Pe. Claudio Pighin

Deus nos fala

“Voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, e que estava de acordo com o que lhes fora dito.

Mas Maria guardava todas estas coisas, conferindo-as em seu coração”.

Maria a mãe de Jesus é apresentada de maneira muita discreta e em segundo plano. É Jesus o centro da narração, e toda a cena gira ao seu redor. Os pastores encontraram de fato o Menino e a sua mãe Maria e passados os oito dias “foram cumpridos, para circuncidar o Menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido”.

Maria, continua o evangelho, “guardava todas estas coisas, conferindo-as em seu coração”. Vejam bem, os pastores reagiram perante o extraordinário acontecimento maravilhando-se por aquilo que viram e, portanto, retornando ao rebanho deles louvavam e glorificavam a Deus. No entanto Maria guardava tudo na sua memória e meditava no seu coração. Isto é, Ela reflete intensamente à luz da Palavra de Deus, para poder compreender melhor o que significa na vida Dela tudo aquilo. Assim sendo, as palavras que para os outros despertaram maravilhas, para Ela alimentaram escuta profunda, consciente e continuada. Maria participa ativamente com a contemplação deste grande mistério de Deus, porque quer entrar na lógica do Senhor Onipotente.

A Virgem se tornou a Tenda do Deus Altíssimo. Como Deus se faz presente na nossa vida, e Maria, nesse sentido, nos ilumina. Que exemplo! Então surgem esses questionamentos de como nós percebemos a proximidade do nosso Deus e como reagimos a esta extraordinária presença. Portanto, estamos imitando os pastores ficando simplesmente maravilhados ou como Maria nos recolhemos em silêncio na oração e meditação para entender o grande mistério de Deus na nossa vida? Maria não é somente a mãe de Jesus, mas é também aquela que nos ajuda como entender a Sua presença. Essa sua escuta profunda e contemplação se torna modelo pra nós de verdadeira interpretação sobre o mistério de Jesus.

É o evento cristã marcado pela tensão entre glória e pobreza, majestade e pequenez. Por fim vemos a circuncisão do menino Jesus conforme a lei mandava. A circuncisão era um sinal de pertença ao povo de Israel. Dava identidade à pessoa. É nessa ocasião que cada criança recebia o seu nome. E José fiel ao anjo lhe põe o nome de Jesus. Este nome é o mesmo que o Josué, que quer dizer “Deus salvará”. Outro nome que em seguida será dado a Ele é “Cristo”, que significa “Ungido ou Messias”. Jesus é o Messias esperado. Um terceiro nome é “Emanuel”, que quer dizer Deus conosco. Portanto o nome completo é Jesus Cristo Emanuel!

Neste primeiro dia do ano esta Palavra de Deus nos abre a mente e o coração para meditarmos e contemplarmos como Deus compartilha a nossa vida e quer nos salvar para sempre. Por isso um bom ano para todos.

* Sacerdote e doutor em teologia.
E-mail: clpighin@claudio-pighin.net

Deus nos fala

Evangelho de Lucas 2, 1-14

 

O evangelista Lucas contextualiza o nascimento de Jesus num período histórico, bem determinado, que era o da “pax romana” do império Romano. É naqueles dias que se inicia o tempo da Salvação definitivo. Isto é, a ação de Deus se encarna na nossa história e é nela o lugar privilegiado. Significa que a sua revelação não é abstrata nem fora de nós.

Enganam-se aqueles que querem fazer uma experiência de Deus fora do contexto histórico. Maria e José encontram abrigo num estábulo encostado numa gruta, porque não havia lugar para eles na estalagem. E naquela região havia alguns pastores: os primeiros que receberam a feliz e boa notícia da ação redentora de Deus. Quem eram os pastores? Eles precisavam acompanhar o rebanho e, portanto, locomovendo-se continuamente.

Assim, não podiam prestar os devidos cultos nos tempos estabelecidos pela lei. Por isso, eram eles considerados infiéis, pessoas não dignas de fé nem apreço. Só para ter uma ideia, o testemunho deles geralmente não era aceito pelos tribunais hebraicos.

Portanto, o primeiro anúncio é dirigido a eles, pobres, os últimos da vida sócio religiosa daquele tempo. A partir dessas constatações, podemos reparar como Deus pensa e age na nossa história, surpreendendo-nos nas suas escolhas.

Para Ele, o que é mais importante é totalmente diferente daquilo que acontece na nossa sociedade. Quem não tem nada para o Senhor, em todos os sentidos, parece que tem um privilégio de maior atenção. Efetivamente, creio que a ação de Deus é sempre favorecer o ser humano que tem menos favores. Isto significa que ninguém é excluído por Deus, somente que a sua aposta é direcionada para quem está sem nada. Deus quer salvar a humanidade toda a partir de quem não tem favores nesse mundo. Uma lógica revolucionária para as nossas cabeças. Pois é, quando é que nós apostaríamos nos últimos para transformar essa nossa realidade tão complicada?

Outro aspecto sinalizado neste Evangelho é a presença dos anjos. Eles são os mediadores entre Deus e os seres humanos, preservando a transcendência de Deus. No Novo Testamento, eles têm o papel de estar a serviço da salvação da humanidade. Esses mensageiros anunciam uma grande alegria que não se limita somente aos pastores, mas a todo o povo. A maravilha do Santo Natal se revela exatamente nisso: sem os anjos os pastores não teriam entendido que aquele Menino deitado na manjedoura seria o Senhor. E também sem o Menino deitado na manjedoura não entenderíamos que a glória do verdadeiro Deus é bem diferente da glória humana.

A paz, segundo o hino dos anjos, se opõe a “paz romana” que era de poder e conquistas de civilização. No entanto, a paz de Deus é a realização na terra daquilo que acontece no “Céu”.

Portanto, para glorificar a Deus precisamos construir a paz.

Feliz e Santo Natal.

 

* Sacerdote e doutor em teologia;
E-mail: clpighin@claudio-pighin.net

Jesus Cristo, Plenite da Revelação III

Revelação é um acontecimento do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

O caráter pessoal da Revelação de Deus Pai atesta que Deus é Aquele que determina o significado de toda a realidade. Deus está na origem de si mesmo: a distinção com o que existe não é indiferente à distância ou à impassibilidade, mas uma condição para o ser humano entrar numa relação única e fascinante.

A revelação é o acontecimento do Filho, cuja existência é a expressão da paixão de Deus pelo ser humano, uma paixão que responde às perguntas que o homem faz a si mesmo, mostrando que a sua mensagem e a sua práxis são algo humano e humanizador, precisamente porque estão ligados à relação com Deus Pai.

Finalmente, a revelação é um acontecimento do Espírito Santo que, segundo o Novo Testamento, tem a tarefa de fazer uma memória histórica e objetiva de Jesus.

Trabalhando desta forma, o Espírito permite ao crente viver a sua existência em partilha e em conformidade com a atitude de Jesus que aceitou a fragilidade da vida e da morte segundo o plano do Pai, sem impor a lógica da sua própria visão das coisas. Neste contexto, compreendemos porque é que o Espírito é a fonte do exercício da Liberdade, na medida em que manifesta Deus e o Filho como comunhão, sobretudo como a capacidade de dar lugar ao outro.

Viver uns para os outros, realizar o convívio da convivência é a tarefa que o Espírito revela, mas também a expressão que revela como Pai, Filho e Espírito Santo são o princípio arquitetônico da história.

Deste modo, a novidade da revelação bíblico-cristã traz uma forma diferente de compreender os acontecimentos históricos, que representam a interação entre duas liberdades: a de Deus e a do ser humano.

É na interação entre as duas liberdades que se revela o significado da história, ou seja, a luta diária para traduzir o projeto do Reino, para dar sentido ao percurso do ser humano.

Afirmar que a revelação é um acontecimento histórico significa, portanto, estabelecer uma relação particularmente significativa entre a mensagem cristã e a realidade social, não só porque ao entrar na história a remove dos seus esquemas e determinismos, sejam eles económicos, políticos, ideológicos ou psicológicos, mas também porque revela dentro dos acontecimentos aquela orientação que pertence a Deus e que, se aceite, se torna o criador do sentido e da salvação.

A revelação cristã é um fato que é, ao mesmo tempo, o lugar da sua interpretação e compreensão. Não representa a conclusão do processo cognitivo do homem, mas o ponto de partida, a primeira palavra que Deus oferece ao homem para iniciar a sua busca. Deus não é um predicado do homem e do mundo, no sentido de que ele não é uma projeção humana ou uma função que cumpre dentro do mundo. O caráter pessoal da revelação de Deus atesta o fato de que é Deus quem determina o significado definitivo de toda a realidade.

Jesus Cristo – Plenitude da Revelação II

O fio comum que liga a reflexão teológica do século XX é que no caso da revelação existe uma estreita correlação entre o aspecto objetivo em que Deus toma a iniciativa de se comunicar ao ser humano e o aspecto subjetivo em que o ser humano é convidado a uma decisão livre e exigente em resposta ao que torna a existência significativa.
Tanto a teologia católica como a protestante do século XX sublinharam a centralidade da revelação de Jesus Cristo, que tem um significado para a concretude de cada vida sob a forma de amor e liberdade que traz consigo o fascínio da verdade.
A revelação produz um ponto de viragem na busca do porquê das coisas, pois não só abre o ser humano à possibilidade de entrar na perspectiva de Deus, mas permite vislumbrar como esta perspectiva representa o possível resultado da busca humana, a sua chegada ao seu destino.
Neste quadro, dois conceitos-chave encerram o significado da revelação como autocomunicação: a Palavra que entra na concretude histórica da vida e o Mistério pessoal do amor como a história da salvação.
A revelação não é a manifestação de algo relativo ao divino, mas a revelação de Deus naquilo que Ele é: o mistério do amor que desafia o ser humano, como um eu a chamar-te para o diálogo.
A natureza pessoal da revelação de Deus atesta o fato de que Deus é Aquele que determina o significado de toda a realidade.
A revelação gera, portanto, um ponto de viragem na procura do porquê das coisas, na medida em que não só abre a possibilidade do ser humano entrar na perspectiva de Deus, como também lhe permite ver como esta perspectiva representa o possível resultado da busca humana, a sua chegada ao seu destino.
Dentro deste horizonte existem dois conceitos-chave que, como já foi mencionado, encapsulam a Palavra que entra na concretude histórica da vida e o Mistério pessoal do amor que é proposto como a história da salvação.
Uma revelação de Deus só faz sentido onde Deus é pensado e experimentado como a origem livre do mundo, como um processo em que algo sempre novo acontece, e por isso o ser humano é chamado a aguardar continuamente o improvável e o incrível. Na perspectiva cristã, este improvável e inacreditável é o acontecimento da encarnação de Jesus, a forma definitiva da autocomunicação e autocomunicação de Deus, a Trindade.
Para concluir, o padre e teólogo K. H. Menke diz: “Até ao fim dos nossos tempos, não poderemos dizer nada. “Enquanto procurar Deus fora do evento Cristo, abstraio o “significado para mim” do “significado em si mesmo”. Só quando desço à carne através da minha fé é que a fé já não é a minha relação com Deus, mas a participação na autocomunicação do Deus encarnado”.

Comunicação: processo de identificação entre as pessoas

Todos temos de convir que uma vida urbana é bem diferente de uma vida rural.

O nível de comunicação entre as pessoas, portanto, também é diferente. Os laços de união entre as pessoas na vida rural são bem mais consistentes que na vida urbana. O sentido de pertencer a um grupo ou família é bem determinante. No entanto, na vida urbana, a pessoa se individualiza cada vez mais, sendo levada a tomar decisões sozinha, praticamente isolando-se. A pessoa no mundo urbano se torna o centro de tudo, e a comunidade ou grupo torna-se somente uma referência optativa. Exatamente ao contrário do mundo rural. O ser humano do mundo urbano é sempre mais solitário, porém, com o prazer de estar, às vezes, imergido na massa popular. Gosta do anonimato. Portanto, uma população concentrada na maior parte nas cidades, temos como consequência uma população marcada por um excesso de individualização.

Aí a gente se pergunta: qual é a comunicação que prevalece nesse tipo de vivência? Reconhecemos que o mundo urbano oferece também grandes possibilidades de conhecimento e de progresso, mas deixa as pessoas fragilizadas no tecido comunitário, e também sem rumo. Por que isso? Porque a pessoa em si, ainda que seja forte e preparada, não tem capacidade de viver sozinha. Não suporta uma vida determinada no isolamento. Não é suficiente viver encostados uns nos outros. Precisamos compartilhar. No final, a verdadeira comunicaçao é isso próprio: é um processo de identificação entre as pessoas. Com isso, estamos vendo que se torna difícil uma comunicação no mundo urbano, embora que se possua uma inúmera tecnologia de comunicação.

O indivíduo urbano tem a sua disposição uma mídia avançada, mas se torna incapaz de fazer uma verdadeira comunicação. Segundo pesquisas religiosas realizadas alguns anos atrás, a maioria dos brasileiros fez opção da religião por motivação pessoal, ditada pelos seus interesses de circunstância. Veja como o critério da subjetividade se tornou mais importante do que o critério da objetividade. A cultura urbana enaltece esse tipo de opção de vida subjetiva. Qual o resultado de tudo isso? Nesse caso, temos um crescimento de pluralismo religioso. O ser humano da cultura urbana tenta uma identidade, também na questão religiosa, a partir das suas necessidades, e quer uma resposta imediata. Com isso, o pluralismo do novo fenômeno religioso responde aos seus anseios.

Ele entra solitário e sai reconhecido. Fortalece uma nova identidade humana. O ser humano imergido em uma cultura urbana é cada vez mais lançado além das suas fronteiras, dos seus limites. Torna-se planetário e, assim, perde de vista aquele espaço de intercomunicação mais próxima. Tem dificuldades de se comunicar com as pessoas que vivem perto dele. Assim sendo, precisa resgatar uma comunicação que saiba valorizar o intercâmbio humano, e tentar relativizar a importância dos grandes meios de comunicação na convivência social.

 

A sabedoria da massa popular

Ainteligência da massa popular se expressa de maneira bem evidente quando tem um certo consenso comum naquilo que se tinha previsto.

Para melhor entender isso, imaginemos uma competição em que as pessoas devem advinhar o peso de pacotes com dez abacaxis. Ganha a prova o competidor que se aproximar do peso real das frutas. Podemos ter a certeza de que todas as declarações de peso podem chegar bem perto do peso real. Este é o princípio da sabedoria da massa popular aplicada à dinâmica de previsão. Agora, imaginamos de potenciar digitalmente esta possibilidade, juntando elementos de previsão pela rede. O que vai acontecer? Parece que a nossa sabedoria começa a hesitar, vacilar.

Praticamente, a nossa compartilha relacional continuada de conteúdos, via digital, acabaria com o efeito da sabedoria da massa popular. O conhecimento, justamente via on-line, das opiniões dos outros, dos nossos amigos, nos leva à ilusão de pensar que nós temos um consenso comum naquilo que queremos prever. A convergência das análises individuais leverá, na verdade, a um afastamento do fenômeno de prever. Vendo via on-line aquilo que os outros pensam, e nisto não são poucos, alimenta uma dependência, condicionamento social, que nos pode levar a se deixar levar pela massa da praça digital a uma conformação de opinião.

Com isto, significa que as pessoas não devem se influenciar entre elas e que cada pessoa tem de dizer a própria opinião, embora totalmente diferente. Ora, parece evidente que aquilo que se produz nos sites, paginas digitais, tem uns condicionamentos que proveem das relações sociais de amizade, de status, de grupos, ideologias etc. Eis aqui o perigo de transformar a sabedoria da massa popular em “estupidez do rebanho”. De fato, o limite entre essas duas realidades, sabedoria e estupidez, é bem pequeno e pode se discernir na falta de autonomia de julgar de quem faz uso dos network.

Essa autonomia de opinião, justamente, vem menos devido ao fato de ter, constatemente, necessidade de saber o que as pessoas pensam, dizem e, assim, se deixam levar para isso. O decrescimento da sabedoria da massa popular é constituída da nossa realidade social dominada pela midia. Continuando, o mesmo autor nos diz que as sociedades democráticas têm muitas dificuldades em realizar um conjunto de juízos independentes porque a perda de diferentes juízos parece ser necessária para fazer um processo decisional que seja transparente. Para melhor entender isso, vejamos as pesquisas de opinião e a mídia em geral que promovem intensamente avaliações de informação e, assim, produzem a nossa convergência do nosso modo de julgar a realidade, os fatos. Desse jeito, pode-se alimentar demais certezas, com falsas conclusões. Precisamos discernir melhor a nossa conduta e a maneira de pensar, para viver melhor a nossa liberdade.

A publicidade verdadeira pode ser uma grande ajuda para todos

A publicidade nos condiciona na nossa maneira de pensar e agir.

A partir daí podemos fazer umas avaliações da publicidade para considerá-la como sistema que possa sustentar os outros sistemas. É um fenômeno ao mesmo tempo fascinante, mas nem sempre controlável, com, às vezes, possíveis distorções de lealdade e honestidade. Podemos observar que temos comunicadores que priorizam a publicidade para aumentar a própria megalomania ou as ambições individuais. De qualquer forma, este fenômeno tem o alto sentido de persuadir, motivar e animar.
Para isso, os publicitários querem apresentar este processo quanto mais crivel e honesto. Desse jeito, vai fortalecendo e determinando a grande função do aspecto da venda. Aqui surgem as habilidades e a profissionalização para vender cada vez mais. Do outro lado, porém, é necessário persuadir o público, porque é ele que consome. Esta persuasão se funda nas seguintes propriedades: atenção, confiança, necessidade, urgência e compra. O primeiro mecanismo publicitário, adquiri-se o bem e assim se evita o mal. Mas a alma de tudo isso cabe na confiança total. É aqui que o fenômeno se concentra para conquistar a confiança das pessoas, por meio da “intimidade” criada com apostas e promessas que, às vezes, podem ser enganosas. Ou com informações que jogam sobre os instintos menos apreciados do ser humano, ou influenciados pela vontade ou pelo simples prazer.

A publicidade para uns é considerada também uma maneira de informar. E assim surgem atos publicitários que criam necessidades para incentivar o fator venda. É claro que aqui se explora de maneira às vezes exacerbada a questão da emotividade na percepção das necessidades. Aqui entra uma certa propaganda publicitária com seus slogans e o próprio autoritarismo que condiciona a vida do ser humano. Podemos também dizer que a publicidade é parte de um espetáculo, a arte profissional de atrair a atenção, para determinar a condição mental das pessoas.

Constatando essa realidade atual de publicidade e política, podemos reconhecer como elemento de informação ou de imposições mentais? É verdade também reconhecer que este fenômeno publicitário tem custos e estes custos não são baratos. E assim sendo nós nos perguntamos: este fenômeno está ao alcance de todos? Se não, de que maneira podemos reconhecer que esta ação possa fazer publicidade de maneira democrática e igualitária? Será que nascem também deste fenômeno os poderosos e os marginalizados?

Uma publicidade transparente, democrática e verdadeira pode ser uma grande ajuda para todos. Em tudo isso temos sempre de considerar que a referência máxima é o ser humano. É ele que deve ser promovido, e não ser instrumentalizado ou banalizado.

Processo equilibrado na comunicação

Precisamos se tornar pessoas humanas com toda a nossa identidade: pessoas verdadeiras, não vazias e nem manipuladas. A humanidade que existe em cada um de nós é irrepetivelmente única e precisa realizá-la em toda a sua plenitude e originalidade. Ora, o ser humano, que deve realizar essa operação central na própria vida, é chamado a nunca esquecer que o passado se une com o presente e caminha em direção ao futuro.

Isto vale na vida pessoal e na história da humanidade, porque a nossa existência não é um episódio simples, mas um evento comunitário. O ser humano, quando é autêntico, é pessoa, isto é, sujeito que vive junto aos seus semelhantes e com os seus semelhantes faz crescer a própria medida humana, a qualidade da sua fraternidade na convivência social. De que maneira ele cumpre essa extraordinária transmissão de vida? Comunicando, porque comunicando produz conhecimento, pesquisa, crescimento em todos os níveis.

Ora, as pistas da comunicação que ligam passado, presente e futuro em poder do ser humano são comunicação falada, comunicação impressa, comunicação escrita, comunicação audiovisual, comunicação telemática, comunicação cibernética. Seguindo estas pistas, realiza-se a nossa história e a história da humanidade. Seguindo estas atividades comunicacionais, produz-se não somente diálogo, mas cultura e sabedoria; trabalha-se pela construção de uma humanidade digna deste nome, porque o ser humano dá força e consegue se transformar em um ser humano do direito e do amor.

Tirar esta possibilidade de comunicar entre passado, presente e futuro quer dizer tirar do ser humano a possibilidade de ser ele mesmo e de construir aquele seu destino futuro que é a contribuição fundamental da história que estamos vendo e observando. Este atentado a formação humana tem como ponto de partida o terrível capítulo de tirar a memória do ser humano e, portanto, de eliminar o grande esforço do progresso. Em primeiro lugar, é eliminada a sua cultura e, neste caso, o livro é o símbolo mais representativo desta eliminação.

Assim sendo, podemos ir ao encontro de um grande risco perigoso e imbecil de uma televisão (também das redes sociais) ladra do tempo, o nosso precioso tempo livre, e mentirosa, subserviente somente às regras da curiosidade mais sentimental e não a lógica da verdade. Como consequência, parece reconhecer o primado aos espetáculos carnavalescos, aos mitos mais banais, as loterias bilionárias, ao sexo desenfreado, a dessacralização dos valores desde os religiosos aos civis. Isto acontece ao ser humano quando ele tem totalmente reconhecido como elemento determinante a emotividade. No entanto, nunca como hoje, torna-se urgente ligar a emotividade à razão para obter um processo equilibrado deste mundo digital.

O analfabetismo digital

A comunicação, o grande desafio do nosso tempo, é o fundamento existencial da relação humana, que tem o poder de fazer passar tal relação da essencial à existência, do intemporal (sem tempo) ao histórico. O destinatário assim procede em direção à meta de se tornar, não somente o que recebe comunicação, mas também que comunica. É um sujeito que procura e cria, determinado aprender a ser. É um laboratório de cor, sentimento, fantasia, razão, que o faz sujeito receptor e transmissor.

Como destinatário da comunicação audiovisual e das redes sociais, vive hoje imergido numa realidade flutuante, composta e heterogenia, experimentado o assim chamado conhecimento empírico. No entanto, não pode se tornar um recipiente, mas um filtro. Este é possível, se sabe se tornar no mesmo tempo comunicador e receptor. Este é o desafio que se apresenta hoje. Porém, não podemos negar também a grande importância que têm os instrumentos da comunicação social em promover a unidade e o progresso da família humana.

Porém para saber desafiar essa ferramenta digital precisamos conhecê‒la. No entanto percebo que é mais uma satisfação de mercado, onde as pessoas simplesmente adquirem sem ter uma preocupação de conhecer o seu uso, e se por acaso tiver um conhecimento é muito pouco. Assim sendo torna‒se escravo da tecnologia, isto é não tendo a capacidade de fazer um reto uso dela e no mesmo tempo recepcionar tudo o que ela pode conter. Efetivamente hoje podemos constatar em geral que não existe uma cultura, uma educação do mundo digital e suas ferramentas. É um grande vazio que toma conta de todos os setores da nossa sociedade. É o analfabetismo digital. Por isso existe cada aberração na fala das pessoas quando se referem a esse tipo de comunicação virtual.

Da mensagem de S. João Paulo II para a 25ª jornada mundial para as comunicações: “O uso dos meios de comunicação, hoje, a total disposição dos seres humanos, requer um alto sentido de responsabilidade com o qual se faz o seu uso”.

Não obstante, o progresso da tecnologia precisa reconhecer que o nosso tempo, e também a mídia, é marcado por um difuso sentido de insegurança. É a insegurança que gera os seus medos.

O tempo da telemática é, portanto, contraposto por um sentido geral de mal estar existencial, que constitui aquilo que chamamos de medo do ser humano contemporâneo. Ocorre, portanto, sermos preparados mentalmente e culturalmente para enfrentar esta situação de poder que seduz e, ao mesmo tempo, faz medo.

É Círio!

OCírio de Nossa Senhora de Nazaré é um patrimônio histórico e religioso dos paraenses. Essa expressão da cultura popular é manifestada com orgulho no segundo domingo de outubro, em Belém. Embora aconteça na capital do Pará, eu diria que a grandiosa procissão em homenagem à Virgem Maria é uma “bandeira” de identificação do povo amazônico. É uma festividade que congrega e une as pessoas. É uma maneira de expressar sua religiosidade, rica em emoções e gestos heroicos de solidariedade. Nessa mega manifestação, o paraense se sente povo de Deus que busca adesão ao seu Senhor, e se percebe livre para transbordar tudo aquilo que tem na vida e no seu coração. Mesmo que alguns devotos expressem sua fé de modo estranho ao catolicismo tradicional, essa vontade de se abrir a Deus é considerada rica de valores para serem exploradas. Por meio da devoção à Virgem de Nazaré, vejo nas pessoas uma grande sede de Deus. De fato, cada povo manifesta esse desejo do seu modo e de acordo com sua maneira de ser.

O Círio é de todos, também daqueles que, às vezes, nem frequentam a Igreja ou de outras denominações que não pertencem à Igreja Católica Apostólica Romana. Perante essa realidade, a Igreja se preocupa em evangelizar. É um momento histórico de unidade. Todos se sentem mais próximos e, consequentemente, adquirindo capacidade de discernir as necessidades das próprias pessoas. A partir daí acontece a Boa Nova, que ajuda a purificar, interiorizar e amadurecer o seu ser religioso no seu cotidiano. A devoção e o amor à Maria é um incentivo constante do culto divino para fazermos a experiência da nossa condição de filhos e filhas de Deus. Círio é fazer uma experiência de fé. Essa religiosidade tão rica, mas ao mesmo tempo vulnerável, acolhe com grande sensibilidade os valores inegáveis que ajudam a fazer um verdadeiro encontro com Deus, em Jesus Cristo. Círio, isto é, Nossa Senhora de Nazaré, é uma imensa oportunidade de realizar tudo isso.

O ser humano precisa de mediações e, sobretudo, daquelas que lhes são mais concernentes com a sua realidade. Maria de Nazaré foi como uma de nós. Por seu exemplo, os devotos recebem incentivos para imita-la em como ser bons filhos e filhas de Deus. É verdade também que há pessoas, nessas circunstâncias, qual do Círio, que podem se deixar levar ao perigo das superstições, a se limitar a uma manifestação cultural e nada mais, e a outras deformações. Mas é também verdade que o Círio pode ajudar a uma verdadeira evangelização através do desejo ardente de Deus, capacidade de incentivar a fraternidade com gestos abnegados e alimentar processos de despojamento e abertura aos outros.

Portanto, essa manifestação de fé no Círio de Nazaré não exclui nem sequer ofusca a mediação universal e insubstituível de Cristo. Celebrar mais um Círio é uma extraordinária oportunidade de resgatar e estimular a nossa condição de filhos e filhas de Deus.