Pe. Claudio Pighin
Qual é a esperança que a igreja oferece ao povo hoje?
Todo mundo sabe, exceto aqueles que ignoram a história, que a Igreja marcou profundamente sua história, com o testemunho da caridade, sobretudo com os mais pobres e doentes. Estamos vivendo agora tempos difíceis e marcados pelo medo. Temos medo por esta pandemia que toma conta do pequeno planeta terra. Temos medo pelo futuro incerto e tantas limitações que estamos passando. Portanto, a insegurança presente e o futuro incerto nutrem medo e enfraquecem a esperança.
É evidente que, para vencer tudo isso, precisamos combater o egoísmo e superar o individualismo que tanto nos sufoca. Perante um cenário como esse, como o cristão deve agir? Temos muitas tentações a respeito, mas sobretudo aquela de se deixar atrair por uma espiritualidade que pretende se refugiar numa salvação como bem-estar individual. Estamos na presença de uma crença em um Deus único, supremo, mas personalizado e providencial. Assim sendo, parece que estamos diante de um Deus energia, de um moralismo proveniente da antropologia, a salvação como paz e tranquilidade do coração.
Nestas posições bem individuais, a verdadeira esperança some e, principalmente não pode ser cristã. Por quê? A esperança é para todos ou não é? Se espera por todos ou não? A esperança como os cristãos não pode se fechar no egoísmo. Então, surge a pergunta: qual é a esperança que se anuncia na nossa missão cristã? Creio firmemente que Jesus Cristo nos dá essa resposta. Vivendo o seu ensino e testemunho, fica evidente que aquela atenção que deu para os últimos, os doentes, os sofredores, os opressos é uma ação de grande amor.
Aquela cruz tão horrível é a profunda ação de amor totalmente doado para toda a humanidade. Assim sendo, a esperança se determina nesse imenso amor para todos. Jesus viveu e morreu não para alguns, mas para todos. Por isso, a verdadeira esperança cristã se fundamenta além do próprio “eu”. Uma esperança que se baseia no amor não tem limites de ir ao encontro de pessoas, de espaço e de tempo. Esse amor não pode terminar, mas dar a esperança da grande perspectiva da grandeza da vida.
E a ressurreição de Jesus é a resposta definitiva que o seu amor para a humanidade não foi em vão, não foi tempo perdido, mas, pelo contrário, revelador de VIDA. E a esperança que devemos propor, para todos e sempre, é que o Amor está acima da morte. O Amor de Jesus é mais forte que a mesma morte. É essa a esperança que devemos anunciar e testemunhar. As pessoas estão sedentas disso, dessa esperança forte que abranja o mundo todo. De saber que a nossa humanidade é projetada além do quotidiano.
Isto caracteriza o grande impulso missionário. Perante tantos problemas e indiferenças em relação a Deus e a Igreja, vamos testemunhar a Esperança que se centraliza em Jesus Cristo. Uma Esperança que nos sustenta e dá coragem na nossa peregrinação terrena de ir sempre ao encontro do outro para ouvi-lo e se solidarizar com ele: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo.” (Jo 15,12)
Estamos cansados de Deus?
É extraordinário fazer a experiência de Deus em minha vida. Essa maravilha, no entanto, desperta em mim alguns pontos de preocupação, que parte do meu mais profundo íntimo: será que nossa geração acredita em Deus? Será que em nossas igrejas se acredita em Deus? As nossas lideranças acreditam em Deus? Por que minha apreensão? Essa mudança radical de culturas e convivência sociopolítica nos fragilizou demais e, ao mesmo tempo, nos distanciou fortemente.
Só para se ter uma ideia, hoje cada um tem uma concepção de Deus, de Igreja e de autoridades eclesiais. Hoje em dia, há até católicos que rejeitam o papa, por considera-lo falso. Uma mudança radical de viver a mesma Igreja. Por isso se multiplicam igrejas e cada uma achando de ser a verdadeira. Cada fiel se tornou uma ilha. No entanto, a Igreja, pelo seu percurso histórico bíblico e do magistério, nos ensina insistentemente que Ela é missionária.
Não se pode seguir o Senhor Jesus Cristo sem ser por Ele enviado. Portanto, devemos discernir como atualizar o mandato de Jesus Cristo: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”. Aquilo que reconheço, no entanto, é a falta da verdadeira missionariedade das comunidades e igrejas locais. Na verdade, fala-se muito de missão e missionariedade, mas estão longe em praticar tudo isso.
Denota-se uma falta de coragem de deixar tantas certezas de bem-estar para viver no meio da pobreza, da fome e da violência. Podem ver como, por exemplo, os institutos exclusivamente missionários, que tanto deram testemunho heroico de evangelização ao longo da história, envelheceram e se esvaziaram. Perderam aquela força e vigor, tornando-se precários. Neste sentido, o papa Francisco está sacudindo a própria Igreja para que se torne uma “Igreja em saída”, caracterizando assim a sua missionariedade bem dinâmica e viva.
Para fazer isso, evitando slogans, nasce a vontade de uma mudança radical de viver a Igreja. E a partir dessa mudança que se pode viver verdadeiramente a Missão que lhe é própria. Assim sendo, todo batizado e toda comunidade cristã se sentem responsáveis da evangelização. Naturalmente, isso requer ‘conversão’. Conversão para poder caminharmos juntos: pastores e rebanho. Isto é urgente para que todo mundo possa conhecer Jesus Cristo.
Às vezes, penso, quando digo isso, que a maioria considera que essa evangelização é feita para aqueles que não acreditam ou não tiveram a possibilidade de conhecer a grande verdade da Boa Notícia, mas reconheço que sobretudo aqueles que integram as comunidades necessitem dessa evangelização. Já o papa São João Paulo II exigiu uma Nova Evangelização, porque reconheceu o quanto estamos longe do verdadeiro encontro com o Nosso Senhor Jesus.
Creio que hoje estamos todos em terra de missão. Vivemos numa época bem secularizada e urge a missão. A nossa história é marcada por uma indiferença à religião, à busca de Deus, ao pertencer à Igreja. Está acontecendo uma revolução silenciosa que muda profundamente a identidade das nossas comunidades. Enfim, temos sonhado uma Igreja evangelizadora e, no entanto, nos encontramos perante a uma Igreja não evangelizada.
Missão Friuli Amazônia
A Missão Friuli Amazônia é fruto de uma experiência de comunicação em comunidades. O cenário onde tudo começou foi a periferia metropolitana de Belém.
Diante da problemática juvenil, em 1997, um grupo idealizou um curso de Capacitação de comunicadores e receptores dos meios de comunicação, para jovens pobres da grande Belém, com o intuito de capacitá-los, a partir dos instrumentos da comunicação social. A ideia ganhou força e parceiros. No ano seguinte, o sonho do grupo virou realidade: nascia o curso básico de comunicadores e receptores de rádio, jornal e televisão.
O piloto dessa experiência bem sucedida foi o bairro do Icuí-guajará, em Ananindeua, região metropolitana. A congregação dos irmãos Lassalistas cedeu uma sala, na escola ‘Celina del Tetto’, para a realização das aulas teóricas. 30 estudantes foram inscritos. Naquele ano, o curso teve a duração de cinco meses.
A grade curricular era o atestado da excelência do aprendizado: os alunos tinham aulas de teoria da comunicação até noções de cinegrafia. Ao término do curso, a turma apresentava um trabalho prático e recebia o certificado.
Da comunidade do Icuí foi para outras áreas. O resultado do primeiro curso de comunicação foi positivo e não podia parar. Criteriosamente, a coordenação escolheu bairros de Belém onde a exclusão e o risco social eram maiores. Nos anos seguintes, o curso atendeu moças e rapazes do Guamá, Coqueiro, Marco, Terra Firme, Cremação, Panorama 21, Bengui, Tapanã e Icoaraci.
A Missão Friuli Amazônia (nome dado em alusão a uma região da Itália do norte, onde tem uma grande parceria) nasceu do ideal da comunicação que transforma o ser humano, a partir de sua história pessoal e do convívio comunitário.
Nesta perspectiva, em 2005, foi criada a ONG “Missão Friuli Amazônia”, como sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter beneficente, educativo, cultural, religioso e de assistência social. O objetivo da ONG é fundada em tres pilares: formação, produção e espiritualidade. Mas de 2005 para cá, várias ações foram desenvolvidas, com o apoio ou protagonismo da Missão Friuli Amazônia.
O estatuto reza que a Missão Friuli Amazônia tem entre os seus objetivos:
– oferecer capacitação na área técnica de comunicação social a jovens da Amazônia Oriental;
– dar acompanhamento espiritual a jovens ligados aos cursos de formação da escola, bem como a agentes sociais que buscarem assessoria de comunicação e espiritualidade;
– contribuir no processo de assistência social aos jovens envolvidos nos cursos de capacitação oferecidos pela escola, através de convênios com o Estado e ajudas beneficentes de entidades de cooperação e pessoas físicas.
E para isso nasceu o curso técnico de Comunicação Social, da Missão Friuli Amazonia, também com repercussão internacional. Em 2007, Ana Bella Biache Bul, veio da África para estudar com os paraenses. Ela trabalha em uma rádio de Guiné Bissau e passou um ano em Belém, sendo estudante do curso técnico. A experiência bem sucedida garantiu vaga para outro estudante de Guiné Bissau, Jacinto Mango, aluno da turma de 2008. A permanência dos africanos, em Belém, foi amparada pela Missão.
Além do curso técnico de Comunicação Social, em pouco tempo, a ONG realizou ações assistenciais, produziu conhecimento e promoveu eventos importantes na área da educação.
Coronavirus na Itália
Ruas desertas, silêncio profundo. Os comércios estão vazios; as igrejas, sem celebrações. As escolas foram fechadas. É o Nordeste da Itália, onde estou nesse momento. As pessoas estão muito preocupadas: coronavirus é o espectro dominador. A epidemia começou na China no fim de 2019 e daí se espalhou em 28 países. A Itália é o terceiro país no mundo em número de contágios. Até esse momento (25.02.2020), já temos na Itália 322 casos confirmados, com onze vítimas. Aquilo que me surpreende é o alarmismo que está tomando conta das pessoas.
Só para se ter uma ideia, os contatos se esvaziaram, as prevenções de evitar o toque de mão estão tomando conta, as pessoas munidas de mascaras para colocar no rosto crescem sempre mais. Também foram canceladas as manifestações carnavalescas, como a famosa festa de Veneza. Jogos importantes do campeonato italiano de série A foram cancelados, entre eles em Milão e Verona. Até às 24 horas do primeiro de março, deve-se manter esse regime férreo de prevenção. E as pessoas que encontro ficam perplexas, apavoradas, e me confiam: “Será que vamos sair dessa? Até quando podemos aguentar tudo isso? O que vai acontecer conosco? Será que a minha tosse é sintoma de coronavirus?”
Tudo se abalou. Tanto o povo quanto todas as organizações sociopolíticas e religiosas. Eu fico olhando este deserto que improvisamente surgiu neste ambiente tão belo e superorganizado. É espontâneo pensar o quanto é fácil colocar em crise também uma sociedade bem estabilizada e antiga como a italiana. Parece-me que se está num estado de guerra. Talvez esse é ainda pior, porque o inimigo é invisível e se tem dificuldade em como combate-lo. Será que isso é o futuro das novas guerras? Uma coisa é certa: este vírus tão invisível se tornou um gigante entre nós e bota medo sem fim.
Também a economia está sofrendo as consequências desta difusão do coronavirus. Está desestabilizando tudo e, sobretudo, a emotividade das pessoas, a convivência civil do ser humano, porque a pessoa começa a suspeitar da pessoa que pode ficar por perto. Assim sendo, este vírus põe os homens e as mulheres um contra o outro. Creio que nunca como hoje e nestas situações a melhor resposta a tudo isso seja a fé e a cultura, que, certamente, não evitam as dificuldades, mas ensinam como enfrenta-las. Perante a tanta desesperação o convite é a ser humanos e como tal ficar. Não podemos nunca esquecer que o gigante não é o coronavirus, mas nós, seres humanos. É uma lição de vida para qualquer calamidade em nossa vida.
Deus nos fala
Evangelhode Mateus5, 13-16
No Evangelho de hoje, recebemos uma importante instrução sobre a missão da comunidade. Qual é o comportamento que ela deve ter para ser missionária. A resposta é que ela deve ser o sal da terra e a luz do mundo.O sal é um elemento indispensável na vida do ser humano. Ele não somente dá sabor aos alimentos, mas também ajuda o equilíbrio dos minerais que o nosso corpo precisa e que ajudam a saúde.Jesus se serve deste exemplo para indicar a sabedoria que caracteriza a verdadeira vida cristã. O sal e a luz não existem por si, mas para dar sabor e iluminar o caminho.Por isso, falou Jesus: “Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no candeeiro, onde ela brilha para todosos que estão em casa.”
A comunidade não existe para si, mas para servir o povo.Mateus escrevia o seu evangelho para as comunidades convertidas dos judeus. Elas se sentiam marginalizadas pelas sinagogas, pois estas cortavam o passado delas, que foi judeu. Tudo isto gerava tensões, conflitos e dúvidas.A abertura de alguns parecia criticar a observância de outros. Neste sentido, levou-os a se fecharem em si mesmos.Era natural, portanto, que se perguntassem, no final, qual é a nossa missão? E Mateus procura ajudá-los com as palavras de Jesus,que demonstram qual é a missão e a razão de ser de cada comunidade cristã: ser salvo.
Esta sabedoria é, sobretudo,dom do Espírito Santo que precisa protegê-la de tudo o que possa prejudicá-la.E esta sabedoria é saber dar espiritualmente sabor a tudo que fizermos em nome de Jesus, o Cristo. Revela-me também os meus irmãos para compreender, perdoar, ajudar e servir. Quem não consegue entrar nesta lógica é como o sal que não serve mais pra nada e é pisado pelos homens. Também a luz do mundo representa a comunidade que deve iluminar através das suas boas obras. Tudo isto não se faz para poder aparecer, mas para manifestar a presença de Deus. A luz, como o sal, não existe para si. Assim deve ser a comunidade. É bom observarmos aqui que Deus é apresentado como Pai. Por que isso? Na cultura da época, Pai é aquele que gera e no mesmo tempo comunica a vida. Portanto, é Ele a nossa garantia de vida. Assim sendo, o convite de Jesus o Cristo é de termos atitudes, exemplos que ajudem a sociedade, como um todo, a ser iluminada pelo Evangelho, porque ela tem sede da verdade de Deus.
Por conseguinte, não podemosnos fechar em nós mesmos, mas sim testemunhar a presença de um Deus como nosso Pai.Desse jeito se torna uma presença amorosa e confortadora que nos fortalece e sustenta na nossa caminhada. No final, pergunto-lhe: como se torna sal e luz para o mundo que está ao seu redor? Como testemunha o seu real interesse por Jesus?Como contribui para que a sua comunidade seja luz para a sociedade? E na sua família?
O narcisismo digital
Estamos imersos totalmente em uma cultura digital e aquilo que se destaca pode ser classificado de ‘narcisismo’. Por que isso? Constata-se como o individualismo está imperando no nosso meio. Diria um individualismo até exasperado e que se presencia em todos os níveis. Por exemplo, até na fotografia se realiza a famosa ‘selfie’, que permite fazer tudo sozinho, dando a total liberdade de autorreferência e autoexecução. Não só, a tendência da juventude é ter uma forte característica narcisista. Esta, poderíamos dizer, é uma epidemia que,com o tempo,cresce mais e mais.
Nota-se como o ‘eu’ está pronunciado e escrito intensamente e constantemente. Na vida cotidiana, na televisão, nos jornais, nas redes sociais, o ‘eu’ domina tudo. Pode observar como até na políticao protagonista é o ‘eu’. É uma realidade, podemos dizer assim, escravizada pelo espelho.Além do mais, estamos nos limites de um ‘narcisismo exacerbado’. As redes sociais estão cheias de informações, às vezes, bem banais, cheias de fotografias e de proclamas. Torna-se público até as sequencias bem pessoais e de vida familiar.
E, depois, mais interessante é ainda quando aparecem muitos ‘like’ e ‘follower’, em que mostram o grau de satisfação dos interessados. Então, é legítimo se perguntar:o que poderá acontecer quando o mecanismo autopromocional de personagens importantes, tipo Messi ou outro, queviraliza, torna-se referência de imitação, também para um jovem de Belém ou de outra cidade da Amazônia?
Já teve a respeito pessoas que tentaram dar uma resposta a tudo isso. Creio que se pode dizer que o ‘narcisismo’ é o encolhimento em si da própria energia vital, isto é, permitir de se enriquecer através do intercâmbio de experiências e, ao mesmo tempo, se colocar em jogo, perdendo em parte algumas certezas. E também o narcisista achando de ser poderoso, pode chegar a negar o limite da morte. Ele é o poderoso! Essa nova cultura digital-tecnológica convida a se restringir sob o aspecto afetivo e, ao mesmo tempo, evitar ter brigas com os outros.
Assim sendo, parece que se projeta a substituir as relações humanas com o investimento dos objetos, porque eles não comprometem a própria personalidade. Desse jeito, a capacidade das pessoas que se sentem totalmente satisfeitas das suas realizações acabase enfraquecendo ou até se tornam ausentes.Sob o aspecto educativo, por exemplo, quando os pais procuram dar tudo para os próprios filhos, desta forma, evita-se cada conflito, e assim compromete-se o crescimento psíquico. De fato, tirar dos próprios filhos das provas de responsabilidades e de compromissos contribui a criar gerações auto-gratificadas e autorreferidas.
Comtudo isso, o narcisismo se torna o protagonista na nova realidade cultural em que os relacionamentos se relativizam, fragilizando toda verdade e objetividade. A essa altura, torna-se muito difícil praticarmos os valores comunitários e, sobretudo, praticarmos o ensino e testemunho de Jesus.
A memória não é mais nossa
Iniciando o novo ano 2020, muitas considerações passam pela minha mente. É lícito se perguntar, por exemplo, até que ponto nos lembraremos das coisas passadas? Até que ponto as novas gerações têm conhecimento bem objetivo daquilo que se passou? Até onde chega a nossa memória? Parece-me que a cultura analógica, do passado, tinha mais uma pressão sobre a memória e, no entanto, a cultura digital se reforça mais na ação da tecnologia. As pessoas de mais de idade, de cabelos brancos, se recordam, por exemplo, que para aprender a fazer as primeiras contas usavam expedientes bem manuais. Isto se acabou quando entraram no mercado as calculadoras eletrônicas e depois as digitais.
Um procedimento simples, mas totalmente diferente. Passou-se do esforço de memória pessoal para o esforço de uso da técnica. Enfraqueceu-se o uso da memória e fortaleceu-se os auxílios da memória, fornecidos pela tecnologia. Assim sendo, daqui alguns anos somos capazes de esquecer datas importantíssimas que constituem a nossa tradição para deixar espaço ao presente imediatista. Desse modo, acontece com toda a linguagem simbólica que vai perdendo a sua capacidade de transmitir os múltiplos sentidos da mesma. Esvaziando a linguagem simbólica se esgotam as mensagens. Agindo desse jeito, aos poucos, vamos perder também o verdadeiro sentido espiritual do Natal e das festas natalinas, concentrando-nos na questão material das mesmas.
Assim é bem fácil se reduzir a fazer uma experiência de um Jesus meramente humano, com todas as suas consequências que comportam, deixando de lado que é também verdadeiro Deus. Sendo também enfraquecida a memória, não se consegue resgatar o passado que nos ajuda a contemplar a verdade. Neste caso, fazemos uma experiência de um Jesus somente histórico e pertinente aos próprios desejos. Desse jeito, fazemos da nossa vida uma realidade bem limitada. E creio que esse momento histórico que estamos enfrentando, em que desapareceram todos os pontos de referências politicas, ideológicas, éticas e jurídicas, a Palavra de Deus pode dar um verdadeiro sentido da vida. Perdendo, num certo sentido a memória, perdemos a capacidade de fazer uma profunda profissão de fé.
A religiosidade cristã se tornou uma questão periférica. Ás vezes me pergunto: até que ponto os nossos fiéis, por exemplo, que vão à Missa se deixam envolver pela radicalidade do evento cristão ou se radicalizam exclusivamente sobre os aspectos puramente rituais e formais? Agora, aumentando sempre mais a cultura digital poderá diminuir sensivelmente a verdade sobre Jesus o Cristo? Uma cultura desse tipo parece que relativize um pouquinho tudo. Onde está a verdade? Parece que as pessoas perguntem hoje. Uma coisa é certa: devemos buscar a verdade, mas como fazemos se a nossa memória está, num certo sentido, afetada? Então, como resgatar uma memória prejudicada? O que fazer? É urgente se reapropriar de algo que é nosso e não delegar exclusivamente para a técnica aquilo que é nosso. A técnica é importante para nos auxiliar e não para nos expropriar.
Promovemos uma cultura da paz
Todos nós somos convidados por uma política da paz. Esta é possível por meio de uma informação de paz. Paz e informação. Duas realidades fundamentais para a convivência humana. Parece que estão em risco. O nosso mundo, onde o progresso avança sempre mais e a tecnologia dos meios de comunicação se expande com ritmos acelerados, mostra-nos a real ligação e dependência entre esses dois fatores, a comunicação e a informação.
Aliás, dizia o papa S. João Paulo II, elas representam hoje um poder que poderia bem servir a causa da paz, mas também criar tensões e provocar guerras e violações dos direitos humanos. Segundo McLuhan, nós estamos determinados pela tecnologia, ou seja, pelo determinismo tecnológico e, por isso, para ele, a única solução é desconectar o cabo de força da tomada, isto é, cortar esse tipo de comunicação. Certamente, nós não estamos de acordo com esse tipo de afirmação, embora reconheçamos que a situação seja preocupante. Porém, achamos que o ser humano possa encontrar as soluções por meio da sua capacidade do saber e do dialogar. No entanto, nos questionamos: será que estamos ensaiando, vivendo esta dimensão do saber e do dialogar?
Pelo menos nós da Igreja nos interrogamos o que estamos fazendo, de fato, em relação a isso?
Além do mais, por exemplo, como a informação é submetida a limitações e condicionamentos políticos e econômicos, arriscando, assim, de ser sempre menos independente, livre e insuficiente. Desde sempre, a guerra como o terrorismo se alimentam por uma informação facciosa, parcial e duvidosa que gera medo, ódio e violência.
Ao mesmo tempo, cada vez que se esconde ou se muda a verdade, que se obscurece uma manifestação ou projeto de paz, que se privilegiam os interesses de uns no lugar do bem comum, cumpre-se assim um grave atentado à construção da paz. S. João Paulo II escreveu: “as formas e as maneiras como são apresentadas situações e problemas tais como o desenvolvimento, os direitos humanos, as relações entre os povos, os conflitos ideológicos, sociais e políticos, as reivindicações nacionais, a corrida para ter mais armas, para fazer alguns exemplos, influem diretamente em formar a opinião pública e criar mentalidades orientadas no sentido da paz ou abertas, no entanto, para soluções de força”.
Continua o Santo papa: “A comunicação social, se quiser ser instrumento de paz, deverá superar as considerações unilaterais e parciais, removendo preconceitos, criando, no entanto, um espírito de compreensão e de recíproca solidariedade”. Infelizmente, os grandes e poderosos meios de informação difundem uma falsa ideia da paz que se associa a inércia, renúncia, entrega, resignação, impotência. As imagens, palavras e atitudes irresponsáveis transmitem princípios e comportamentos que corroem as raízes por uma cultura da paz. Porém, a paz se gera e mantém com uma informação e uma comunicação livre, se preocupa com o bem comum, é próxima aos direitos e as necessidades das pessoas. Assim sendo, uma livre informação pode crescer somente na paz.
Assim, não devemos “dormir”, mas acordar as nossas aspirações para uma cultura de paz.
Natal 2019
Ajoelhado no último banco da igreja, com a cabeça reclinada e bem segura entre as mãos, estava, um dia desse, um rapaz rezando sozinho. E ali permaneceu um bom tempo. Eu pensei: “por que preferia ficar na Igreja, sozinho, no lugar de se divertir num boteco junto com os outros colegas?” Aliás, naquele fim de semana, estavam bem lotados todos os bares da redondeza e todos manifestavam alegrias e descontração na diversão. Por que esse jovem preferiu ficar rezando na Igreja? Tinha sentido estar sozinho em um lugar tão diferente como a Igreja?
Estamos celebrando este ano o Santo Natal 2019. Há 2019 anos que nasceu Jesus.
Como a gente vive este grande acontecimento? Como aquele rapaz que preferiu ir para a Igreja rezar ou se divertir em festas como muitas pessoas fazem? Os mistérios de Deus se tornam inacessíveis para aqueles que procuram preencher a própria vida através dos barulhos e festas da vida. Eu creio que aquele rapaz, da Igreja, esteja no caminho certo: é por aí que conseguiremos dar sentido a nossa vida, a preenchê-la de verdade. Reconheço, também, que muitas pessoas estão fazendo coisas maravilhosas na vida delas. Verdadeiras conversões. Isto me leva a louvar a Deus por estes seus filhos/as tão queridos. São para mim verdadeiras testemunhas de fé. Este ano contemplo o nascimento de Jesus na vida dessas pessoas.
As palavras ressoam continuamente na minha vida: “Padre Cláudio, a minha vida parecia um inferno, mas depois que comecei a participar ativamente da vida da Igreja tudo mudou. Quer dizer, as dificuldades sempre me acompanham, mas é a maneira nova de enfrenta-las, talvez com uma cabeça mais fria, porque tenho a perfeita consciência que Deus está comigo”. E continua: “O tempo que perdi até agora quero recupera-lo, doando-me cada vez mais na vida da Igreja, porque este Jesus está fazendo tudo por mim, ele tem demais paciência comigo”.
Quem festeja o verdadeiro Natal de Jesus, e não aquele da festa dos barulhos, isto é, do consumismo, irá compreender que Deus não está longe dele e, portanto, se torna o seu mais importante aliado.
Desse jeito, quem faz esta experiência leva-o a saber discernir qual é verdadeiro Natal e como festeja-Lo. Eu desejo que todas as pessoas, que sempre me acompanharam e que me conhecem, possam fazer a verdadeira experiência do santo Natal de Jesus. Temos somente que ganhar com isso e nada a perder. Tenham coragem e não se deixem levar pelos falsos natais que o mundo do consumo propõe continuamente.
E o papa Francisco falou na homilia do Natal 2014: “Como acolhemos a ternura de Deus? Deixo-me alcançar por Ele, deixo-me abraçar, ou impeço-Lhe de aproximar-Se? «Oh não, eu procuro o Senhor!» – poderíamos replicar. Porém, a coisa mais importante não é procurá-Lo, mas deixar que seja Ele a procurar-me, a encontrar-me e a cobrir-me amorosamente das suas carícias. Esta é a pergunta que o Menino nos coloca com a sua mera presença: permito a Deus que me queira bem?”
Feliz Santo Natal 2019 e o ano 2020 seja marcado no compromisso com o nosso único Mestre Jesus.
Filosofia e Religião: a revolução de Cristo
Quem nos ajuda a explorar esse tema tão importante é uma pessoa que vem de longe: São Justino. Ele nasceu em Samaria, na Terra Santa, pelos anos 100. Foi filósofo e mártir que defendeu a nossa religião das graves acusações dos pagãos e dos judeus. Ele escreveu o “Diálogo com o Hebreu Trifone”, entre um rabino e um cristão. Qual foi o debate deles?
Uma longa discussão sobre a interpretação das profecias messiânicas que se acham nas Sagradas Escrituras. Justino mostra como em Jesus se realiza o projeto de Deus tanto da criação quanto da redenção. Ele é a Razão eterna, a Razão criadora. Nesse sentido, todo ser humano participa dessa Razão que é Jesus, Princípio e Fim, enquanto ser racional.
Assim, Justino projeta o seu percurso intelectual através da leitura das Sagradas Escrituras e pela filosofia cristã que ajuda alcançar com a certeza as verdades últimas sobre Deus, o mundo e o ser humano. De fato, a filosofia cristã marcou constantemente os primeiros séculos, dando-nos filósofos de renome como Agostinho e Orígenes. Houve uma mudança de relevo com a entrada da filosofia cristã em relação ao passado. Assim sendo, nos perguntamos: como era antes do cristianismo e como era vista a religião? A religião era uma atividade que se concretizava em ritos e sacrifícios, em que as pessoas participavam, e nada mais que isso ou talvez um crer que se refazia ao mito tradicional.
No entanto, debater sobre Deus era da filosofia, que se debruçava sobre os princípios fundamentais da vida e se restringia a segmentos da sociedade que possuíam instrumentos materiais e intelectuais para poder ensaia-la e alimenta-la. A partir de Jesus Cristo, essa prática filosófica se universaliza e se abre a todos. Não é mais restrita a uma elite, mas alcança todos os segmentos da sociedade pela mediação dos intelectuais e dos pregadores cristãos que se refazem, a partir das Sagradas Escrituras e dos seus comentários. A respeito disso, é só lembrar um dos grandes autores: Santo Agostinho. Ele ainda hoje é um autor dos mais lidos no mundo.
Todo esse movimento filosófico cristão que vai da prática cultual a um sistema de conhecimento e de crença em relação a Deus, a partir de Jesus, leva a uma ética bem consistente, alimentando a prática religiosa ancorada a uma viva liturgia, à Bíblia e à Tradição da Igreja. Assim sendo, o cristianismo desde as suas origens se impôs na vida das sociedades e do mundo intelectual, através do seu pensamento. O cristianismo, podemos dizer também, é uma verdadeira filosofia e, ao mesmo tempo, caminho universal de acesso para a verdade sobre Deus e sobre o ser humano. Hoje em dia, no mundo do relativismo dialógico sobre os valores, a religião e o debate inter-religioso, Cristo resgata a humanidade, dando-lhe uma plenitude de vida. Portanto, Jesus Cristo é também uma manifestação histórica de vida na sua totalidade e de reflexão que promove todos e não somente os cristãos. Portanto, uma profunda filosofia passa também pelo Jesus, qual luz para as nações.