo presidente da República, Getulio Vargas, em 10/11/1937.
A medida dissolveu o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais, inclusive a de Macapá. Ao falecer, aos 62 anos, era filiado ao Partido Social Democrático-PSD. Tendo sido acometido por pertinaz doença, foi-lhe recomendada uma cirurgia e repouso. Porem, três dias antes da operação, o Dr. Acylino ainda compareceu regularmente as faculdades onde lecionava. Devido ao agravamento do seu estado de saúde, a cirurgia não foi realizada. Mesmo combalido, o Dr. Acylino se manteve no cargo de Presidente da Legião Brasileiro de Assistência, em Belém e ainda conseguiu inaugurar o Posto de Puericultura “Otávio Rocha de Miranda, no dia 28/8/1950. A família só tomou conhecimento do seu estado grave de saúde, quando lhe faltaram as forças. Ocorrendo o óbito, seu corpo foi levado para sua residencia, situada a Rua São Jerônimo, numero 150, onde foi velado. A diretoria da Faculdade de Medicina quis velar o corpo do Dr. Acylino no Salão Nobre da instituição, mas a família não concordou, respeitando o desejo de seu ente querido, de que o velório ocorresse em sua casa. Inúmeras homenagens lhe foram prestadas, por estudantes de medicina, de direito, membros da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Conselho de Cultura, Assembléia Legislativa e Ordem Terceira de São Francisco. Seu corpo foi inumado na sepultura numero 517, da quadra das Irmãs da Santa Casa de Misericórdia. Falaram a beira do tumulo os doutores Luiz Augusto, Daniel Coelho de Souza, Orlando Lima, Custodio Costa e Osvaldo Brabo.
O governo do Território Federal do Amapá mandou construir um mausoléu como homenagem de seus conterrâneos. Acylino de Leão Rodrigues foi médico clínico, atuando como sacerdote, atendendo as pessoas sem preocupar-se com pagamento. Morreu pobre. Participou ativamente da fundação da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará. Também lecionou na Escola de Agronomia e Veterinária. Na Academia Paraense de Letras, o Dr. Acylino ocupou a cadeira 29, criada pelo macapaense Joaquim Francisco de Mendonça Júnior, cognominado Mucio Javrot. Na Academia Amapaense de Letras, ele é o patrono da cadeira numero 1. No trigésimo dia do falecimento do Dr. Acylino, a senhora Sofia Mendes Coutinho mandou rezar missa em sua intenção. A Prefeitura Municipal de Macapá ligou seu nome a uma das vias públicas do Bairro do Trem. Avenida Acylino de Leão Rodrigues. A placa que a identifica contem o nome Acelino, grafia errada.
Uma noite sob o Equador
Às 24h do dia 17/10/1945, no Clube dos Caçadores, cujo presidente era o tenente e inspetor de ensino Glicério de Souza Marques, tinha início, no cineteatro Macapá, o programa lítero musical denominado “Uma noite sob o Equador”. Os senhores Hélio Gurjão Praxedes, Pauxy Gentil Nunes, Aluísio Carvão e José Maria da Silva, membros da mesa diretora da mencionada sociedade, também se fizeram presentes, atuando na execução do importante evento. Segundo o jornalista Ranufo Flexa de Miranda, membro da equipe de reportagem do Jornal Amapá, “o amplo salão de espetáculos apresentava um aspecto original, por sua decoração artística, relembrando algum recanto paradisíaco do Pacifico, ou uma ilha marajoara mirando-se na versão do Rio Mar. Ambiente sadio, saturado de entusiasmo e garbo da rapaziada elegante da cidade, que homenageava o Dr. Coaracy Gentil Monteiro Nunes, representante do Território Federal do Amapá na capital federal (Rio de Janeiro) e os técnicos americanos que vieram observar as jazidas de ferro do rio Vila Nova, as quais se poderão tornar o berço da siderurgia amazônica.
Luar magnífico se descortinava lá fora, emprestando uma feição bizarra ao limiar daquele cenário, em que se via pompear na imaginação a floresta virgem e exuberante que se esparrama sobre a planície. Folhas de palmeiras e bananeiras, esmeraldinas e graciosas, debruçando-se através dos parapeitos do ventilado cine-teatro. Bancas espalhadas por toda parte. Aprumo de gran-senhores. Imponência de madames.Garrulice de moços entusiastas. Sorrisos encantadores de bonecas perfumosas. O Sr. Governador (Janary Gentil Nunes) as principais autoridades e pessoas gradas, figuras exponenciais da nossa sociedade, compartilhando daquele momento de inefável prazer. A música deleitosa, variada, repercutindo sons alegres nos ouvidos da gente”.
O show se estendeu pela madrugada do dia 18, uma quinta-feira, sendo aberto pelo violinista Mário Rocha, professor de música egresso de Belém, que mantinha um curso particular na cidade de Macapá. Os violonistas Walter Banhos de Araújo e Sidônio Figueiredo o acompanharam. Mário Rocha interpretou duas belas composições musicais: “Santa” e o tango argentino “La Cumparsita”. A seguir, o conjunto musical “Batutas do Ritmo” apresentou números bem populares, que agradaram intensamente à seleta platéia. Uma extraordinária surpresa ficou a cargo do jovem médico Mário de Medeiros Barbosa, cidadão que tem seu nome incluso na galeria dos Governadores do Território Federal do Amapá. Quase ninguém sabia que o ilustre profissional da medicina era também um pianista de reconhecidos méritos. Tocando “blues” e “foxs” ele agitou a platéia. Dr. Barbosa era rotulado pela imprensa e por seus amigos de profissão como o “Solitário de Mazagão”, porque era o único facultativo a atuar na sede do citado município. Sua participação na programação compreendeu uma homenagem aos médicos, haja vista, que, no calendário cívico nacional, o dia 18 de outubro é consagrado a eles. Embora muitos participantes pleiteassem que o show se estendesse até o amanhecer, os organizadores do evento o encerraram por volta das 4 horas da madrugada. Coube ao músico Mário Rocha e seus acompanhantes Walter Banhos e Sidônio Figueiredo fechar a belíssima programação.
O Cine Teatro Territorial foi estrategicamente erguido por trás do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, com acesso por dentro do estabelecimento de ensino, quando as programações envolvessem os alunos e os professores e pela lateral da escola, para o público em geral. Embora ainda não fosse utilizado para a exibição cinematográfica, o cine-teatro Macapá, que depois passou a ser identificado como cine-teatro Territorial servia para a realização de eventos importantes. Somente por ocasião das comemorações alusivas aos 45 anos da vigência do Laudo Suíço, que assegurou ao Brasil a posse definitiva da região entre os rios Araguary e Oiapoque é que o cinema foi inaugurado. Isso ocorreu no dia 1/12/1945. A partir de então ele ficou servindo para a exibição de filmes educativos, artes cênicas e solenidades diversas.
A Mística do Amapá
Janary Nunes
“A Mística do Amapá e o ideal de tornar o Território ema das regiões mais ricas e felizes do Brasil. Ela não tem dono, nem autor. Não pertence a um grupo, a uma seita, a um partido. Existe na alma do povo, palpita no coração de todos os que creem na beleza do seu futuro.
Como nasceu a mística. Fruto do amor, através da história, daqueles que se apaixonaram pela terra. Cada sonho, cada esperança, cada luta, vividos para torná-la mais prospera, emprestaram-lhe força e brilho. Ela resume os anseios mais nobres de quantos trabalharam para integrar o Amapá na Pátria Brasileira. Durante séculos, seu templo foi a natureza virgem. Acompanhou os pioneiros que penetraram a gleba a busca de riqueza e os viajores curiosos por devassarem um mundo novo. E realizou o milagre de apagar a ânsia de gozar noutras plagas os frutos conseguidos, fazendo-os edificarem ai seus lares definitivos, impregnando-lhes o intimo de profunda e inextinguível simpatia pelas paisagens e coisas locais.
O Amapá fascina. E por isso possui a sua mística. Não há ninguém que penetrando suas fronteiras, – desde as margens dos rios até as fraldas do maciço das Goianas, desde os lagos onde navegam, ao sabor dos ventos, ilhas flutuantes, até os campos in termináveis, nos quais a vista abarca plenamente a amplidão, desde os que lançam a linha nas águas para apanhar os peixes varados e saborosos, até os garimpeiros que revolvem o solo a cata de minérios, desde os que galopam para reunir o gado, entre revoadas de aves coloridas, até os que suam para semear o chão fecundo e colher as searas, os que calejam as mãos nos remos ara vencer as distancias, os que se esforçam para erguer casas ou construir obras de interesse coletivo, os que gastam o cérebro para solucionar seus problemas – não há ninguém que não sinta essa fascinação que se irradia do ambiente e não termine cativo do seu destino.
A mística do Amapá quer o bem do povo. Não de uma parte do povo, de uma aristocracia, de uma classe, dos que comunguem com o Governo ou dos que dele discordem. Mas almeja o bem estar de todos os indivíduos, de todos os lares. Não colima levar uns para derrubar outros, de ter poderosos e oprimidos, senhores e escravos. O seu objetivo e promover o levantamento do nível de vida comum, dando melhor oportunidade a brancos e pretos, remediados ou pobres, jovens ou velhos, profissionais e aprendizes. A distinção entre os homens não se deve basear na fortuna nem na posição, mas na soma de serviços que prestem a sociedade.
A mística do Amapá tem por fundamento principal a idéia de que o trabalho dignifica a vida é capaz de remover montanhas e vencer o tempo. Para o trabalho inspirado na Fe não há obstáculos intransponíveis. O labor conjugado determinará o aumento da produção. E produzir mais, sempre mais, e a trilha que conduz a fartura.
A mística do Amapá e eterna. Foi acalentada no passado, quando as esperanças pareciam fadadas a morrer, a míngua de recursos. Assim mesmo, nunca sucumbiu, animando nossos antepassados na marcha para a vitória. Vibra no presente, através da vontade criadora de explorar as matérias-primas e de eliminar duma vez os conceitos de insalubridade e impotência que lhe assacaram injustamente, lançando também os alicerces indestrutíveis do seu progresso. Há de fulgurar ainda mais no porvir, como o brilho do sol, pela atividade viril das gerações novas, que se preparam adequadamente para transformar o meio, garantir a permanência dos esforços atuais e promover a felicidade geral.
Seguindo as palavras de Cristo que nos mandam amar uns aos outros, os amapaenses caminham empolgados pela mística do Amapá, para fazer em breve, do seu Território, um vigoroso Estado da Federação Brasileira.
Avante, pois, amigos! O futuro tem um lugar de destaque a espera do Amapá, terra onde a Pátria começa. E vos o conquistareis”.
Em 1962, Janary Nunes voltou a manifestar a sua crença na grandeza do Amapá, assim se manifestando. “O Amapá não deseja permanecer estagnado, acomodatício, esquecido, irresoluto, negligente e mudo”. “O Amapá quer pesquisa, estudo, trabalho, crédito, planejamento, reivindica a conclusão das obras inacabadas e novos empreendimentos que ofereçam ocupação aos milhares de desempregados que hoje padecem fome e miséria no seu solo fértil”. Em 2021, essas aspirações ainda ecoam.
Enterro da felicidade
Na área por onde foi aberta a Avenida Hélio Guarany Pennafort, que o pessoal insiste em chamar Beira Rio e onde se encontra instalado o prédio do Supermercado Yamada, havia um aglomerado de casas pertencentes a gente humilde, que preferia residir perto do Elesbão. O caminho usado pelos moradores tinha um declive a partir da Avenida Henrique Galúcio, apelidado “Baixa da Maria Mucura”. Este designativo tinha a ver com a carência de beleza física da Dona Maria, cujo rosto fino e pontiagudo lembrava a cara do marsupial que adora comer galinhas. Depois do aglomerado de casas vinha a praia e a mata. Morava naquele lugar, a tal Baixa da Maria Mucura, uma senhora que possuía uma filha “borrachudinha”, que os caboclos da região das Ilhas do Pará preferiam denominar de “bacorota”.
A danada da pirralha, cuja idade girava pela casa dos 14 anos de idade era bem apetrechada de corpo, rostinho sapeca, cinturinha de pilão, pernas arredondadas e lábios carnudos. Tinha tudo que um homem deseja numa fêmea. Volta e meia a menina escapulia de casa e ia bater pernas pelo Mercado Central e na Fortaleza de Macapá. Ela adorava ouvir assobios e galanteios que partiam dos açougueiros e dos soldados da Guarda Territorial. Os vizinhos e conhecidos de sua genitora viviam dizendo, que cedo ou tarde a garota iria arranjar “o que a Maria ganhou na capoeira.” Gente da língua amaldiçoada. Um sujeito conhecido como Dico, embarcadiço de uma canoa transportadora de açaí e outras frutas, entre o Furo da Cidade e o Elesbão, passou uma cantada na guria e arrastou-a para as pedras que ficavam na praia da Fortaleza. Assanhada por demais, A bacorota “arriou os quatro pneus” e deixou o Dico se fartar no “fuc-fuc”.
O danado do Dico havia prometido casar com a “pequena”, mas desapareceu. A mãe da menina era lavadeira, atividade que não lhe rendia os trocados necessários para satisfazer as necessidades básicas dela e da filha. Conseqüentemente, a Ritinha comia uma vez por dia, quase sempre no horário do almoço, mas não era muita coisa. À noite, jogava pra dentro da barriga uma cuia de açaí e um pedaço de peixe assado, coisa que não era freqüente. Ora, se a Ritinha comia pouco, como é que engordou tanto? A mãe da Ritinha botou a filha em confissão e descobriu o mistério. Não pensou duas vezes e decidiu ir à Central de Polícia registrar queixa contra o Dico, por crime de sedução. Na época, isso dava um “galho danado” e o deflorador, caso não quisesse casar, ia cumprir pena no Presídio São Pedro, no bairro Beirol. Ao chegar à Central de Polícia, a mãe da Ritinha foi encaminhada ao escrivão conhecido como “Kid Moringueira”, cabra passado na “casca do alho” e bom de conversa. Atuava com atenção redobrada quando a deflorada era jovem e bonita, mas procedia de imediato a lavratura do termo circunstanciado se a vítima fosse judiada pela beleza.
O Kid Moringueira ouviu atentamente o relato feito pela lavadeira e prometeu intimar as partes com brevidade. Expediu uma intimação contra o Dico, recomendando que a mãe da guria levasse o documento ao dono da canoa onde o deflorador havia trabalhado, visto que o tal canoeiro era tio do “Don Juan”. Nos termos da intimação, o Dico deveria comparecer à Central de Policia no mesmo dia e horário em que a Ritinha e sua mãe também estariam lá. A primeira a ser ouvida foi a Ritinha. Os olhos do Moringueira brilharam intensamente ao ver aquela “bacorotinha”, cheirando a leite, na sua frente. Indagou se a virgindade tirada pelo Dico estava fazendo falta. A Ritinha respondeu que não. Moringueira foi mais incisivo: “queres casar com o Dico?”. Não, falou a Ritinha.Esse negócio de casamento e coisa da mamãe. Ritinha foi orientada a ficar em outra sala, sem falar com sua genitora. Moringueira chamou o Dico às falas e pegou pesado: “E aí, malandrão, casa ou não casa? O Dico respondeu: “Pra que, se eu não dou conta nem de mim.” Moringueira foi taxativo: ”Se não casares com a Ritinha vais passar um bom tempo no Beirol”. “Por mim”, disse o Dico. Ao voltar a falar com a lavadeira, Moringueira aconselhou-a a não exigir o casamento da Ritinha com o Dico. O caboclo não tinha emprego, era feio, gostava da cachaça e só iria aumentar sua desventura, porque teria de alimentar um vadio. A lavadeira aceitou o conselho, desde que o Dico fosse para o Beirol. Era tudo que o Moringueira queria ouvir. Novamente ele conversou com a Ritinha e disse: “Minha filha, a barra está limpa. Convenci tua mãe que teu casamento com o Dico é uma besteira, e ela concordou. O Dico não vai escapar do presídio, pois disse que não casa nem apanhando. Agora, presta atenção: “Já que estais com esta sepultura aberta, que tal nos dois fazermos o enterro da felicidade?”
Primeiro desfile cívico realizado na Fortaleza
No dia 7 de setembro de 1945, data da Independência do Brasil, a cidade de Macapá via pela primeira vez, um desfile cívico realizado na Fortaleza São José. Desde cedo o povo saiu às ruas, rumando para a vetusta edificação militar, que ainda se encontrava em restauração. Ornamentada com galhardetes verde-amarelos e com enormes bandeiras do Brasil, nosso monumental patrimônio histórico, uma das sete maravilhas nacionais foi pouco a pouco sendo tomada por populares. A guarnição da briosa Guarda Territorial ali instalada, era a responsável pelos trabalhos de restauração. Vale dizer que, quando da instalação do governo do Território Federal do Amapá, a velha fortificação estava em ruínas.
A Guarda Territorial não era apenas uma corporação para-militar, mas também uma força tarefa para recuperação de prédios públicos e prestação de serviços comunitários. Por isso, contava com o concurso de pedreiros, carpinteiros, marceneiros, alfaiates, sapateiros e, atuando como mantenedores da ordem, reservistas de 1ª categoria. Às 8 horas, o governador Janary Gentil Nunes chegava à Fortaleza São José, envergando seu uniforme de capitão da arma de Infantaria do Exército, sendo saudado pelos toques militares de estilo e hasteou o pavilhão nacional no mastro grande erguido no bastião de São José, o que atualmente é o mais próximo do Banco do Brasil. Enquanto a bandeira era hasteada a multidão cantava o hino pátrio. Houve saudação cívica realizada pelo governador e pelo capitão Humberto Pinheiro de Vasconcelos, diretor da Divisão de Segurança e Guarda e comandante da Guarda Territorial. Em seguida, ao ruflo dos tambores da banda marcial dos escoteiros do Pará, que se encontrava na cidade desde o dia anterior, foi acesa uma garbosa tocha simbolizando a chama cívica que os brasileiros precisam cultivar. A parada cívica foi comandada pelo 1º Tenente Paulo Eleutério Cavalcante de Albuquerque, chefe do Serviço de Informações do governo territorial e estava primorosamente organizada. As entidades que desfilaram cobriram o curto trajeto entre os baluartes São Pedro e Nossa Senhora da Conceição.
A delegação da Federação Paraense de Escoteiros, chefiada pelo Capitão Gonçalo Lagos Castelo Branco Leão. Abriu o desfile ao som de sua contagiante banda marcial. Posteriormente, apresentaram-se os alunos do Grupo Escola r de Macapá, integrantes do Amapá Clube, Esporte Clube Macapá e Cumaú Esporte Clube. A Guarda Territorial fechou a para de 7 de setembro. Um acontecimento marcado por fortíssima emoção ocorreu por ocasião do desfile alusivo aos 125 anos da Independência do Brasil. O ex-pracinha Alfredo Fausto Façanha marcou sua presença, envergando o uniforme do 6º Regimento de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira que usou nas batalhas de Montese, Pao e Castelo Novo, contra forças alemãs que ocuparam a Itália durante a segunda guerra mundial. Alfredo era natural do lugar Floresta, na região das ilhas do Pará, que, até a criação do Território Federal do Amapá, a 13 de setembro de 1943, pertenceu ao município de Macapá.
Com a edição do ato que desmembrou do Estado do Pará as terras do atual Estado do Amapá, o Rio Amazonas passou a ser o limite natural entre as duas unidades administrativas do país. Nasceu em 1921 e ao ser convocado para a guerra tinha 23 anos de idade. Embarcou para a Itália em dezembro de 1944, desembarcando em Nápoles dia 8 de fevereiro de 1945, entrando imediatamente em atividade. Com a rendição dos alemães a 8 de maio de 1945, as hostilidades cessaram e os pracinhas brasileiros retornaram ao solo pátrio. Como soldado da 8ª Região Militar, contingente da Amazônia, Alfredo Fausto Façanha embarcou para o Rio de Janeiro no dia 6 de junho. Era filho de Augusto Fausto Façanha e Amélia Maria Façanha.á noite, no Cine-Teatro Territorial, o ex-pracinha participou de uma sessão cívica e narrou lances dramáticos dos combates em que esteve presente.
As jazidas de ferro do rio Vila Nova
Em 1946, sem medir as conseqüências de seu gesto, o Deputado Federal, João Café Filho, iniciou uma campanha no âmbito da Câmara Federal com o propósito obter o cancelamento do contrato entre o governo do Amapá e a empresa norte-americana Hanna Exploration Company pata exploração dos depósitos de ferro do rio Vila Nova (Anauerapucu). Café Filho julgava que o ferro existente no Amapá deveria permanecer intocável, como reserva nacional, para ser explorado por empresas brasileiras.
No momento em que Café Filho iniciou a campanha o Território Federal do Amapá ainda não tinha representatividade na Câmara Federal, que então funcionava na cidade do Rio de Janeiro. No dia 25.4, o governador Janary Gentil Nunes foi recebido em audiência pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra, apresentando-lhe um relatório dobre o aproveitamento das jazidas de ferro do Amapá, com as propostas firmadas pelas companhias norte-americanas The Hanna Exploration Company e Companhia Meridional de Mineração, com os pareceres de aprovação unânime do Conselho de Minas e Metalurgia, Departamento de Produção Mineral do Ministério da Agricultura e Conselho de Segurança Nacional.
O Presidente Eurico Dutra assinou o Decreto-lei nº 9.198, referendado pelo ministro Neto Campelo Júnior, autorizando o governo do Território Federal do Amapá a contratar o aproveitamento da jazida de minério de que for confessionário. Diante desse ato do chefe do país, espera-se, a todo o momento, que seja assinado o contrato com a Hanna Company, que apresentou condições que assegurarão uma situação excelente para o futuro da região. Além da exploração, a contratada deveria construir uma estrada de ferro e um porto fluvial em Macapá. No dia 26/4, obedecendo aos termos do decreto do presidente da República, o governador Janary Nunes e o vice-presidente da Hanna Company, senhor Harry Leroy Pierce assinaram o contrato em rápida solenidade realizada na Representação do governo do Amapá, no Rio de Janeiro. Participaram do importante momento o senhor Carl Kimcaid, advogado da contratada, Glycon de Paiva, geólogo do Ministério da Agricultura, o coronel Simpson, do Exército norte-americano, o major Omar Emir Chaves, o ministro Gastão de Oliveira, diretor geral do Banco do Povo, o sr. André Cacinelli, diretor da A Equitativa, o jornalista Roberto Groba, o Vitor Leinz, geólogo, dr. Djalma Cavalcante, representante do governo do Guaporé (Rondônia), Coaracy Gentil Nunes, representante do governo do Amapá, Leal Ferreira, além de outras autoridades, jornalistas, etc.
O fato foi repercutido pelos jornais cariocas “Jornal do Brasil”, “Jornal do Comércio”, “O Radical”, “A Manhã” e a “Tribuna Popular”,que fez restrição apenas ao prazo do contrato, considerando-o larguíssimo. O jornal “O Globo”, que não se fez presente na solenidade de assinatura do contrato, daí não conhecer suas cláusulas, evidenciou que a ferrovia e o porto ficariam controlados pelos capitais estrangeiros.
O sr. G.M. Humphrey, presidente da Hanna Company, afirmou a empresa faria prospecções mais apuradas.Se elas fossem satisfatórias, justificar-se-ia a instalação do vultoso equipamento de mineração,bem como a construção da estrada de ferro e do porto. Sem conhecer os termos do contrato e agindo embalado por sua aversão aos yankees, o Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte, Café Filho, manifestou-se contra o contrato e concitou seus pares a agirem de igual modo. Não convenceu ninguém e ainda recebeu manifestações de apoio ao Amapá.
Em Macapá, no dia 13.6.1946, ocorreu uma ruidosa manifestação organizada pela Associação Comercial, Agrícola e Industrial, compreendendo uma caminhada pelas principais ruas da cidade, com saída da Praça da Matriz. À frente iam 4 bandeiras do Brasil, seguidas por uma banda de música e manifestando portando cartazes com diversos dizeres: “Concorrência só existe entre nações.Dentro de um país, o amparo deve ser dado ao que mais precisa e maiores vantagens oferece,” “Não vendemos aos estrangeiros a nossa borracha? Por que não podemos vender o nosso ferro?” “O Amapá não se vende! Vende o seu ferro para alicerçar a grandeza do Vale Amazônico.
A instalação da Prelazia de Macapá
O amanhecer do dia 30 de abril de 1950, uma quinta-feira, foi bastante festivo na cidade de Macapá. Uma grande festa tinha sido programada para a mencionada data, enchendo de júbilo a família católica residente na capital do Território Federal do Amapá, que veria ocorrer à implantação da Prelazia de Macapá e a posse do Monsenhor Aristides Piróvano como Administrador Apostólico e o Padre Arcângelo Cerqua como vigário da Paróquia de São José. Desde cedo, concentrado no antigo aeroporto da Panair do Brasil, o povo católico esperava com ansiedade a chegada do avião dos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, que traria de Belém o Arcebispo Metropolitano do Pará, Dom Mário Miranda Vilas-Boas, nomeado subdelegado do Núncio Apostólico do Brasil, Don Carlos Chiarlo, na criação da Prelazia.
Ao descer do avião, Don Carlos se fazia acompanhar do Padre Adolfo Serra e ambos foram recepcionados pelo Governador Janary Gentil Nunes, que lhes apresentou destacadas figuras de sua administração. Do aeroporto todos seguiram para o centro da cidade. O governador, o Secretário Geral Raul Montero Waldez e dois ilustres visitantes utilizaram um automóvel Nask castanho. Alguns diretores de órgão públicos seguiram num carro Chevrolet preto, enquanto os populares foram transportados em um ônibus da Viação Primazia.
Na residência dos religiosos de Macapá, um antigo casarão edificado no lado esquerdo da Igreja foi servido pelo Administrador Apostólico, a Don Mário Vilas Boas e demais pessoas presentes, uma farta mesa de gelados. Em seguida, todos cumpriram um roteiro de visitas, percorrendo o Posto de Puericultura Iracema Carvão Nunes, o Grupo Escolar Barão do Rio Branco e a Escola Profissional Getúlio Vargas, que posteriormente passou à denominação de Escola Industrial de Macapá. Concluídas as visitas, os religiosos retornaram à Casa Paroquial para um almoço com os padres do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras-PIME.
Às 15 horas, Dom Mario de Miranda Vilas Boas, em companhia do Monsenhor Dom Aristides Piróvano, Padre Adolfo Serra, senhor Antônio Campos Monteiro, Oficial de Gabinete do Governador, médico Álvaro Simões, diretor da Divisão de Saúde e do Capitão Waukes de Aragão, Comandante da 4ª Companhia de Fronteiras, visitaram a Unidade Mista de Saúde instalada ao lado direito da Igreja de São José, a Olaria Territorial, Cadeia Pública e Fortaleza de Macapá, onde assistiram a realização de um exercício de tiro real. Deste último monumento rumaram para o Macapá Hotel, na frente da cidade, onde Dom Mário e seus acompanhantes se serviram de saborosos sorvetes de frutas regionais. Às 17 horas foi servido o jantar na residência governamental. Às 19 horas, começou a solenidade de instalação da Prelazia de Macapá.
A Igreja estava lotada de fieis. Iniciou-se a solenidade litúrgica com a reza do Terço, seguindo-se o canto da Ladainha a três vozes mistas (Perusi). Na sequência, Dom Mário Villas-Boas pediu ao Padre Adolfo Serra que procedesse a leitura do Decreto de sub-Delegação, pelo qual o Núncio Apostólico nomeava o Arcebispo do Pará seu próprio sub-Delegado na ereção da Prelazia e a Bula Papal que a criou. A função religiosa se estendeu até as 21h30min, com a benção do Santíssimo Sacramento, com o canto do “Tantum Ergo Sacramentum (Haller)” a 4 vozes mistas(Tão Sublime Sacramento). A igreja de São José também foi elevada à categoria de Catedral. A Prelazia de Macapá (Territorialis Praelatura Macapaensis) foi ereta canonicamente pelo Papa Pio XII através da bula “Unius Apostolicae Sedis” de 1º de fevereiro de 1949, com as paróquias de Macapá, Amapá e Bailique, desmembrada da Prelazia de Santarém e colocada pela Santa Sé aos cuidados do PIME. A transmissão dos encargos da Prelazia de Macapá ocorreu dia 23 de março de 1949, pelo Bispo de Santarém Dom Anselmo Pietrula. A nomeação do Padre Aristides Piróvano como Administrador Apostólico se deu no dia 14 de fevereiro de 1950. A instalação solene da Prelazia e a pose do Administrador Apostólico aconteceram no dia 30 de abril de 1950. A Prelazia passou à condição de Diocese por força da bula “Conferentia Episcopalis Brasiliensis” (Conferência Episcopal Brasileira), do Papa João Paulo II.
Jornal “O Balufa”
Hartiu do ginasiano Carlos Oliveira Nery, a idéia da criação de um jornalzinho independente no Colégio Amapaense. Fui o primeiro a ser informado de tal pretensão, haja vista que integrávamos a 4ª série ginasial B e éramos bons amigos. Isso aconteceu no dia 10 de setembro de 1962, após uma aula de Português, ministrada pelo Professor Raimundo Pantoja Lobo, o popular Aporema. Ao comentar a respeito do primeiro jornal a circular no Brasil, “A Gazeta”, do Rio de Janeiro, no ano de 1808, o ilustre mestre também se lembrou do Jornal “O Castelo”, periódico que circulou sob a coordenação do Grêmio Literário e Cívico Rui Barbosa. Entusiasmado com o assunto, o Carlos Nery decidiu concretizar sua idéia. Rapidamente formou um grupo constituído por ele, Nilson Montoril de Araújo, Pantaleão Gonçalves de Oliveira, Aldony da Fonseca Araújo, José Maria “Gato” e Lucas Vale. Em 1962, o Colégio Amapaense era dirigido pelo Engenheiro e Professor de Matemática Manuel Nogueira, que se propões a nos apoiar, desde que, divulgássemos coisas deveras importantes.
A cordialidade do Professor Nogueira nos deu animo redobrado e nos levou à presença do Professor Antônio Munhoz Lopez, Diretor da Divisão de Educação.Na época, a Divisão de Educação funcionava em um anexo do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, atrás da Biblioteca e Arquivo Público. Fomos bem recebidos e aproveitamos para reivindicar a doação de papel, tinta e stêncil para mimeógrafo. Firmamos a importante parceria convidando o Professor Munhoz para nos honrar com artigos sobre literatura e cinema. O Carlos Nery era um craque em pedir. Tinha uma conversa capaz de derrubar avião. Dentre os nossos mais frequentes colaboradores, despontava o Carlos Nilson da Costa, que era aluno do Curso Científico, reconhecidamente “bom de caneta” Em dado momento, lembramos que o jornal ainda não tinha nome. Como o nosso grupo era muito ativo e levava tudo na brincadeira, além de ter a pecha de anarquista, decidimos usar o apelido do Aldony Araújo: Balufa. Ele era bem gordinho e alguém sapecou a adjetivo Balofo, que significa muito volumoso em relação ao peso. Acontece que nosso amigo Aldony não se importava com a alcunha e ela estava correta. Todos o chamavam de Balufa. A brincadeira virou coisa séria e não faltaram colaboradores.
O jornal falava de literatura, cinema, história, educação, esportes, poesia, crônicas, entrevistas, aniversários, humor e algumas fofocas. Em julho de 1963, a equipe do jornal integrou a embaixada do Grêmio/Colégio Amapaense, que realizou uma visita a Serra do Navio a convite da Gerência da Indústria e Comércio de Minérios S.A. O exemplar não era vendido. O jornal nunca criticou gestores públicos e se manteve alheio às questões políticas. Mesmo assim, sua impressão foi interrompida após a intervenção militar de 31 de março de 1964. O mesmo fato ocasionou o fechamento da sede do Grêmio Literário e Cívico Rui Barbosa, a destituição de sua diretoria e a clandestinidade da associação. Dentre os fundadores do jornal “O Balufa”, apenas o Pantaleão Oliveira e o Nilson Montoril de Araújo vivem em Macapá. Os demais já faleceram. O Carlos Nery mudou-se para Belém, onde cursou medicina. O Lucas Vale foi residir em Brasília, onde forças de repressão o teriam eliminado. O José Maria “Gato” retornou a Manaus. O Aldony Araújo, Balufa para os amigos, que simplificaram sua alcunha para Babá, andou por Belém, mas depois retornou a Macapá. Antes do surgimento do Jornal “O Balufa”, outro periódico denominado “O Castelo”, obteve enorme aceitação nos meios educacionais do Amapá. Circulou pela primeira vez no dia 5 de novembro de 1951, como órgão de publicidade do Grêmio Literário e Cívico Rui Barbosa, criado por um grupo de alunos do Ginásio Amapaense para progredir nas atividades literárias e jornalísticas.
O Ginásio Amapaense funcionava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. A 1ª edição do jornal “O Castelo” colocava em destaque a memória de Rui Barbosa e continha crônicas, poesias e notícias diversas. O jornal tinha 12 páginas e boa ilustração, principalmente de um castelo, ainda hoje símbolo do “Colosso Cinzento”. Vários alunos que o idealizaram e nele publicaram obras literárias pararam de fazê-lo após a conclusão de curso ginasial. Porém, o jornalismo amapaense ganhou importante participes.