Pe. Claudio Pighin

Páscoa: resposta à cultura midiática

Hoje, mais do que nunca, as pessoas são invadidas por “rios de palavras”, frutos de uma tecnologia perfeccionista e, ao mesmo tempo, exibicionista. Essa emergente onda comunicativa é fruto de uma civilização concentrada sobre a cotidiana experiência dos meios de comunicação social. Eles constituem a alma de cada ação humana. Portanto, aquilo que acontece na complexa e difícil atividade do nosso mundo é ligada à incidência da sequência de mensagens que invadem a vida de cada um, na presunção de oferecer a verdade.
Infelizmente, deve se notar que a busca pela resposta fundamental, que a humanidade tanto persegue, não passa através dos mecanismos do fruto da inteligência humana, que é aquela que nós hoje comumente chamamos de mídia. De fato, a opinião atual acha que esta mídia possa resolver o problema das conturbadas cotidianidades do ser humano moderno, o qual, porém, fica traído por esta sua aposta, porque suas principais perguntas ficam sem respostas. As propostas da cultura midiática se revelam insuficientes porque são ligadas à materialidade do ter. É uma comunicação que caracteriza o nosso tempo e que não consegue levantar, motivar as pessoas a ir além dos seus limitados e apertados horizontes.
A pessoa, sabemos, é algo muito mais que isto, vai bem além pela sua vocação que tem. O acontecimento da ressurreição entra neste contexto, permitindo uma visão que supera este nosso horizonte fechado. Hoje, mais que nunca, o nosso tempo registra esta situação. A Ressurreição nos testemunha a atualidade de sua mensagem. Páscoa se revela, assim como em todos os tempos e também hoje, a verdadeira leitura que propõe ao ser humano não se deixar levar sob a pressão da lógica do tempo que passa. A Ressurreição é uma proposta de comunicação encarnada, a qual é mediadora de vida. Nela, o projeto humano acha a plenitude da sua busca. Por isso, a sua celebração não pertence à retórica das tradicionais festividades.
Páscoa é a oferta viva e permanente em um tempo de presunção e de confusão. É evidente que nesta perspectiva a nossa comunicação, para ser vital, deve possuir alguns requisitos contemplativos do mistério pascal. Neste sentido, constrói-se um verdadeiro percurso comunicativo, a partir do evento da experiência cristã, mais do que o tecnológico. A Ressurreição nos ajuda a nos encontrar constantemente. Portanto, uma comunicação verdadeira tem de passar por esta experiência, que nos revela que vamos além de uma simples história humana. Como o Cristo ressurgido conseguiu dar tanta coragem aos apóstolos trancados no cenáculo por medo e que não hesitaram depois em sair para testemunha-Lo, assim nós podemos fazer da nossa comunicação que seja mais objetiva e verdadeira, na medida em que nos deixamos viver por este evento único na história.
Páscoa é tudo para nós. É a nossa festa, a nossa vida, é a nossa comunicação. A Páscoa nos ajuda a enxergar aquilo que nós humanos não sabemos ver.
Por tudo isso FELIZ PÁSCOA.

Senhor, meu coração não se enche de orgulho!

O salmo 130 das Sagradas Escrituras, por sinal bastante breve, é de uma confiança tão terna e suave que poderíamos comparar a uma cena bem familiar de uma mãe que tem no seu colo o bebê e o acaricia com toda a sua ternura. Veja o que diz esse hino:

“De Davi. Senhor, meu coração não se enche de orgulho, meu olhar não se levanta arrogante. Não procuro grandezas nem coisas superiores a mim. Ao contrário, mantenho em calma e sossego a minha alma, tal como uma criança no seio materno, assim está minha alma em mim mesmo. Israel, põe tua esperança no Senhor, agora e para sempre.”

São palavras suaves e de encorajamento, porque Deus socorre os seus filhos e filhas com o seu amor infinito. Já o grande profeta Oséias (11,1-4) mencionava a ternura de Deus em relação ao ser humano: “Israel era ainda criança, e já eu o amava, e do Egito chamei meu filho. Mas, quanto mais os chamei, mais se afastaram; ofereceram sacrifícios aos Baals e queimaram ofertas aos ídolos. Eu, entretanto, ensinava Efraim a andar, tomava-o nos meus braços, mas não compreenderam que eu cuidava deles. Segurava-os com laços humanos, com laços de amor; fui para eles como o que tira da boca uma rédea, e dei-lhes alimento.”

A respeito disso também Jesus falou sobre a grandeza da infância espiritual: “Os discípulos aproxima¬ram-se de Jesus e perguntaram-lhe: “Quem é o maior no Reino dos Céus?”. Jesus chamou uma criancinha, colocou-a no meio deles e disse: “Se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus. Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos Céus. E o que recebe em meu nome a um menino como este, é a mim que recebe (Mt 18,1-5)”.

O autor do salmo apresenta, por contrasto, duas atitudes que o ser humano pode assumir no seu cotidiano: da humildade e da soberbia. A soberbia é apresentada aqui com o símbolo da montanha, representada pela sua altura e, por isso, quis dizer que a pessoa vê de cima para baixo, manifestando toda a sua arrogância e grandeza, desprezando os outros. E, de outro lado, a humildade representada pelo fiel humilde. Ele é comparado a quem “não procura grandezas nem coisas superiores a ele”. O fiel humilde, portanto, é uma pessoa calada, bem distante da pessoa soberba que pretende, iludindo-se, de se colocar até no lugar de Deus.
No entanto, o humilde é parecido a um bebê desmamado, carregado nos ombros, no jeito da cultura africana. E essa comparação é parecida ao fiel que a sua vida não é determinada somente pela alimentação, mas, sobretudo, pela relação de confiança com Deus. O Deus parecido a uma mãe que acode o seu filho, dando todo o seu carinho e ternura. Poderíamos dizer que a vida do ser humano inicia na ação do espírito, autêntica confiança, totalmente entregue, mas aderindo com a própria liberdade e personalidade. E o Papa Francisco nos pergunta: “Quantas maravilhas fez Deus por mim? E esta é a libertação de Deus. Deus faz muitas maravilhas e liberta-nos.”

Do fundo do abismo, clamo a vós, Senhor!

“Do fundo do abismo, clamo a vós, Senhor; Senhor, ouvi minha oração.” É o início do salmo 129 das Sagradas Escrituras, muito conhecido pela tradição cristã. É um salmo penitencial, bem apreciado pela piedade popular. Palavras que iluminam o caminho dos fiéis para aumentar e reforçar a intimidade com Deus. É também muito usado pela liturgia fúnebre católica. Uma súplica para a vida que somente Deus pode garantir: “Que vossos ouvidos estejam atentos à voz de minha súplica. Se tiverdes em conta nossos pecados, Senhor, Senhor, quem poderá subsistir diante de vós? Mas em vós se encontra o perdão dos pecados, para que, reverentes, vos sirvamos.”

O salmista mostra que quem atrapalha essa intimidade com Deus são os pecados. Por isso, grita para Deus, pedindo perdão. E esta experiência da misericórdia do Senhor lhe permite de se chegar cada vez mais a Ele. Com esta proximidade, surge a questão do serviço e, por isso, a resposta do amor de Deus é retribuído com o serviço. É o amor divino que gera o temor. Nesse sentido, o fiel vai fazer de tudo para não se afastar dessa grande manifestação de existência misericordiosa de Deus. E assim prossegue o hino: “Ponho a minha esperança no Senhor. Minha alma tem confiança em sua palavra. Minha alma espera pelo Senhor, mais ansiosa do que os vigias pela manhã.”

O autor se coloca em primeira pessoa, insistindo na confiança e esperança no Senhor, fazendo alusão à imagem do vigia como exemplo de tudo isso. É essa tenacidade que o pecador convertido se apega: a sua libertação. E o autor do hino proclama assim: “Mais do que os vigias que aguardam a manhã, espere Israel pelo Senhor, porque junto ao Senhor se acha a misericórdia; encontra-se nele copiosa redenção. E ele mesmo há de remir Israel de todas as suas iniquidades.” Proclamação essa que envolve ‘todo Israel’ naquilo que se refere à culpa, à justiça e à redenção.

Como podemos constatar na primeira parte do salmo, o protagonista era o fiel e, no entanto, na parte final, o protagonista é o povo de Israel, o escolhido. Esta passagem do individual para o povo, mostra como a salvação se alcança ao nível comunitário, que hoje nós diríamos ‘eclesialmente’. A fé que o autor desse salmo descreve é a partir da redenção do povo de Israel da escravidão do Egito. Deus que resgata das circunstâncias históricas de opressão pelo faraó do Egito para conduzi-lo para uma terra de libertação. Esse mal histórico agora passa para a libertação do mal interior.

Assim sendo, constata-se como acontecem as virtudes divinas da misericórdia e da redenção. Poderíamos representar tudo isso com o exemplo de um pai quando resgata o filho perdido na escravidão e na miséria. A humanidade reconhece as suas próprias limitações cruéis e, portanto, se apega ao seu Deus para encontrar amor e libertação. O fiel, assim, faz a experiência que o mal pode ameaça-lo, mas não poderá vencê-lo, porque Deus é maior que o mal, os infernos humanos. Perspectivas de vida e não de morte.

Como me perseguiram desde a minha juventude!

O salmo 128 das Sagradas Escrituras revive o passado. Recorda um tempo cruel e sofrido para Israel quando o rei Nabucodonosor conquistou Jerusalém e a destruiu. Era o ano 586 antes de Cristo. O fiel resgata esse momento histórico como se fosse ele a figura principal. No entanto, o associa ao seu povo Israel, qual verdadeiro protagonista. De fato, o hino é uma queixa nacional que vira um protesto misturado pela dor, lágrimas e fortes emoções.

Ao mesmo tempo, o salmo revela a confiança que Deus vai intervir em favor do seu povo: “Mas o Senhor é justo, ele cortou as correias com que me afligiram os maus. Sejam confundidos e recuem todos os que odeiam Sião.” Na primeira parte do salmo, relembra-se a juventude de Israel, isto é, um passado de dor, sofrimento pela opressão dos inimigos. E o autor descreve essa opressão e tortura dos perseguidores que os venceram com os símbolos da agricultura: “Lavraram sobre o meu dorso os lavradores, nele abriram longos sulcos.”

Aqui está a grande novidade dos justos: o Deus que eles confiam se torna presente, fazendo justiça contra os opressores. É Deus o verdadeiro libertador deles e não as estratégias e poderes deles. O autor tudo expressa com a imagem agrícola da colheita e diz: “Que eles se tornem como a erva do telhado, que seca antes de ser arrancada. Com ela não enche as mãos o ceifador, nem seu regaço quem recolhe os feixes.” Por que o autor diz ‘como a erva do telhado’? Porque os telhados das casas da Palestina daquele tempo muitas vezes eram cobertas de terra batida.

Naturalmente, quando chovia, grelava erva. Mas, devido a pouca terra, não tinha possibilidade que germinasse nada. Assim sendo, nenhum ceifador podia tirar frutos daquele local: “Com ela não enche as mãos.” E a partir desse exemplo faz a comparação do destino dos inimigos do povo de Israel: que são iguais a erva seca, sem fruto, sem futuro. Perante uma cena estéril como essa, aqueles que enxergam tudo isso irão ironizar, achar graça e caçoa-los. É uma maldição que se precipita contra os inimigos de Israel.

Efetivamente, quando se participa de uma colheita rica e abundante se glorifica Deus e se pede que nunca venha faltar tanta fartura assim. No entanto, perante a frustrada ceifa dos perseguidores, inimigos, não se pode invocar a bênção de Deus: “Desça sobre vós a bênção do Senhor!”. Nem: “Nós vos abençoamos em nome do Senhor.” Com essa certeza que o juízo de Deus vai prevalecer na humanidade se conclui esta lamentação do povo de Israel, que na tradição cristã se tornou o hino do Cristo torturado e crucificado.

O salmista ainda proclama: “O Senhor é justo, ele cortou as correias com que me afligiram os maus.” E o papa Francisco durante a Missa na casa Santa Marta de 26.02.18 disse: “Sejam misericordiosos como o Pai é misericordioso. E mais: sejam generosos. Dai e vos será dado. O que me será dado? Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante. A abundância da generosidade do Senhor, quando nós seremos plenos da abundância da nossa misericórdia”.

* Sacerdote, doutor em teologia, mestre em missiologia e comunicação.E-mail: clpighin@claudio-pighin.net

Felizes os que temem o Senhor

O salmo 127 das Sagradas Escrituras é um louvor de alegria, de paz, de tranquilidade. Tudo isso é mostrado através de uma cena bem familiar dentro da sua casa ao redor da mesa, consumindo a refeição. É uma cena bem serena que se projeta idealmente até à cidade santa, isto é, Jerusalém, e todo o seu povo de Israel. É espontâneo dizer: ‘que alegria estarmos juntos, no Senhor’. O início desse hino é uma bem-aventurança em que se proclama: “Felizes os que temem o Senhor”, e logo em seguida encontramos a bênção: “Assim será abençoado aquele que teme o Senhor.”

Veja com que maestria e perfeição o autor desse salmo conseguiu descrever a imagem da bem-aventurança. Resgatou o símbolo agrícola, bem conhecida em Israel, da vinha fecunda e brotos de oliveira. Imagens essas que representam a prosperidade e fecundidade da vida. A vinha representa efetivamente o povo hebraico, mas que, neste caso, é aplicado à mãe da família, enquanto mulher fecunda e que gera vida. Quem teve oportunidade de ver uma vinha bem pesada, repleta de cachos de uva e de tantas folhas, pode imaginar a riqueza da vida, representada pela grande produção de vinho.

Da mesma forma é a mulher fecunda, com todos os seus filhos que compõem a mesa festiva, expressão essa de alegria, felicidade e bem-estar. É espontâneo dizer ‘como é bom estarmos juntos’. E a oliveira também representa a prosperidade para Israel. O autor desse hino faz a comparação dessa árvore com os filhos jovens, cheios de vida. E a bênção conclusiva se resume na felicidade da família reunida ao redor da mesa, na própria intimidade da casa. É evidente que a verdadeira bênção é o próprio Deus, que, neste caso, está presente na arca da aliança em Sião.

Uma presença sem fim, de geração em geração: “De Sião te abençoe o Senhor para que em todos os dias de tua vida gozes da prosperidade de Jerusalém, e para que possas ver os filhos dos teus filhos. Reine a paz em Israel!” E esta paz é a plenitude da vida. E a concepção da família não é entendida como uma célula fechada em si, mas como uma parte vivente da inteira comunidade. Deus sendo próximo do seu povo, naturalmente é também próximo a cada fiel. É uma aliança firme e garantida.

Termina o salmo com um espírito repleto de fé e alegre por ter a família uma existência de amor, de vida, de trabalho e de convivência com a própria sociedade quais sinais do amor de Deus. É um quadro perfeito de vida familiar que vive efetivamente a bênção favorável do Senhor: “Assim será abençoado aquele que teme o Senhor”. E, por fim, é bom relembrar que nas celebrações matrimoniais judaicas e cristãs, canta-se este salmo e que o papa Francisco iniciou a famosa Exortação Apostólica ‘AmorisLaetitia’, isto é ‘A alegria do amor’; o amor na família.

“Se o Senhor não edificar a casa”

O salmo 126, das Sagradas Escrituras, pode ser definido como o ‘salmo urbano’, que nos dá dicas essenciais para uma vida de cidade. A ‘vida de cidade’ se resume no meio de casas, construções, mercados, negócios, entradas e saídas de cidadãos, trabalho, segurança, conquistas, intrigas de poderes e famílias, conquistas e derrotas, insucessos e sucessos. O salmista diz que toda essa realidade feita de tanto trabalho e desgaste humano é um insucesso, se for sem Deus: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem. Se o Senhor não guardar a cidade, debalde vigiam as sentinelas.” A verdadeira felicidade, uma vida sem desgaste humano, provem da bênção e proteção de Deus.

Assim sendo, o fiel desse salmo quer exaltar o quanto é importante e definitiva a graça de Deus para dar força e coragem ao ser humano na sua breve e frágil vida terrena. Uma vida que não se entrega à confiança de Deus parece que perde a capacidade de se tornar fecunda e tranquila, porque é o amor e os dons Dele que garantem tudo isso: “Inútil levantar-vos antes da aurora, e atrasar até alta noite vosso descanso, para comer o pão de um duro trabalho, pois Deus o dá aos seus amados até durante o sono.”

E o maior prêmio e bênção por parte de Deus aos seus ‘justos’ é o dom dos filhos. “Vede, os filhos são um dom de Deus: é uma recompensa o fruto das entranhas.” Os filhos são o maior patrimônio dos seus pais. E por isso são gratos ao Senhor. Nesse sentido, também se reconhecia que aquele pai que tivesse tido filhos quando foi jovem teria sido sortudo porque teriam mais força, mais vigor e, portanto, teriam mais vida: “Tais como as flechas nas mãos do guerreiro, assim são os filhos gerados na juventude.”

Assim sendo, diz o salmista que quem tem filhos fortes e vigorosos, frutos da juventude, pode ficar tranquilo que enfrentará um futuro seguro, parecido a um forte guerreiro que sabe lutar e derrubar o inimigo. “Feliz o homem que assim encheu sua aljava: não será confundido quando defender a sua causa contra seus inimigos à porta da cidade.” Os filhos numerosos e fortes são a segurança para um pai que vive numa cidade para enfrentar os seus inimigos dentro e fora dela. E se quisermos fazer uma leitura cristã de tudo isso poderíamos dizer o seguinte que podemos ter que enfrentar tribulações e ameaças de vida, mas a confiança em Jesus nosso Senhor nos dá certeza que Ele venceu tudo isso.

O Santo Padre papa Francisco falou no dia 05.05.2015: “Tenham coragem nestes momentos. Eu venci, vocês também serão vencedores… “Esta primeira palavra nos ilumina para superarmos os momentos mais difíceis da vida, aqueles momentos que nos fazem sofrer. Somente Ele é capaz de nos dar a força, de nos dar a perseverança na fé, de nos dar a esperança”… “Na vida, temos que percorrer caminhos tortuosos, é a lei da vida. Mas nestes momentos, ao entregar-se ao Senhor, Ele nos responde com a paz. Este Senhor que é Pai e nos ama tanto e não desaponta jamais.”

Quando o Senhor reconduzia os cativos de sião

O salmo 125 das Sagradas Escrituras é um cântico do povo de Israel que fez ao retorno à própria pátria depois do exílio em terra babilonense. Isto ocorreu em 538 a. C. quando o rei Ciro ordenava a enviar de volta à Judeia todos os judeus cativos. É um hino alegre de agradecimento pela liberdade adquirida, mas, ao mesmo tempo, uma intercessão por um futuro incerto que podia acontecer. Começa o salmo exultando a liberdade: “Estávamos como sonhando. Em nossa boca só havia expressões de alegria, e em nossos lábios canto de triunfo.”

Perante essa libertação da terra babilonense, os judeus reconhecem que esse prodígio de Deus com o seu povo é uma manifestação da potência do Deus deles sobre os povos pagãos: “O Senhor fez por eles grandes coisas”. É a profissão de fé de Israel ao seu Deus. Em seguida, o salmo focaliza uma imagem típica da cultura do campo: “Os que semeiam entre lágrimas, recolherão com alegria.” Revela que Israel, perante a opressão, derrama lágrimas e, assim, parece que esteja cumprindo uma semeação cujos frutos não sabe se acontecerão, porque na sua própria ação não tem esperança.

Porém, chegando a libertação, pode realizar uma abundante e alegre colheita. E a história da salvação pode ser resumida na alternância das estações da natureza: tempo de outono, período não resplandecente, é tempo da semeadura e o verão, resplandecente, acontece a colheita. Imagem simbólica da salvação. Assim sendo, podemos resumir que a semeadura representa o tempo da espera e, portanto, também da prova. Uma expectativa que foge do controle humano. Por isso, o salmista invoca: “Mudai, Senhor, a nossa sorte, como as torrentes nos desertos do sul.” Isso para evitar o deserto da vida, a infelicidade. No entanto, a colheita representa a alegria, a liberdade e prosperidade.

Nesse sentido que os rios se tornem cheios de águas para que a estepe árida possa reflorescer: “Virão com alegria, quando trouxerem os seus feixes.” Essa imagem ajuda a compreender quanto é grande a ação de Deus na nossa vida. Uma vida que se torna frutuosa e repletas de produtos, quais símbolos da vida eterna. Assim sendo, confortados dessa esperança, somo impelidos a fazer o bem sem nos cansar.

Portanto, não podemos nos desanimar perante as provas da vida porque Deus nunca vai nos abandonar e nos vai conduzir pelos caminhos da vida sem fim. O papa Francisco falou na Audiência geral de 12.09.2018: “A misericórdia de Deus nos liberta e quando você se encontra com a misericórdia de Deus tem uma grande liberdade interior e tem capacidade de transmiti-la. (…) Há uma escravidão que aprisiona mais que uma prisão, mais do que uma crise de pânico, mais do que uma imposição de qualquer tipo: a escravidão do próprio ego. O ego pode se tornar um torturador que tortura o homem onde quer que esteja e lhe causa a mais profunda opressão, aquela que se chama “pecado”, que não é uma simples violação de um código, mas fracasso da existência”.

Se o senhor não tivesse estado conosco!

O salmo 123 das Sagradas Escrituras nos narra uma oração que muitos peregrinos faziam durante o rito litúrgico ao chegar ao templo de Sião. O salmo focaliza dois momentos diferentes. No primeiro momento, diz o seguinte: “Se o Senhor não tivesse estado conosco, os homens que se insurgiram contra nós teriam então nos devorado vivos. Quando seu furor se desencadeou contra nós, as águas nos teriam submergido. Uma torrente teria passado sobre nós. Então, nos teriam recoberto as ondas intumescidas.”

O que notamos aqui? Um simbolismo negativo das imponentes águas. Elas, nas Sagradas Escrituras, são imagens do caos, do mal e da destruição. Representam o mal. E parece que esse fiel tinha uma sensação tão forte de se encontrar ao longo de uma praia com ondas gigantescas que a invadem. Águas que submergem a terra firme. Depois o autor desse salmo passa dessa imagem das águas ao simbolismo do caçador: “Bendito seja o Senhor, que não nos entregou como presa aos seus dentes. Nossa alma escapou como um pássaro, dos laços do caçador. Rompeu-se a armadilha, e nos achamos livres.”

O fiel súplica ao seu Deus ajuda e força para ser libertado. Portanto, mostra como o fiel bendize o seu Deus por tê-lo tirado do perigo do seus caçadores: “Nosso socorro está no nome do Senhor, criador do céu e da terra.” Assim, estamos reconhecendo que águas e caças se entrelaçam, para fazer o que? Para mostrar como os perigos mortais da vida estão presentes, mas quem confia no Senhor não deve temer porque será liberto de tudo isso. Não temerá nenhuma cilada.

Assim sendo, o salmo se resume justamente na frase inicial: “Se o Senhor não tivesse estado conosco!” As dramaticidades da vida enfrentadas com Deus não derrotam o ser humano. De fato, o salmo revela as consequências se Deus não estivesse com a pessoa. Aquele que evitou por pouco a morte, preservou a vida sem ser atingido de nada, sente-se de viver mais ainda. E termina o salmo dizendo: “Nosso socorro está no nome do Senhor” e desse jeito sente-se tranquilo e sereno para conduzir a sua vida.

O papa Francisco, na audiência geral da quarta-feira, 25.01.2017, disse o seguinte: “Caros irmãos e irmãs, nunca coloquemos condições a Deus mas, ao contrário, deixemos que a esperança vença os nossos receios. Confiar em Deus quer dizer entrar nos seus desígnios sem nada pretender, aceitando inclusive que a sua salvação e o seu auxílio cheguem a nós de modo diverso das nossas expetativas. Pedimos ao Senhor vida, saúde, afetos, felicidade; e é justo fazê-lo, mas com a consciência de que até da morte Deus sabe haurir vida, que é possível experimentar a paz inclusive na doença e que até na solidão pode haver serenidade, e bem-aventurança no pranto. Não somos nós que podemos ensinar a Deus o que Ele deve fazer, aquilo de que temos necessidade. Ele sabe-o melhor do que nós e devemos ter confiança porque os seus caminhos e os seus pensamentos são diferentes dos nossos.”

Levanto os olhos para vós!

O salmo 122 das Sagradas Escrituras focaliza a importância dos olhos para a vida do ser humano. De fato, diz-se que eles são o espelho do interior da pessoa, permitem perscrutar as pessoas. Aliás, às vezes, justamente se reconhece que os olhos nos olhos valem mais de tantas palavras ou discursos entre os indivíduos. A linguagem é muita mais forte do que as outras linguagens. O salmo tomado em consideração é enfocado sobre os olhares que se encontram.

Diz o seguinte: “Levanto os olhos para vós, que habitais nos céus. Como os olhos dos servos estão fixos nas mãos de seus senhores, como os olhos das servas estão fixos nas mãos de suas senhoras, assim nossos olhos estão voltados para o Senhor, nosso Deus, esperando que ele tenha piedade de nós.” E como os olhos dos servos observam minuciosamente as mãos dos seus patrões para captar qualquer mínimo gesto que possa revelar a vontade ou bondade deles.

Na simples invocação pessoal e comunitária, é comparada ao mundo dos palácios reais de Oriente, onde a esperança dos pobres neles depositam confiança. Assim, o fiel que reza, intercede Deus, alimenta a esperança de que seus inimigos serão derrotados; a justiça será feita e a sua libertação está próxima. A relação do fiel com o seu Deus é o esteio da sua vida. Porém, precisa também evidenciar que é bem diferente essa confiança entre os servos e os seus patrões e os fieis com Deus.

A relação de submissão a Deus gera salvação, bondade, piedade. É bem diferente a submissão aos patrões que a Deus. É uma submissão que gera promoção, liberdade e vida. Na segunda parte do salmo, evidencia-se outra simbologia chamada de saciedade, de fartura, não de comida ou de favores, mas de desprezo e zombarias: “Tende misericórdia de nós, Senhor, tende misericórdia de nós, porque estamos saturados de desprezo. 4. Nossa alma está em excesso repleta da zombaria dos opulentos e do desprezo dos soberbos.”

E o autor do salmo explica que a causa desse imenso sofrimento provém de duas classes sociais que ele define os “opulentos”, isto é, aqueles que não precisam e nem estão aí com Deus e assim chegam até ironizar os outros, e os soberbos. Perante toda essa situação, Deus, que é o Senhor da Vida, toma ‘partido’ em favor dos que são escravizados. Deus tem compaixão dos que o imploram e pedem a sua ajuda. O Deus da Vida é justo e tem piedade.

E o papa Francisco no ‘Angelus’ do dia 16.12.2018 falou o seguinte: “A consciência de que nas dificuldades podemos sempre dirigir-nos ao Senhor, e de que Ele jamais refuta nossas invocações, é um grande motivo de alegria”. E continua o Santo Padre: “Nenhuma preocupação, nenhum medo jamais conseguirá tirar-nos a serenidade que vem não de coisas humanas, das consolações humanas: não; a serenidade que vem de Deus, do saber que Deus guia amorosamente nossa vida, e o faz sempre. Mesmo em meio aos problemas e aos sofrimentos, esta certeza alimenta a esperança e a coragem.”

Que alegria: “vamos subir à casa do Senhor”!

“Que alegria quando me vieram dizer: Vamos subir à casa do Senhor”. O salmo 121, das Sagradas Escrituras, inicia com essa manifestação de felicidade por realizar seu grande desejo de visitar a cidade Jerusalém. Às suas portas, o salmista fica vislumbrado pela sua grandeza e magnificência. “Eis que nossos pés se estacam diante de tuas portas, ó Jerusalém! Jerusalém, cidade tão bem edificada, que forma um tão belo conjunto!” E a partir dessa contemplação, o autor do salmo proclama o centro de unidade das doze tribos de Israel, que em Sião se unem numa única fé. Além do mais, Jerusalém, a cidade santa, é o único âmbito do culto legítimo, segundo a lei de Israel, como o livro do Deuteronômio descreve, o centro da liturgia no templo.

Devido a isso, os judeus tinham a obrigação de fazer a peregrinação à cidade santa para celebrar a própria fé em Deus nas solenidades de Páscoa, Pentecostes e das Tendas: “Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor, segundo a Lei de Israel, para celebrar o nome do Senhor.” Perante tudo isso, Jerusalém é a sede da ‘casa de Davi’, isto é, a dinastia na qual Deus tinha escolhido de se revelar ao seu povo. E por fim aparece: “Lá se acham os tronos de justiça, os assentos da casa de Davi.” Sendo a capital politica, Jerusalém era também a sede do tribunal superior onde os tribunais locais se dirigiam. Era nessa sede superior que as controvérsias iam ser resolvidas de maneira definitiva, e isto tranquilizava o povo que conseguia a justiça.
Nos versículos finais, de 6 a 9, há uma querida saudação a Jerusalém: “Pedi, vós todos, a paz para Jerusalém, e vivam em segurança os que te amam. Reine a paz em teus muros, e a tranquilidade em teus palácios. Por amor de meus irmãos e de meus amigos, pedirei a paz para ti. Por amor da casa do Senhor, nosso Deus, pedirei para ti a felicidade.” Tudo é cadenciado pela palavra ‘Paz’. É um augúrio e, ao mesmo tempo, uma saudação na ‘cidade da paz’. A paz que aqui menciona é a paz messiânica que manifesta felicidade, prosperidade, serenidade e bem. A respeito disso, podemos observar também que no versículo 9, em que expressa quase um adeus à cidade santa, a paz citada se une ao bem, de onde vem a famosa expressão franciscana: “Paz e bem”.

Essa tradicional saudação ‘paz e bem’ provém, portanto, do contato com a espiritualidade hebraica. Somente a partir do XV século começa a se difundir no ambiente franciscano esse tipo de saudação. Papa Francisco falou na peregrinação à Terra Santa em maio de 2014: “A paz é um dom que se deve buscar pacientemente e construir «artesanalmente» através dos pequenos e grandes gestos que formam a nossa vida diária. Consolida-se o caminho da paz, se reconhecermos que todos temos o mesmo sangue e fazemos parte do género humano; se não nos esquecermos que temos um único Pai no Céu e que todos nós somos seus filhos, feitos à sua imagem e semelhança.”